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Violência policial pode ser a causa de estresse pós-traumático em pessoas negras

Situações de ameaças, xingamentos e agressões em abordagens policiais, podem ocasionar o desenvolvimento de doenças e transtornos psicológicos
A imagem é em preto e branco e enquadra uma pessoa negra com as mãos no rosto

Foto: Foto: Reprodução/Nappy

6 de julho de 2022

Era pra ser uma saída com amigos pelas ruas do Pelourinho, em Salvador, quando Gisele Soares, que estava com três amigos em frente a uma banca de livros, foi surpreendida com a violência de um guarda municipal que queria estacionar uma viatura onde ela estava.

Mulher negra, Gisele conta que se assustou ao ver o guarda apontar uma arma para ela e xingá-la apenas pelo fato de ela não ter visto que ele tentava estacionar. Em uma rede social, a dançarina fez um relato de denúncia.

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“Infelizmente acabei desenvolvendo fortes dores de cabeça e noites sem dormir devido ao medo por todo ocorrido, crises de ansiedade e pânico”, relata Gisele, moradora e mobilizadora do Centro Histórico de Salvador e dançarina.

gisele soares relatoA artista Gisele Soares fez um relato de denúncia nas redes sociais | Foto: Reprodução/Instagram

Situações de ameaças, xingamentos e agressões em abordagens policiais, vivenciadas principalmente pela população negra, podem ocasionar o desenvolvimento de doenças e transtornos psicológicos, como os transtornos de estresse pós-traumático (TEPT) e de estresse agudo (TEA).

Segundo o psicólogo e pesquisador em saúde mental da população negra, Adelmo Filho, os impactos do trauma podem gerar depressão e ansiedade.

” […] São algumas das consequências mais comuns, principalmente o transtorno de estresse pós-traumático e o transtorno de estresse agudo, onde as pessoas que vivenciam o trauma se encontram em constante estado de alerta, como se a qualquer momento pudessem ser vítimas dessa ou de outra violência”, explica o profissional.

Conforme o profissional, também é possível que os impactos psicológicos influenciem no surgimento de sintomas físicos, chamadas de doenças psicossomáticas.

Em um dos relatos na rede social, a dançarina Gisele Soares conta que, além dos transtornos emocionais ocasionados pela truculência, ela acabou desenvolvendo uma dermatite seborréica, o que também tem afetado a sua autoestima.

“Fico pensando que eu, enquanto vítima, continuo pagando, sofrendo por um erro que não cometi e me pergunto que erro foi esse? Será que a minha cor de pele é um erro? Não, mas infelizmente mesmo vivendo em um país onde a população negra é suma maioria, ainda sofremos agressões como esta”, desabafa a artista.

‘Sentimento de humilhação e vergonha’

Após cinco meses da truculência policial, a dançarina Gisele Soares diz que, até o momento, a Guarda Municipal de Salvador (GCM) não tomou providências sobre o ocorrido. Apesar de ter prestado depoimento na Corregedoria da GCM, nenhuma das testemunhas que estavam com ela foram convocadas para dar seguimento ao processo.

“Sem nenhum retorno e sem saber quais providências serão tomadas, isso é se realmente vai ter alguma providência ou se será só mais um de muitos outros casos ‘isolados'”, aponta.

Para ela, o sentimento que fica é de impotência, humilhação e vergonha. “O que vivenciei me gerou sentimentos de humilhação, ira, vergonha e impotência; preocupação constante pelo trauma; auto-culpabilização; Ter que passar pelo local diariamente com tendência a reviver e perceber o acontecimento como responsável principal pelo mesmo, sendo eu a vítima”, comenta.

A Alma Preta Jornalismo pediu um posicionamento da GCM em relação ao caso de Gisele Soares, e, em nota, a Guarda respondeu que ouviu o agente envolvido, através da Corregedoria do órgão, e o procedimento foi concluído e arquivado “em razão da verificação da inexistência de prática de infração funcional no episódio, com o envio de cópia do processo ao Ministério Público Estadual”.

A Guarda também informou que “atua diariamente buscando o bem dos nossos cidadãos e que os seus agentes são orientados para o desempenho de suas tarefas como garantidores de direitos, de forma cordial, respeitosa e dentro dos limites da lei”.

‘O racismo institucional pode ser mais um fator de adoecimento’

Em fevereiro de 2020, um adolescente negro agredido por um PM e vítima de racismo por causa do cabelo black disse que ia cortar o cabelo por causa do trauma. À época, o jovem disse que usava o black há pelo menos um ano e que foi a primeira vez que havia sido discriminado.

A truculência policial, que ganhou repercussão nacional, aconteceu na região do Subúrbio de Salvador e a violência foi registrada por um vídeo gravado por um morador. Durante a abordagem, o policial diz:

“Você é trabalhador, é v*ado, com esse cabelo? Para mim, você é ladrão, é vagabundo. Olha a desgraça desse cabelo”, diz o PM, que em seguida tira o chapéu do jovem de 16 anos, dá dois socos na costela e um no rosto do rapaz.

agressao PM jovem negroOlha a desgraça desse cabelo”, diz o PM ao agredir adolescente negro | Foto: Reprodução/Youtube

No processo, ao qual a Alma Preta Jornalismo teve acesso, o PM, identificado como Laercio Sacramento, chega a dizer que o jovem agiu de forma desrespeitosa durante a abordagem e que, após o chapéu do rapaz cair, viu que o cabelo dele estava pintado de cor amarela, que – segundo o PM – se trata de cores utilizadas por integrantes de facção. Atualmente, o PM Laercio Sacramento cumpre funções administrativas e o processo segue em aberto.

Para além da situação do trauma devido à truculência, a sensação de desamparo judicial e o racismo institucional é visto como a reprodução de um ciclo de violência, o que também gera impactos na saúde mental da população negra, conforme analisa o psicólogo Adelmo Filho.

“Após passar por uma situação de violência e trauma, costuma-se buscar, minimamente, um espaço de acolhimento. Então imagine que você vai em busca de um espaço que deveria lhe proporcionar segurança, cuidado e acolhimento e você pode ser mais uma vez vítima de violência? O racismo institucional pode ser, sim, mais um fator de adoecimento ou de agravo deste. O racismo em si já é adoecedor e atinge a população negra em diversos níveis”, comenta o psicólogo.

De acordo com o profissional, é necessário que os espaços institucionais e de acolhimento estejam cientes do cenário social para evitar maiores danos psíquicos para a população negra e outras minorias sociais. Para ele, a educação deve ser uma aliada na conscientização social.

“Quando falo da via educacional, é para que a sociedade se responsabilize já que ela é a maior causadora dessas violências e danos à saúde das pessoas negras. Não adianta fazer com que a vítima possa criar novos escudos se as armas sociais do racismo se tornam cada vez maiores e mais violentas”, completa.

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