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“Brasil Core”: pessoas brancas usam estética de favelas e viralizam no TikTok

O artista visual Uendel Nunes pontua que a única forma de não permitir uma apropriação massiva da cultura de comunidades periféricas é “a gente produzindo e consumindo de pessoas iguais a nós”

Imagem: Reprodução/@uendelns

Foto: Imagem: Reprodução/@uendelns

26 de agosto de 2022

Chinelo de dedo, óculos de sol com lente metalizada, camisas de futebol, cortes de cabelo com detalhes de navalha – ou o famoso “nevou” –, unhas decoradas, tops de biquíni com diferentes amarrações, gloss, shortinhos de lycra, cintura baixa e rua enfeitada para a Copa do Mundo. Tudo isso abrange a tendência Brasil Core, estética brasileira que já faz parte das periferias há muitos anos, mas que recentemente ganhou notoriedade devido aos jovens de classe média que utilizam, principalmente, o TikTok.

“Se você perguntar para um morador de favela como era a estética da comunidade em períodos, por exemplo, como as Copas do Mundo de 1998, 2002, 2006, com certeza todos esses elementos Brasil Core estarão presentes. Então, não se trata de uma novidade, mas, sim, de um resgate a algo que sempre foi nosso, mas só agora os mais abastados validaram”, destaca o graduando em história, Alex Alves, morador da periferia de Taboão da Serra, em São Paulo.

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O estudante de 36 anos enfatiza que o que o jovem branco de TikTok compreende por estética, é na verdade uma mobilização social nas comunidades em busca de exaltar a cultura local e garantir a participação dos moradores em prol de algo que traga beleza às favelas, agindo, assim, como uma marca registrada dos favelados.

“Cresci num ambiente em que se enfeitava a rua para a Copa do Mundo. Havia um rateio para comprar os materiais, pintava-se os muros, o chão. Pendurávamos plásticos cortados em tiras com as cores verde e amarelo. E o que o morador que fazia isso vestia? Todos os elementos que hoje são chamados de Brasil Core”, ressalta.

Brasil Core na internet

“Observar tendências de comportamento e consumo faz parte do meu dia a dia, e já faz alguns anos que meu trabalho tem sido olhar mais para dentro do Brasil do que para fora. Quase como uma guerrilha contra o sistema eurocentrista. De fato, essa estética Brasil Core estar em alta, nos permite transformar nossa cultura e autoestima, sem ufanismo, em valor e celebração”.

É o que diz Lúcia Alves, mestranda em branding, pesquisadora de tendências em comportamento e consumo há 16 anos, e diretora criativa da revista Brasil Mood. Para ela, o Brasil é o país com maior presença nas redes sociais, logo, no momento atual, qualquer assunto que mexa com o interesse do brasileiro irá viralizar.

Obra "Tudo Junto" | Créditos: Uendel Nunes

“Somos uma potência nesse quesito, fazendo com que marcas e criadores de conteúdo foquem em assuntos que faíscam por aqui. O ponto problemático da informação é a própria rapidez da internet, que faz com que conteúdos percam qualidade”, avalia a pesquisadora.

Para o publicitário, artista visual e colagista Uendel Nunes, no entanto, a estética Brasil Core já é parte do seu trabalho, voltado a retratar a cultura afro-brasileira e periférica. Porém, ele avalia que quando o conteúdo é disseminado por pessoas que não vivem essa realidade, a tendência é viralizar mais e afastar o movimento das periferias – que foi onde nasceu.

“Desde que comecei meu trabalho com a arte, na minha identidade artística o Brasil Core sempre foi um elemento fundamental. Entretanto, tenho visto que algumas pessoas que voltaram seus conteúdos a esta tendência de forma mais caricata tem performado bem nas redes sociais, pois atendem a demanda dos algoritmos”, pondera o artista.

Sucesso nas redes sociais

“O maior termômetro é o número de likes. O caso do Brasil Core chegar nas mídias sem dar crédito às periferias foi exatamente isso. Como sempre, a informação só ganha destaque quando vem de cima para baixo”, salienta Lúcia Alves.

Elementos tipicamente brasileiros começaram a ser notados internacionalmente, segundo a pesquisadora. A partir do uso, por exemplo, de chinelos de dedo na semana de moda de Copenhague, da elaboração de peças de roupa em verde, amarelo e azul – ou estilo “dopamina” –, e até mesmo do show da Anitta no Coachella, percebeu-se que a estética brasileira era uma trend.

“Mas o que ninguém fala é que a tendência de moda que viralizou agora para o mainstream é o estilo de vida de sempre das favelas, periferias e subúrbios do Brasil. São dessas nascentes de diáspora que surgem modos, modas, gírias, sons e danças. São os lugares mais interessantes do Brasil para se olhar, pois é da disrupção deles que o novo vem”, salienta Lúcia.

Uendel Nunes completa o que diz a pesquisadora, afirmando que diferentemente do passado recente, as pessoas não querem apenas consumir um conteúdo de forma passiva, elas querem também interagir, comentar, compartilhar, produzir, reproduzir, transmitir, retransmitir, opinar e, “enfim: remixar”.

“Logo, com o algoritmo multiplicando os likes por conta das entregas, as pessoas querem expôr absolutamente tudo que elas acharem que vale a pena ou que está em visibilidade”, comenta.

Como evitar a apropriação?

Para Lucia Alves, no panorama atual é quase impossível evitar que a apropriação ocorra, pois a estética Brasil Core já virou tendência. Porém, para ela, o que é possível ser feito é trazer a informação de sua origem e o peso de como essa estética é importante para o subúrbio.

“O que para uns é tendência, e logo vai passar, para outros é cultura e estilo de vida. Nosso dever como comunicadores é apresentar o real significado por trás dessa estética”, sugere a pesquisadora.

Obra "Um Milhão de Sonhos" | Créditos: Uendel Nunes

O colagista e artista visual Uendel Nunes destaca a felicidade em observar uma época em que a cultura das favelas está sendo apresentada ao mundo através dos diferentes formatos que as redes sociais possibilitam. Contudo, ele destaca que um resultado negativo disso é o esvaziamento que o consumo atual pode causar quando as pessoas interagem com o tema apenas pela beleza estética.

“É tipo encher uma biblioteca de livros que não vai ler só porque é feio ter uma estante vazia. Sem contar a saturação, desconforto e cansaço visual que pode gerar nos usuários”, salienta.

“Parafraseando Baco Exu do Blues, ‘tudo que era preto e do demônio depois virou branco e foi aceito’. Acredito que a única forma de não permitir uma apropriação massiva da nossa cultura é nós mesmos produzindo e consumindo de pessoas iguais a nós”, finaliza.

Leia também: “Identidade: barbeiros contam como a profissão tem ressignificado a cultura das favelas”

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