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“Vai ser militante de barriga cheia”: 13 lições de empreendedorismo com Monique Evelle

13 de agosto de 2019

A empreendedora Monique Evelle dá orientações de como se dar bem no mundo dos negócios

Texto / Amanda Lira | Imagem / Acervo pessoal

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Aos 24 anos, Monique Evelle acumula uma série de conquistas: fundou o portal Desabafo Social, foi repórter do Profissão Repórter, da Globo, e se tornou colunista da HuffPost Brazil. Além disso, apresentou três TEDxTalks e fundou cinco empresas, dentre elas a Evelle Consultoria, que atende clientes como o Bradesco e o Bob’s.

Nessa trajetória, o protagonismo na militância negra e feminista lhe rendeu diversos reconhecimentos. Em 2017, por exemplo, a baiana – que hoje se divide entre São Paulo e o estado natal – foi eleita uma das 30 jovens mais promissoras do Brasil pela revista Forbes. Ela ainda foi destacada como “nova voz do feminismo negro” pelo jornal O Estado de S. Paulo.

Conversei com a Monique alguns minutos antes de mais uma de suas apresentações em eventos. Ela palestraria em mesa-redonda intitulada “O empreendedor brasileiro no divã” ao lado de outros empreendedores denominados “sociais”. Enquanto conversávamos, ela estudava: observava o ambiente repleto de empresários brancos e de universitários brasileiros em instituições estrangeiras já pensando no que diria em poucos instantes.

“Pegam todos os meus títulos e tudo o que eu criei… Até eu canso. Mas é isso. É uma forma de dizer: ‘É por isso que ela está aqui’. Dependendo do lugar, eu dou o meu belo textão: ‘Eu sou essa pessoa mesmo e você vai ter que dormir com essa. Porque é a mesma pessoa por quem você passou, empurrou, não deu ‘bom dia’, ficou encarando, pisou no pé e não pediu desculpa. E eu estou aqui no palco. Essa pessoa da Forbes, que fez três TEDs, palestrou em Harvard e no MIT’”, antecipou Monique.

Admito que demorei a absorver a nossa conversa. Por isso só agora divulgo a entrevista, que, a princípio, seria publicada em julho durante a cobertura do evento. Monique me surpreendeu. Afinal, o papo, mais do que “aspas jornalísticas”, rendeu uma série de aprendizados, que compartilho em tópicos:

1. O empreendedorismo é muito mais amplo do que a gente imagina, embora tentem nos convencer do contrário.

“Sobre empreendedorismo a branquitude sabe falar bem. Inclusive com vários termos em inglês. Eles sabem falar inglês, mas não sabem falar sobre a história do Brasil. Por isso, talvez, se eu falo sobre gestão de sobrevivência eles não sabem o que é. E eu estou falando da mesma coisa. Mas eles já estão acostumados com esse universo de termos e de linguagens que não chega em determinados territórios”.

“Eu vejo que empreender é muito a questão de comportamento. Muito mais do que criar negócio. E a quebrada é assim o tempo todo. Onde há periferia, há pessoas empreendedoras. Há empreendedorismo. E todo mundo empreende”.

2. O ativismo demanda recursos.

“Eu digo que eu faço ativismo com dinheiro. Ou seja, quanto mais eu ganho dinheiro, cada vez menos eu vejo pessoas batendo na minha porta pedindo dinheiro de aluguel. Porque eu estou contratando essa pessoa. É foda porque militância não é uma profissão, né? Me formei em política e gestão da cultura e agora faço pós na UFSCar em inovação tecnológica. Eu não estudo racismo. É uma merda ter que ficar o tempo todo mostrando o que é racismo. É desesperador. É isso que a gente não pode mais fazer”.

“Essas empresas de cabelo vão chamar a gente para fazer grupinho, a gente vai dizer como tem que fazer, eles vão criar fórmula e vão patentear porque são empresas globais. E o nosso retorno vai ser o quê? Aquilo que a gente chama de ‘recebidos’. ‘Toma aí uns produtinhos’. Ninguém paga boletos com produtos ou com permuta. Mas é foda porque as migalhas parecem que suprem as necessidades da vida”.

