As diferenças salariais entre negros e brancos apontadas por estudos e pesquisas não são apenas uma herança da escravidão, de acordo com o professor de direito do Mackenzie, Silvio Almeida. Para ele, a discrepância salarial é reflexo de uma nova configuração do racismo na sociedade brasileira
Texto / Pedro Borges
Imagem / Agência Patrícia Galvão
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No dia 20 de Novembro, data que marca a Consciência Negra no Brasil, momento de recordar a morte do líder do Quilombo dos Palmares, Zumbi, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) apresentou diagnósticos referentes à inserção de afro-brasileiros no mercado de trabalho nacional.
Os números da Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) apresentam a vulnerabilidade a que estão submetidos os afrodescendentes a respeito do desemprego, da renda e da inserção no mercado de trabalho. O documento também evidencia as peculiaridades e as características do emprego de algumas das grandes metrópoles do país das regiões nordeste, sudeste, sul, e centro-oeste.
O que chama atenção no material é o aumento da desigualdade entre negros e brancos em meio à crise econômica que vive o país. Mesmo em curto espaço de tempo, a diferença da taxa de desemprego em São Paulo entre negros e brancos subiu de 1,9 pontos percentuais, em 2014, para 4,2 em 2016.
A equipe do DIEESE responsável pela PED afirmou em entrevista ao Alma Preta que as políticas adotadas pelo governo federal desde 2014, com foco na maior disciplina fiscal das contas públicas, medidas essas marcadas por cortes nas áreas sociais e acompanhadas de maior liberdade para a atividade financeira e para a precarização das relações trabalhistas, atuam no sentido da maior concentração de renda, fator que atinge de maneira contundente negras e negros.
“Quando se fala em concentração de renda no Brasil, estamos falando na ampliação do fosso existente entre negros e não-negros”.
Racismo estrutural e mercado de trabalho
Os dados da PED mostram que pretos e pardos, pessoas que compõem o grupo de negros de acordo com o IBGE, tem um rendimento de 67,8% dos demais conjuntos raciais do país. O rendimento médio da população negra ocupada ficou em R$ 9,10 por hora, enquanto dos não negros chegou aos R$ 13,41 por hora.
A pesquisa também ressalta o maior impacto de tal política para as mulheres negras, vítimas das estruturas racistas e machistas.
O documento mostra que, na região metropolitana de São Paulo, as mulheres negras têm, em média, 56% do rendimento do homem não negro, enquanto os homens negros recebem cerca de 67% do homem não negro.
O emprego doméstico é marcado pela mulher negra e a construção civil pelo homem negro (Foto: Divulgação)
Um dos motivos para essa disparidade salarial é a singular inserção de cada grupo racial no mercado de trabalho, segundo o DIEESE. Aos afrodescendentes, restam profissões como a construção civil, o trabalho autônomo e doméstico, enquanto aos não negros, cabem as áreas de maior prestígio, caso dos setores público, industrial, de serviços, e universitário.
Por isso, o órgão acredita na existência de um perfil racializado do trabalho.
“No mercado de trabalho, o negro, em geral, ocupa posições mais precárias, o que acaba refletindo em rendimentos menores, quando comparado ao não negro”.
A diferença de estudos entre negros e os demais grupos raciais é um das causas dessa situação, de acordo com o DIEESE.
As singularidades no acesso à educação, a distinta possibilidade de permanência nas escolas e universidades, e a discrepância na conclusão do ensino médio e superior para negros e brancos, são marcadores determinantes para a ocupação profissional dos grupos raciais.
O tempo médio de estudo dos ocupados com 25 anos ou mais era de 9,2 anos para os negros e 10,8 anos para os não negros. A distância vem diminuindo conforme o tempo de dedicação dos afrodescendentes aumentou em 3 anos, de 2000 a 2016, e dos não negros em 1,7 anos no mesmo período.
Essa disparidade do ponto de vista da educação também se materializa quando se observa que 10,6% dos negros ocupados haviam concluído o ensino superior, contra 25,6% dos não negros.
A luta pela adoção de cotas raciais nas universidades visa uma maior diversidade nas instituições públicas de ensino superior (Foto: Divulgação)
Para o DIEESE, cabe ao Estado adotar medidas para frear essa desigualdade no campo da educação.
