Confrontos e arrastões aconteceram após repressão das forças de segurança, especulação imobiliária e cancelamentos de programas assistenciais
Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Allan White/Fotos Públicas (17.06.17)
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
A Cracolândia não existe no mapa oficial da cidade de São Paulo, porém o epaço onde centenas de pessoas com dependência química usam crack em uma antiga área rica do centro da capital é conhecido nacionalmente por esse nome. Nos últimos dias, chamou atenção vídeos de arrastões e atos de vandalismo nas ruas de Campos Elíseos, nas proximidades da área.
Para o psiquiatra Flávio Falcone, que atua na Cracolândia e mora na região há oito anos, a origem dos tumultos está no sucateamento e extinção de programas públicos, especulação imobiliária e, sobretudo, na violação dos Direitos Humanos por agentes de segurança pública.
“Nos últimos quatro anos, o único projeto que o Estado implantou na Cracolândia foi a violência policial. Além disso, em 2020, foram fechados todos os projetos de abrigo que existiam e já eram precários”, conta o médico, Falcone, idealizador do Projeto Teto, Trampo e Tratamento.
As unidades do Atende, programa de unidades Emergenciais de Atendimento da Prefeitura, que existiam na região da Cracolândia, foram transferidas para o bairro do Glicério. Os dependentes químicos que não quiseram ir para lá acabaram acampando na Praça Princesa Isabel.
“Essa mudança faz parte de uma estratégia de esvaziamento da região e abrir caminho para a especulação imobiliária, com projetos de moradia que não contemplam os moradores da região. Famílias, por exemplo, que moram há 20 anos em cortiços e pensões, mas que não têm perfil econômico para entrar nos programas de moradia popular que serão implantados”, explica Falcone.
Motivação dos confrontos
Os confrontos mais recentes aconteceram na terça-feira (8) e se repetiram na quarta-feira (9). Essa quinta-feira (10) era a data limite para 400 famílias deixarem dois quarteirões onde vivem bem no centro da Cracolândia.
“Foi ali que começou tudo. Estava acontecendo uma distribuição de marmitex e a polícia dispersou o fluxo para a praça Princesa Isabel. Depois a GCM [Guarda Civil Municipal] e a PM [Polícia Militar] cercaram as ruas e começaram a jogar bombas por cerca de duas horas. Então, como estavam acuadas, as pessoas do fluxo começaram os tumultos e os ataques aos carros que passavam, como forma de tentar barrar a ação da polícia”, detalha o psiquiatra.
O padre Júlio Lancellotti, da Pastoral de Rua, que está diariamente na Cracolândia, ratifica a explicação do médico para o motivo dos arrastões nos carros que circulavam pelo local.
“Após o ataque da GCM e da PM, a violência se reproduz contra pessoas também indefesas . Estranha a ausência da PM e GCM neste momento para garantir a segurança de todos”, escreveu o padre no Instagram.
O educador social Ricardo Barros, do movimento Craco Resiste e do movimento Sem Ternos, de ex-trabalhadores da região, disse à Agência Alma Preta que a ação violenta da polícia e o cancelamento das políticas de saúde mental no SUS (Sistema Único de Saúde) vão agravar ainda mais o clima de confronto na Cracolândia.
Na campanha para a Prefeitura, as duas candidaturas que chegaram ao segundo turno, apresentaram propostas que orbitavam sobre o aumento da ação da GCM (Guarda Civil Metropolitana). “O Boulos se mostrou um pouco mais sensível e veio mostrar as propostas, mas o Covas nem aqui veio”, relata Barros.
Segundo ele, a provocação e opressão das pessoas já fragilizadas que estão no Cracolândia é intencional para que as forças de segurança façam uma opressão ainda maior, para acelerar a retirada dos dependentes químicos e dos moradores de baixa renda da região.
O estudo mais recente que traça o perfil dos frequentadores da Cracolândia, foi divulgado em 2019 e registrou que 76,5% dos frequentadores são negros, soma de pretos e pardos, com idade média de 35 anos e quase metade (47,6%) frequenta a região há mais de cinco anos.
Falcone comenta que, em 2017, quando foram lançados os primeiros projetos de moradia popular com o objetivo de revitalizar a Cracolândia, as inscrições teriam como critério de prioridade quem morava ou trabalhava no Centro.
“Mas para se inscrever tinha que comprovar uma renda renda de três salários mínimos. A grande maioria das 400 famílias que vivem ali não têm essa renda e ficaram de fora. Quando as primeiras unidades populares foram entregues, metade dos moradores eram policiais e bombeiros. Estamos vendo mais uma vez a articulação do poder público para tirar os pretos e os pobres do Centro”, pondera o psiquiatra.
A Prefeitura informou que na região atua com abordagem multidisciplinar aos usuários de drogas presentes no fluxo, dentro da Política Municipal sobre Álcool e outras Drogas. Com o foco em acolhimento e tratamento em saúde e para devolver autonomia aos adictos, foram criadas próximas à região duas unidades do Siat (Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica).
Alem disso, as equipes da GCM só fazem o uso de moderado da força quando são hostilizados e agredidos, com o intuito de conter o agressor, conforme as normas da corporação.
Segundo a Prefeitura, a maior parte das pessoas no fluxo da Cracolândia aceita as opções de auxílios oferecidas. Desde o dia 21 de maio de 2017 até o dia 03 de dezembro 2020, foram realizadas pelas equipes do Seas (Serviço Especializado de Abordagem Social), da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social, 387.921 abordagens na região da Nova Luz, sendo 334.451 abordagens com encaminhamento socioassistencial e 44.470 abordagens com recusa.