3. Vá com calma e tenha ginga.

“Eu sempre falo: ‘gente, calma, respira’. Eu não romantizo alguém que começa a pensar em negócios sem grana. A periferia precisa de grana até para errar. Aqui [no evento “Brasa em Casa”] está todo mundo errando, mas tem investidor nos Estados Unidos. Tipo assim, a gente precisa do dinheiro até para saber o que a gente vai fazer com isso. Se errar, tudo bem. Mas eu testei. É o mínimo. Eu estou muito nessa dinâmica de pensar como que eu me junto a esses globais. Mas é isso: eu posso fazer com vocês, mas eu quero a minha parte. Eu não quero só parceria”.

“Tem evento em que eu não falo. Ainda mais em evento de comunicação, com agências, eu falo pouco. Eu sei que, se eu falar uma frase muito boa, vai virar campanha. Eu não sou louca. Tem que ter literalmente a nossa ginga de preto. Pretos e periféricos. Só a gente sabe fazer isso. Eu acredito nos dois lados: o de ocupar e o de criar. Não escolho um ou outro. Eu crio e ocupo”.

4. Não espere que a branquitude compartilhe seu poder: crie seus espaços.

“A gente quer que a pessoa reconheça seu privilégio. Mas quer que a pessoa faça o quê depois com isso? Vai chorar, vai dar um cargozinho de estagiário e não vai abrir mão. Ninguém vai deixar de ser CEO da empresa. Ninguém vai deixar de ser diretor. Não existe essa possibilidade. Isso não existe. Por isso que eu falo de ocupar e de criar. Tem gente que é muito estratégica ocupando, mas tem gente que é só para criar. E está tudo bem também. Cria o seu rolê, vai ver o que dá e foca na missão”.

“É foda porque a gente está 500 anos atrás e a corrida é dolorosa. Você vai ter que entender umas paradas que nunca ouviu – “o budget do briefing do job”. Mas a gente está aqui e eu gosto de olhar com esse olhar da abundância. Porque eles adoram olhar com o olhar da escassez. ‘Fui num território periférico e mudei o IDH’. Claro! Se não tinha nada e você botou uma empresa, vai mudar o IDH. É questão óbvia. Então, assim, às vezes a gente tem que mostrar o óbvio para eles entenderem que, tipo, tanto faz. E, às vezes, o óbvio é que vai mudar a chave do jogo. E a galera não está olhando para o óbvio.

5. Tome cuidado com a pressão e com a demanda do outro.

“Dentro de movimentos tem as divisões, né? Tem gente que me acha super liberal. Vou falar o quê? Ele não está dizendo que eu sou? Está tudo bem. Daqui a pouco ele vai entender que não é ser liberal. E eu tenho esse exercício. Mesmo. Porque, se eu tentar ficar o tempo todo na demanda do outro, seja a pessoa falando bem ou mal de mim, seja querendo que eu faça isso ou aquilo, eu não vou conseguir fazer nada. Eu sei exatamente o que eu estou fazendo”.

“A gente está morrendo com arma de fogo, mas também com suicídio. É muita pressão dos dois lados. Não dá para aguentar. O que eu perdi de amigos militantes tanto no Brasil quanto fora, pretos, que se mataram porque não estavam aguentando, porque não sabiam o que fazer, que não sabiam se podiam resolver os problemas da humanidade… A gente precisa se responsabilizar pelos nossos também porque, talvez, a gente esteja adoecendo essas pessoas. A gente não sabe, mas pode ser que eu esteja adoecendo alguém, sei lá, pelas falas e pela pressão que é ter que dizer que sim ou não e dar satisfação do que faz. Deixa eu trabalhar”.

6. Anote seus objetivos e acredite.

“Eu tenho algumas conhecidas e amigas que moram em quebrada, quebrada fundão, que são de áreas perversas mesmo. E uma delas me falou assim: ‘Eu não tenho como sonhar. Eu vi pessoas morrendo na minha frente e você quer que eu sonhe?’. Mas meus pais sempre me permitiram sonhar. Isso é foda. Pode parecer besteira essa coisa de ter sonho. Mas eu sonhei com tudo e, em 2018, eu realizei tudo o que eu queria na minha vida. Sem querer…”

“Eu escrevi algumas coisas – Estou parecendo macumbeira, né? Vou escrevendo e o negócio vai acontecendo – E sempre falei que eu nunca quis conhecer alguns ídolos. Por exemplo, Lázaro e Taís. Eu nunca quis só: ‘Ah, vou conhecê-los e tirar uma foto’. Eu falei: ‘Um dia a gente vai ser amigo porque ele vai conhecer o meu trabalho’. Sempre foi assim. E eles me conheceram por causa do meu trabalho. E hoje, por acaso, somos amigos. Todos os meus ídolos viraram amigos. Eu realizei tudo! Tanto que eu virei o ano e falei: ‘Pronto, acabou minha vida’. Quando a gente realiza sonho, o que acontece?”

