As mulheres brancas são maioria entre as rainhas de bateria das escolas de samba do Grupo Especial de 2022, de São Paulo e do Rio de Janeiro, conforme apurado pela Alma Preta Jornalismo. Em São Paulo, 14 escolas fazem parte do grupo analisado. Ao todo, das 13 rainhas de bateria e das três musas da Águia de Ouro, 8 são mulheres brancas, 7 são negras e 1 é amarela.
Se as musas, que substituíram o título de rainha de bateria na Águia de Ouro, não fossem consideradas no levantamento, as mulheres brancas ainda teriam maior protagonismo entre as rainhas do carnaval. Seriam 7 rainhas brancas, 5 negras e 1 amarela.
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Nas agremiações do Rio de Janeiro, o número é semelhante. Das 12 escolas de samba que compõem o Grupo Especial, 6 são brancas, 5 negras, e 1 é amarela.
Recentemente, um vídeo de Mayara Lima, princesa de bateria da escola de samba Paraíso do Tuiutí (RJ), alcançou mais de 5 milhões de visualizações no Twitter por mostrar a desenvoltura da passista negra em ensaio técnico na avenida. O que chamou atenção das pessoas na rede social também foi o fato de Mayara não ter sido escolhida para representar a escola como rainha de bateria dada sua boa performance.
Para a professora Luciana Xavier, da Universidade Federal do ABC (UFBAC), que pesquisa o samba, os números apurados pela reportagem revelam um processo de mercantilização do ritmo e da expressão enquanto manifestação coletiva.
“O maxixe, o rock, o reggae, o tango e outras expressões culturais, colocadas como populares, como é o caso do samba, têm origem negra e sofreram processo de mercantilização, fruto de um desenvolvimento capitalista que ocorre desde o século 19”, explica a professora.
“Estes movimentos foram apropriados e passaram a ser comercializados, ganhando um rótulo de ‘populares’ até para que se pudesse se incluir em outros segmentos, consumidores de outros grupos raciais e condições de classe, para servirem de entretenimento”, acrescenta.
A estudiosa aponta que a substituição de figuras negras por brancas em postos de destaque nas agremiações por um período também agregou mais valor e reconhecimento das escolas de samba como uma “cultura popular”.
“Mesmo com as ferramentas de apagamento utilizadas pela população branca, nos mais variados campos do entretenimento, como nos desfiles da escola de samba, a figura da mulher branca como rainha da bateria também traz visibilidade e investimento para as escolas. No entanto, esse é um processo que, ao longo dos anos, vem decaindo. Hoje, meios que promoviam a descaracterização estão perdendo espaço para o reconhecimento e apropriação da identidade negra”, considera.
Outro ponto destacado pela estudiosa do samba é a autonomia de pessoas negras nos bastidores do carnaval. Luciana comenta que os brancos são maioria entre os carnavalescos também.
“Agora o nosso questionamento deve ser sobre a autonomia das pessoas negras nesses espaços e na crença de que elas têm mais do que capacidade, tem história e vivência junto às escolas para estarem onde quiserem, principalmente, nos cargos de ‘poder’. Será que aquela costureira, que está na agremiação há anos, não é uma potência criativa? O intelecto e a criação dessas pessoas também precisam ser valorizados”, reforça.
Temática negra predomina nos samba-enredos
Por outro lado, sambas-enredos que retratam a temática negra são maioria no Carnaval do Rio de Janeiro em 2022. Sete das 12 escolas do Grupo Especial e nove das 15 da Série Ouro terão desfiles com assuntos ligados à identidade e cultura afro-brasileira.
De acordo com o jornal O Globo, os sambistas acreditam que as temáticas predominantes refletem a necessidade de resposta aos episódios racistas ocorridos nos últimos tempos, a nível nacional ou internacional. Com isso, enredos de exaltação à cultura e a personalidades negras, além de alardes sobre a violência e o racismo, protagonizarão e pretendem ecoar na Sapucaí.
Um dos destaques da escolha da temática racial para entoar a avenida foi realizado pela Beija-Flor de Nilópolis. A escola convidou para o desfile o jovem negro, de 21 anos, Yago Corrêa de Souza, preso insustamente em fevereiro deste ano após ter ido comprar pão onde mora, no Jacarezinho, no Rio de Janeiro.
Outra escola tradicional entre as agremiações do Grupo Especial, o Salgueiro, também anunciou um samba-enredo que versa sobre a luta do povo negro ao longo da história. Com o tema “Resistência”, a escola convidou cerca de 170 ativistas para fazerem parte do desfile. Entre eles, artistas e intelectuais negros estarão presentes, como a professora Helena Theodoro e Rene Silva, fundador do projeto de comunicação periférica “Voz das Comunidades”, do Complexo do Alemão.
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