Em conjunto, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Secretaria Municipal de Saúde e a Redes da Maré iniciaram uma campanha de imunização em grande escala no Complexo da Maré (RJ) na semana passada, com o objetivo de realizar a aplicação de pelo menos a primeira dose do imunizante AstraZeneca em toda a população adulta jovem que reside na comunidade. Os moradores têm até hoje para participar da primeira fase, segundo a organização. Após o período, será feita uma busca ativa entre aqueles que não se vacinaram.
A primeira fase da campanha de vacinação obteve resultado positivo, de acordo com as expectativas da Redes da Maré: em quatro dias, 33.774 moradores do complexo foram vacinados. A estimativa da Fiocruz era de 31 mil doses. Dados da fundação desta quarta-feira (4) mostram que, até hoje (4), cerca de 36 mil doses foram aplicadas.
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Em resposta à Alma Preta Jornalismo, a assessoria de comunicação da Fiocruz afirma que, “com uma ampla cobertura da população jovem vacinada com pelo menos uma dose da vacina contra a Covid-19, a expectativa é de que casos graves e óbitos pela doença caiam ainda mais na Maré”, diz.
Ontem, a comunidade foi visitada pela presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, juntamente com o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga; o ministro do Turismo, Gilson Machado; o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz; e a secretária extraordinária de Enfrentamento à Covid-19, Rosana Melo a fim de verificar o andamento da campanha.
Desde o início da pandemia, com a implementação do projeto Conexão Saúde, que elabora uma série de ações de prevenção na região, além do teste de Covid-19, a taxa de letalidade na Maré caiu 86%, segundo a Redes da Maré. A vacinação acontece em 145 pontos espalhados pelo complexo, entre unidades de saúde, escolas, Vila Olímpica e associações de moradores, e conta ainda com 500 profissionais de saúde da prefeitura e 1.620 voluntários.
Estudo
O teste de vacinação em massa é o ponto de partida de um estudo inédito que a Fiocruz conduz com o objetivo de mapear o impacto desse tipo de ação na comunidade. Por meio de nota, o secretário municipal de saúde do Rio, Daniel Soranz, afirmou que “com esse estudo, vamos avançar ainda mais para o entendimento da eficácia e da proteção que a vacina dá à população amplamente vacinada. Todos os profissionais da Secretaria Municipal de Saúde estão muito empenhados para ajudar nessa grande vacinação. São mais de 1,6 mil voluntários envolvidos e com muita dedicação, fazendo história no Rio de Janeiro”.
Dados da Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro mostram que, na Maré, a dimensão populacional é superior a 96% dos municípios do país. Portanto, para o secretário, pesquisador da Fiocruz e coordenador da análise, Fernando Bozza, o estudo de vacinação em massa “é algo único, que nos permitirá um mapeamento com características singulares, aspectos da doença em si, como a dinâmica de transmissão do vírus no território, a vigilância de suas variantes e o acompanhamento de possíveis efeitos adversos das vacinas”, salienta.
Desenvolvimento da campanha
De acordo com o artigo “Vacinação em massa contra a Covid-19”, da Fiocruz, a meta inicial no Complexo da Maré era antecipar a vacinação de 31 mil pessoas que, junto com as demais faixas etárias que já haviam sido contempladas pelo calendário do município, passam a ser monitoradas pelos grupos de pesquisa.
Informações quanto à efetividade da vacina serão constantemente avaliadas pela equipe de pesquisadores, levando em conta os seguintes critérios: idade; sexo; tipo de vacina que foi ministrada; tempo de infecção após a vacinação, tempo até a segunda dose, ocorrência de casos graves e prevenção de óbitos.
O informe ainda explica que o outro grupo que integrará a pesquisa, mesmo que fora do público alvo da análise, são as crianças e adolescentes. “Um dos objetivos do estudo é entender a dinâmica da transmissão e a proteção indireta que esse grupo pode adquirir uma vez que a família esteja imunizada. Queremos entender se a vacinação em massa da população adulta inibe a circulação do vírus de forma a proteger também as crianças e os adolescentes”, afirma Bozza.
Método utilizado
De acordo com a Fiocruz, o estudo trabalha com duas linhas de atuação, que funcionam de maneira simultânea: a primeira consiste na identificação de casos sintomáticos que serão submetidos ao teste de RT-PCR. Os participantes devem informar imediatamente caso apresentem os sintomas de Covid-19. As equipes responsáveis pela análise irão manter acompanhamento próximo das Unidades Básicas de Saúde (UBS) para orientar a realização do teste molecular dentro da janela de sete dias desde o início dos sintomas.
“O resultado da testagem será cruzado com o monitoramento da situação vacinal e o desfecho do quadro, com sua classificação final de gravidade. Desta forma, será possível calcular a proteção que a vacina está conferindo à população”, diz o artigo.
A segunda linha, por sua vez, vai analisar um grupo populacional composto por 2 mil famílias que residem no Complexo da Maré, mobilizando, ao todo, aproximadamente 8 mil indivíduos, que serão acompanhados por seis meses. Durante esta etapa será verificada a avaliação de soroprevalência (proporção de casos de infeção pelo vírus na população), proporção de vacinados e ocorrência de casos, com o intuito de mapear a transmissão do vírus no ambiente familiar, inclusive em adolescentes e crianças.
“É nesta etapa que conseguiremos levantar os dados para responder a questão se ao vacinar os adultos, também protejo as crianças?”, complementa o coordenador do estudo.
Importância do apoio popular
A mobilização dos moradores para adesão à vacinação em massa e ao estudo conduzido pela Fiocruz está sendo liderada pela Redes da Maré, instituição com mais de 20 anos de atuação no território. A organização também tem articulado apoio com associações de moradores, influenciadores, comunicadores populares e lideranças, a fim de informar e esclarecer a população da comunidade sobre a importância das ações de saúde.
Segundo a coordenadora da Redes da Maré, Luna Arouca, a adesão dos moradores do complexo foi alta, o que pode determinar um resultado positivo da campanha de vacinação.
“Nas ruas, as pessoas vieram falar com os mobilizadores, os profissionais estavam engajados. Desde digital influencers da comunidade, todo mundo ‘vestiu a camisa’, utilizou os bottons e a população jovem teve ótima participação. Foi super bonito de ver”, coloca.
Luna pondera ainda que a vacinação foi importante também para garantir a saúde da classe trabalhadora mais jovem que reside no complexo. A coordenadora ressalta que, mesmo não sendo uma população de risco, o momento é de alta relevância para essas pessoas estarem protegidas.
“Um estudo como esse, que se compromete a olhar com interesse uma região de favela e periferia é extremamente importante, pois sabemos que essas áreas são constantemente negligenciadas. Analisar o desenvolvimento de uma pandemia a partir dos marcadores sociais e raciais pode gerar políticas públicas específicas para essas pessoas”, finaliza.
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