“Tem uma música de Favela Vive 3 que diz: ‘Eu sou daqueles que acredita que pensar sobre a vitória vai fazer com que você vença’. E como a gente está num – a branquitude adora usar esse termo – mindset (comportamento e pensamento) de que a gente não pode, de que a gente é isso, de que a gente é aquilo, a gente reproduz, mesmo sem querer. Mesmo dizendo: ‘Vou te provar que eu sou foda’, a mente paralisa. Você entra num looping em que, se você não acreditar na vitória, não vai”.

7. Seja bom. E reconheça isso.

“Eu sempre entendi o que Mano Brown queria dizer com ser duas vezes melhor, mas nunca concordei. Mas, mesmo não concordando, eu sempre coloquei em prática. Eu sempre fui foda na escola. De ficar ganhando todo ano aquela merda de aluna destaque. Estudei em escola particular. Depois fui pro público, mas era uma escola pública que tinha que fazer prova para entrar… Sempre fui muito foda. Aí eu falei: ‘Tá, eu sou muito foda’ e eu era a menina mais gata e estilosa do baile e os caras não queriam porque eu sou preta. Sou inteligente para caralho, mas foda-se porque eu sou preta. Independente de ser duas vezes melhor que o branco, somos pretos mesmo”.

“Nem sendo duas vezes melhor, a galera vai entender. Eu tenho empresas e faturo – faturo, não, lucro. Faturar é ficar no azul. Eu estou no verde – e as pessoas ainda não entenderam quem eu sou. É por isso que eu estou aqui: para saber como as pessoas me tratam. Eu chego cedo para ver como as pessoas me tratam. Porque, quando eu subir no palco, eu dou um sorriso enorme. Eu sou essa pessoa. Mesmo não concordando, eu fui tentar ser duas vezes melhor. E, acredite, eu sou. E não tenho modéstia nenhuma em falar isso porque eu treino para ser duas vezes melhor. Preto treina para ser duas vezes melhor”.

8. Estude e dê valores ao seu trabalho.

“Em Natal, eu estava com 16 anos, foi minha primeira palestra para muita gente. Só juízes, promotores públicos… Eu falei: ‘Cara, eu vou fazer xixi nas calças’. Aí eu falei meu texto dentro do contexto de Direitos Humanos e percebi: ‘Cara, eu sou boa’. Eu não escrevo: eu falo. Nos meus TEDxs, eu subi no palco fácil”.

“Eu fui treinada para ser foda para estar aqui com você hoje. E o que é treinar para ser muito foda? Estudar. E estudar para fazer tudo no improviso porque só é bom no improviso quem tem muito conteúdo. E eu sei que eu tenho muito conteúdo. Mas isso tudo é informação. O que eu tenho é informação. Eu não digo que eu tenho conhecimento. Conhecimento você vai saber quando eu falar, quando eu colocar em prática. Então sempre é isso. Meu treinamento de mudanças na vida é isso”.

“Foi então que o pessoal começou a me chamar não só para falar do Desabafo Social, mas para falar sobre temas. Algoritmos, etc… Mas aí eu vou ter que estudar mais. E, se eu vou estudar mais, eu vou ter que gastar mais. Logo, eu preciso ganhar dinheiro. Então eu comecei a cobrar palestra e a galera começou a pagar. E aí, assim, R$20 mil, R$30 mil. Foda-se. E é isso. Eles pagam para esses filósofos estranhos. Para esses homens eles pagam R$50 mil, R$100 mil. Não vai me pagar R$50 mil? Então não venho. E é isso. Propriedade intelectual tem que ser remunerada”.

9. É você quem escolhe quando e como falar de si.