“O Estado pode, através de ações afirmativas e políticas anti-discriminatórias, produzir mudanças no acesso à educação e, por consequência, gerar mudanças estruturais na participação dos negros no mercado de trabalho”.
A educação, porém, não resolve todos os problemas.
Exemplo disso é a constatação de que, conforme a comunidade negra atinge melhor nível de formação, aumenta a discrepância salarial para com os não negros. Os ocupados negros que não completaram o ensino médio ganhavam em média 92% dos não negros, número que cai para 85% entre aqueles que completaram o ensino médio, e chega aos 65% entre os sujeitos com o ensino superior completo.
O DIEESE descreve que, mesmo quando a comunidade negra chega ao ensino superior, outras barreiras não permitem o acesso aos cargos de chefia ou de planejamento, o que impede o desenvolvimento da carreira profissional do sujeito, e colabora para a manutenção e a ampliação das desigualdades salariais.
Isso porque mesmo formados, negros e brancos dispõe de diferentes recursos e estão inseridos em distintas realidades sociais. O serviço público, por exemplo, espaço de maior estabilidade profissional, reflete essas desigualdades na medida em que os concursos para os melhores empregos exigem dedicação integral aos estudos por anos, algo impossível para parte dos afrodescendentes, que precisam dividir o tempo de trabalho e estudo.
Exemplo disso é a advogada e coordenadora adjunta do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), Haydée Paixão, quem pleiteou o cargo de defensora pública.
“Quando eu estava estudando para a Defensoria Pública, eu parei 6 meses, mas vi que não tinha condição alguma de poder parar minha vida para ficar estudando para esse concurso. É no mínimo uns três anos, que é a média do pessoal”.
Ela diz que cargos como o de juiz, promotor, defensor público, entre outros, têm sido ocupados por uma elite branca, enquanto aos negros, mesmo com formação superior, restam as demais ocupações de menor prestígio.
Por isso, mesmo sem ressonância nos governos estaduais, ela comemora a adoção de cotas nos concursos da União.
“Tivemos agora a vitória da Lei Federal que estabelece obrigatoriedade de cotas raciais nos concursos públicos promovidos pela União, porém, para os estados ainda não há essa obrigatoriedade de adoção de cotas raciais”.
No setor privado, a situação não é diferente. Adriana Barbosa, idealizadora da Feira Preta, maior evento de afroempreendedorismo da América Latina, aponta para a falta de profissionais negros nos postos de chefia das empresas, mesmo naquelas que têm levantado a bandeira da diversidade.
“Gostaria de ver mudanças na inclusão de negros em cargos de liderança com poder de decisão, pois são nesses espaços que o negro pode fazer a transformação”.
Os números mostram que Adriana Barbosa têm razão, há uma menor participação de negros nos cargos de chefia. No ano de 2016, 37,3% dos negros com ensino superior estavam em cargos de direção, planejamento, ou gerência, enquanto entre os não negros essa quantia chegava aos 50,4%.
Por outro lado, pretos e pardos ocupavam as tarefas de execução (34,9%) e apoio (24%), enquanto os não negros estavam em proporções menores nessas mesmas posições, 29,3% e 16,4%, respectivamente.
Luanna Teofillo, idealizadora do Painel Bap, responsável por mapear os padrões de consumo da comunidade negra, reafirma a posição de que há uma desproporcional representação de afrodescendentes nos postos subalternos das empresas, mas reconhece avanços.
“Por outro lado é importante destacar que muitas empresas já estão observando esses padrões racistas e tomando atitudes reais para mudar esse quadro de desigualdade”.
Uma das maneiras de alterar essa realidade, de acordo com Adriana Barbosa, se dá por meio da revisão, por parte das empresas, de discursos e posições baseadas na meritocracia, já que negros e brancos partem de lugares diferentes na sociedade.
Para ela, a diversidade precisa ser acelerada como formar de se enfrentar a desigualdade histórica entre negros e brancos no país, diferença essa marcada pelo racismo.
“Vivemos em um país que tem uma questão a ser superada, que é o racismo estrutural”.
Silvio Almeida, Presidente do Instituto Luiz Gama e professor do Mackenzie, é um dos defensores da ideia de que o racismo é um problema estrutural da sociedade contemporânea, não apenas brasileira, com o poder de influenciar todas as relações e espaços sociais.
Para ele, o racismo seria o responsável por moldar as relações sociais e normalizar as diferenças e conflitos existentes. É o racismo, por exemplo, na visão de Silvio Almeida, que vai permitir e naturalizar as desigualdades existentes entre negros e brancos em todas as esferas sociais, inclusive no mercado de trabalho.
“A partir do momento que você tem uma sociedade em que se naturalizou as hierarquias sociais em decorrência do pertencimento racial, fica muito mais legítimo o pagamento de baixos salários e o superexploração das pessoas por conta disso”.
Desemprego
A instabilidade financeira dos últimos anos também resultou em maior taxa de desemprego. A falta de oportunidade para as pessoas, porém, não seguiu um padrão uniforme, segundo o DIEESE.
Na passagem de 2015 para 2016, a taxa de desemprego de negras e negros oscilou de 14,9% para 19,4%, enquanto a de não negros avançou de 12% para 15,2%. A diferença entre os dois grupos, que em 2015 era de 2,9 pontos percentuais, subiu em 2016 para 4,2.
Os dados são mais sensíveis às mulheres negras, que tiveram um aumento de 16,3% para 20,9%, enquanto para os homens negros essa quantia oscilou de 13,7% para 18%.
Silvio Almeida acredita que esses dados mostram o tipo de emprego de negras e negros, aqueles mais precarizados e vulneráveis.
“Os empregos que foram dizimados por conta da crise são os empregos de baixa remuneração. Você tem um mercado informal terrível no Brasil. Os números mostram que já havia portanto uma proteção mais precária com relação aos trabalhadores negros”.
O Ministério do Trabalho apresenta todo o ano a Relação Anual de Informações Sociais (RAIS). O documento apresenta o desenvolvimento da quantidade de vínculos trabalhistas por raça e gênero no país.
Se em 2014, há o registro de vínculos empregatícios de 2.081.464 milhões de pretos com trabalho, em 2016, essa quantia caiu para 1.917.113. A queda também ocorre para os pardos, que saíram de 13.095.217 milhões de empregos para 12.264.691 milhões de empregados em 2016. Ambos, pretos e pardos, compõem o grupo racial negro de acordo com o IBGE.
Haydée Paixão, coordenadora adjunta do IBCCRIM, é formada pela PUC-SP e acompanha casos de racismo (Foto: Acervo Pessoal)
A queda também foi sentida pelos brancos, que saíram de 21.801.558 milhões de empregados em 2014, para 19.469.440 milhões em 2016.
O Ministério do Trabalho, em resposta a equipe de reportagem do Alma Preta, disse que o órgão não faz análise dos dados apresentados, mas que as políticas de emprego são voltadas para todos os brasileiros, e “neste momento, principalmente, aos que estão desempregados”.
A assessoria de imprensa da instituição também apresentou as medidas divulgadas pelo presidente Michel Temer e o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, que compõem o pacote do Emprega Brasil.
As ações oferecerem cursos de formação para trabalhadores, e outros três serviços online que visam facilitar a busca por emprego, o pedido de Seguro-Desemprego, e a solicitação ou consulta da carteira de trabalho.
Singularidades regionais
A diversidade do mercado de trabalho em cada região metropolitana do país, cidades com diferentes perfis raciais, também foi um elemento de análise do DIEESE.
A primeira diferença visível é a discrepância da População em Idade Ativa (PIA) de cada uma das regiões metropolitanas analisadas. Na cidade de Fortaleza (CE), 85% da PIA é composta por pretos e pardos, e em Salvador (BA), esse número chega aos 92,4%. No outro lado, São Paulo tem 39,6% e Porto Alegre 13,6%.
A diferença da taxa de desemprego entre negros e não negros varia em cada uma dessas regiões. Em Porto Alegre, a diferença de desemprego entre negros e não negros é de 4,5 pontos percentuais, seguida por Salvador, com 3,4, São Paulo, 2,9, e Fortaleza, 0,6.