“Teve uma moça em um evento sobre tecnologia que perguntou: ‘Como é que você trata a diversidade na sua empresa?’. E eu falei: ‘Desculpa, eu não sei falar sobre isso. E como é que eles – tinham outros dois homens brancos – fazem com a diversidade? Quero aprender com vocês’. O evento todo ficou: ‘Caralho, mano!’”.

“É sobre isso também. Eu acho que eu estou aqui porque muitos eventos acreditam em meritocracia e muita gente me enxerga desse jeito. ‘Veio da quebrada, de Salvador, aconteceu isso’… E a galera adora colocar aquela parada da Forbes, né? E, às vezes, eu mesma nem mando essa merda. É muito foda, mas eu falei: ‘Quer saber? Em eventos assim eu vou falar: eu sou isso e você não é’. Ponto. Porque eu sou mesmo e eu saí na Forbes’”.

10. Aprenda a jogar xadrez.

“A gente já sabe ser estratégico para a polícia não nos matar. A gente também precisa ser estratégico para ganhar esse jogo. Aqui é jogo de xadrez, e a gente sabe jogar damas. Como que joga xadrez? Senta essa bunda aí e vai aprender a jogar xadrez que eles sabem. E quem tem que derrubar a rainha é a gente”.
“Eu estudo xadrez. E é isso que eu faço. E eu aprendi que o jogo é xadrez na comunidade. E a galera não sabe. Para a gente começar a ocupar esses espaços que disseram não ser nossos, mas que são porque foram construídos por mãos pretas, é estratégia”.
“Aí você entrou na engrenagem? Veja agora se você consegue ser Malcom-X. Eu primeiro entro. É saber equilibrar. Equilíbrio não significa se silenciar para pessoas não-negras ou para empresários. É saber exatamente o que a gente está falando para entrar pelas brechas. Eu ouço todo mundo. Ouço até o final”.

11. Demarque sua posição e ajude a multiplicar.

“Não aguento mais Monique Evelle. Não pode ser. Não é possível que não tenha mais uma pessoa para subir nesse palco. Então, assim, tem eventos que a gente cancela. ‘Cara, você me chamou três vezes para um evento da mesma empresa’. Aí mostro uma lista”.
“Eles não vão ceder e eu fico em crise. Eu fico cedendo para colocar um dos nossos. Mas é sempre esse lugar: eu tenho que ceder para colocar você e você ficar no meu lugar e eles vão estar lá somando, multiplicando. E a gente vai ter que dividir”.

12. Tome cuidado com a cilada da solidão.

“Eu não falo nem de representatividade mais porque eu sempre falo: representatividade é solitário e é adoecedor. Ponto final. Para mim é proporcionalidade. Por isso que eu estou nesse meio, inclusive. Eu preciso ver pessoas parecidas comigo, caminhando pelo mesmo caminho. Esse horizonte de ‘Eu não estou sozinha. Eu não estou louca. Não tenho que ficar provando o tempo todo’. A responsabilidade que eu tenho não pode virar peso”.

13. Permita-se viver e ser leve.

“Eu estou resgatando a leveza de fazer o que faço porque eu acredito mesmo. Quero fazer e vou continuar fazendo, só que eu quero a leveza de uma jovem de 24 anos. Eu quero ir para um rolê sem ninguém me parar para falar: ‘Ah, eu tenho um projeto…’. Você pararia uma pessoa branca para falar sobre isso no meio de uma balada? Tenho 24 anos”.
“Lázaro fala isso comigo: a gente não pode viver sob a demanda do racismo. E esse é um dos meus mantras. Responsabilidade é uma coisa, peso é outra, e muita gente dos nossos está trazendo peso. As pessoas estão adoecendo e eu não quero adoecer. Não vou terminar como Marielle”.
“Eu sei exatamente a estratégia que eu uso para não ficar só Monique lá, mas para trazer todo mundo. Eu tenho cinco empresas. Então vem em rodo, uma leva. E não vai aparecer meu nomezinho porque não é sobre isso. ‘E aí? Você está trabalhando agora? Pagando suas contas? Fechou. Está tudo certo’. É uma família, né? Não é: ‘Larga tudo e vai lá ser feliz’. Pelo amor de Deus, vai ser militante de barriga cheia”.

 

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