Os números apresentam variação maior quando comparados homens não negros e mulheres negras. Em Salvador, essa diferença chega a 7 pontos percentuais, com a taxa de desemprego em 20,7% para as mulheres negras e 13,7% para os homens não negros.
Outra marca das desigualdades raciais é a inserção da comunidade negra no mercado de trabalho. Os números apresentam que os afro-brasileiros tendem a participar de modo mais informal, de maneira a ficarem mais vulneráveis na relação entre capital e trabalho.
Em Fortaleza, parcela expressiva da comunidade negra estava inserida no mercado de maneira “autônoma”, 25,3%, número que chegou a marca de 16,5% em São Paulo. Vale destacar que, na capital paulista, 18,3% das mulheres negras estavam inseridas no serviço doméstico.
A diferença ocupacional vai gerar, em todas as capitais analisadas, uma discrepância entre o salário de todos os grupos raciais e de gênero, quando comparados ao homem não negro.
Década de 90, liberalismo e a reforma trabalhista
O DIEESE publicou um estudo em 2001 que aborda a situação do mercado de trabalho na década de 1990.
Período posterior à redemocratização do país, a década de 1990 foi marcada pela presença de políticas neoliberais, e como diz o próprio documento, pelo crescimento insignificante do PIB, altas taxas de desemprego, e a crescente precarização das condições de trabalho, terceirizações, subcontratações, e crescimento do setor informal do trabalho.
A maior vulnerabilidade posta ao trabalhador naquele período atingiu de maneira mais contundente o funcionário negro.
“O mercado de trabalho é uma das esferas em que se distingue com mais clareza a eficiência dos mecanismos discriminatórios no Brasil, assim como seu modo sutil de operar. Pois, ocultado por fatores aparentemente objetivos, derivados de novas e tradicionais exigências produtivas, velhas questões permanecem: os indivíduos negros estão sujeitos mais ao desemprego, permanecem mais tempo nesta situação e, quando tem trabalho, lhe são reservados postos de trabalho de menor qualidade, status e remuneração”, é o que aponta o documento do DIEESE da época.
A Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED) do DIEESE mostrou que em 1999, a população negra representava 41,3% da População em Idade Ativa (PIA), grupo que variava dos 10 aos 40 anos de idade.
Durante o governo Fernando Henrique Cardoso, o Brasil adotou políticas neoliberais (Foto: Tânia Rego/Agência Brasil)
Nas diferentes regiões, esse valor oscilava. Em Salvador, era de 82,4%, em Recife de 65,2%, no Distrito Federal de 58,8%, em Belo Horizonte de 53,3%, em São Paulo de 31,4%, e em Porto Alegre de 10,4%.
O estudo de 1999 também apresenta que os afrodescendentes eram a maioria entre aqueles que iniciavam a jornada de trabalho de maneira prematura, dos 10 aos 15 anos de idade, e pós 40 anos. Em Recife, 9,8% das crianças negras de 10 a 15 trabalhavam, enquanto 7,7% dos não negros exerciam alguma função remunerada. Em Belo Horizonte esse número oscila de 8,0% a 6,5%, e no Distrito Federal de 6,9% a 5,6%.
Em São Paulo, 61,2% dos negros com mais de 40 anos de idade trabalhavam, enquanto 54,1% dos não negros. Em Salvador essa oscilação era de 57,3% contra 51,2%.
A pesquisadora Geruza de Fátima Tomé, autora do estudo “Racismo: o negro e as condições de sua inserção no mercado de trabalho brasileiro no final da década de 90”, afirma que os números representam “a vulnerabilidade social da população negra no Brasil, que precisa começar a trabalhar mais cedo e a permanecer mais tempo nele”.
O documento também mostra que o entrar mais cedo e o sair mais tarde do mercado de trabalho não tem garantido ao negro uma condição de mobilidade social ou sucesso. Ao contrário, como mostrou a pesquisa, os negros eram também os mais vulneráveis ao desemprego.
Em Belo Horizonte, 19,4% da PIA negra estava desempregada, ante 16,3% de não negros. Em Porto Alegre essa oscilação era de 26,4% para negros, 18% para não negros, diferenças que se repetiam nas outras capitais estudadas. Os números respectivos de negros e não negros eram de 24,3% e 16,8%, em São Paulo, 23,3% e 19,7% em Recife, e 29,1% e 21,2% em Salvador.
O Brasil vive um momento diferente daquele da década de 1990, mas a política neoliberal de desmantelamento das garantias sociais é uma das similaridades com o tempo presente.
Não à toa, o estudo publicado em 20 de Novembro deste ano afirma que as políticas econômicas adotadas desde 2014 são perigosas para a população negra e a classe trabalhadora.
“Um modelo concentrador pode ter como resultado o crescimento econômico, como já foi visto na história brasileira durante a ditadura civil-militar, mas ele será concentrador”.
O principal exemplo dessa proposta é a reforma trabalhista, sancionada pelo presidente Michel Temer em Julho, e que começou a operar em 11 de Novembro de 2017.
Michel Temer avança com políticas neoliberais no Brasil (Foto: Marcos Corrêa/PR)
O projeto, que alterou mais de 100 pontos da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), permite que acordos coletivos firmados entre patrão e empregados se sobreponham à legislação em uma série de casos. Entre os pontos que podem ser negociados, estão a jornada de trabalho, intervalo para almoço, remuneração por produtividade, trabalho em ambientes insalubres, entre outros pontos.
A legislação, contudo, ainda garante que determinadas medidas não poderão ser dribladas, como o tempo de trabalho diário de 8h, bem como as 44h por semana.
O que muda, para aqueles que defendem a reforma, é que a negociação direta entre patrões e empregados ajudam a flexibilizar e dinamizar as relações trabalhistas.
Haydée Paixão discorda e afirma que, apesar de ter sido vendida pelos veículos de comunicação como uma medida importante para dinamizar o mercado de trabalho e retomar o crescimento do país, a perspectiva é de piora de vida da classe trabalhadora e do povo negro.
“Muitos direitos foram perdidos. Estamos em uma situação bem tensa”.
Silvio Almeida diz que a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) era uma forma de proteger o funcionário na medida em regulava o trabalho no país.
“A CLT representava uma proteção àquele trabalhador mais vulnerável, que agora está exposto à brutalidade do processo produtivo”.
Um dos exemplos desse sucateamento das relações trabalhistas é a possibilidade de terceirização das atividades fim, não apenas as meio. Antes, as empresas não podiam contratar outra para exercer o serviço que diziam oferecer. Era comum, porém, empregar pessoas em áreas meio, como a segurança e a faxina, por meio de empresas terceirizadas, o que para Haydée Paixão, trata-se de uma situação delicada.
“Nós tivemos um grande retrocesso, e isso vai afetar especialmente a população negra, aquela que ocupa os postos de trabalho mais precarizados”.
Para Silvio Almeida, se negras e negros já são os principais alvos da superexploração, da violência do trabalho, das condições insalubres, com a reforma trabalhista, esse processo se intensifica.
O presidente do Instituto Luiz Gama também destaca outra medida, o pagamento, por parte do trabalhador, dos custos de uma ação legal caso processe uma empresa e seja derrotado na Justiça do Trabalho.
A possibilidade de arcar com os custos do processo fere com o artigo 5° da Constituição Federal, que garante o acesso à justiça como um direito fundamental.
“Desse ponto de vista, a reforma trabalhista é inconstitucional”, afirma.
Silvio Almeida, presidente do Instituto Luiz Gama, é um dos principais defensores da tese de que o racismo é estrutural (Foto: Acervo Pessoal)
Essa medida para o trabalhador negro, em condição mais vulnerável, é preocupante, de acordo com Silvio Almeida.
“Olhando para a população negra, você imagina o quanto isso vai determinar o receio das pessoas de pleitearem a justiça do trabalho. As pessoas não vão entrar na justiça do trabalho, porque vão ficar com medo de fazer um pedido. Se perder, vão ter que pagar os custos, e ai, além de não receber aquilo que lhes é devido, ainda vão ficar com dívida?”.
Mesmo em uma sociedade repleta de conflitos e marcada pelas desigualdades raciais e sociais, o esvaziamento da Justiça do Trabalho e a negociação direta entre empregadores e empregados causa temor em Silvio Almeida.
“A justiça do trabalho é na verdade a última fronteira entre o capitalismo organizado e a barbárie completa e irrestrita”.