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Carolina Maria de Jesus tem legado reconhecido e disputa por herança

Netas de uma das maiores escritoras do Brasil celebram o legado da avó, mas passam por dificuldades financeiras; neste ano haverá relançamento de obras clássicas da autora, que também será tema de exposição

Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Reprodução

Imagem em preto e branco mostra a escritora Maria Carolina de Jesus

3 de maio de 2021

A vivência de Carolina Maria de Jesus (março de 1914 – fevereiro de 1977) inspira leitores em todo o mundo através de seus livros, letras de samba, discursos em cerimônias literárias e entrevistas à imprensa. Neste ano uma grande companhia do setor de literatura vai relançar as obras clássicas da escritora e uma exposição também é programada. Por outro lado, o legado da intelectual é alvo de disputa judicial.

Para a educadora Vera Eunice, filha de Carolina, a mãe é um grande exemplo para a juventude negra brasileira, pois sua obra incentiva a perseverança e busca por educação. “Ela valorizou muito o estudo, pois tinha ciência que aquele um ano e meio que sentou-se num banco numa sala de aula foi um marco na sua vida e tudo o que conseguiu foi através de muito trabalho”, afirma.

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“Hoje a comunidade negra, principalmente os adolescentes negros, mulheres, jovens e todos que gostam de literatura estão imbuídos em realizar seus sonhos e suas conquistas através do estudo. Eu não consigo ver outro meio para conquistarmos os nossos sonhos se não for através da cultura”,  considera a filha.

Herdeiros

Quando morreu, em 1977, Carolina tinha três filhos: Vera Eunice, José Carlos e João, que morreu alguns anos depois que a mãe, sem deixar herdeiros. Vera Eunice e José Carlos seriam os herdeiros legais da escritora, cada um com direito a 50% da herança da escritora. José Carlos teve quatro filhas: Adriana, Elaine, Lilian e Elisa.

O acervo da escritora foi administrado pela filha Vera Eunice, que ficou responsável pela divulgação e preservação da memória da mãe. José teve problemas com álcool, viveu em situação de rua e morreu atropelado em 2016.

A neta Adriana diz que ela e as outras filhas de José Carlos passaram a viver com as mesmas dificuldades e incertezas financeiras da avó, no começo da década de 1960, quando foi lançado o livro “Quarto de Despejo”, sobre a situação das pessoas que moram em favelas.

“Na Páscoa eu não tinha comida para comer em casa. A minha irmã está pegando a comida que sobra nos restaurantes”, conta Adriana, que relata também que ela e as outras netas da Carolina passam por tempos difíceis. Algumas sobrevivem de doações.

Legado da escritora foi parar na Justiça

Por lei a família tem direito aos proventos de Direitos Autorais até 70 anos após a morte da autora. Neste caso, a família, a filha com 50% e as netas dividindo os outros 50%, são as donas do legado de Maria Carolina de Jesus até 2040.

“Até agora, a única empresa que regularizou a situação com as netas foi a editora Companhia das Letras, que adiantou uma parte do pagamento e vai pagar o restante quando lançarem os livros este ano. Já para todo o resto como camiseta, filme, peça de teatro e cerveja não há autorização de todos os herdeiros. A cerveja, por exemplo, não tem autorização de herdeiro nenhum”, diz a advogada Luana Romani, que representa as netas da Carolina na justiça.

Segundo a defesa, as netas discutem com a tia sobre a herança, já que após a morte de José Carlos ela jamais partilhou qualquer valor que possa ter recebido com as sobrinhas.

A cerveja que usa o nome e a imagem da escritora  Carolina Maria de Jesus, mas não tem autorização, é fabricada pela Dutra Beer, que faz cervejas artesanais com nomes como: Angela Davis, Malcolm X, Nina Simone, Marx entre outros. A neta Adriana afirma ser errado vincular a imagem da avó com uma marca de cerveja, pois Carolina sempre criticou o consumo do álcool. Ainda mais sem a autorização dos herdeiros.

Procurado pela Alma Preta Jornalismo, o sommelier André Dutra, responsável pela cervejaria Dutra, diz  que produz em pequena escala e fez três lotes da cerveja com o nome da escritora, 60 garrafas. Segundo ele, a renda teria sido revertida para um projeto de distribuição de livros na periferia de São Bernardo do Campo, região metropolitana de São Paulo.

Depois que a reportagem entrou em contato com a cervejaria, as imagens da cerveja Carolina foram retiradas do site da empresa.

A partilha dos bens da escritora, que inclui o sítio comprado nos anos 70 em Parelheiros, no Extremo-Sul da capital, e das decisões sobre o uso da imagem e também sobre os direitos autorais seguem na justiça. As netas querem ser reconhecidas como parte da história da avó, algumas já deram até palestra em escolas falando sobre Carolina.

A filha Vera Eunice é a principal administradora do acervo, mas não quer conversar com o restante da família. “Carolina foi uma mulher sempre à frente do seu tempo , tinha objetivos a conquistar , como ser escritora, sair da favela para a casa de alvenaria e criar os seus três filhos. Carolina não pertence a mais ninguém, Carolina é a escritora do povo, do Brasil e do mundo ”, salienta Vera.

De acordo com a filha, ela recebeu uma carta da mãe pedindo para que ela cuidasse para sua memória ser preservada e a obra jamais esquecida. Vera contou também que  ajudou a família financeiramente e que José recebia a parte dele enquanto estava vivo, até 2016, foi ela que pagou as despesas do enterro. 

Além disso, segundo a Vera Eunice, nem todos os países onde os livros da mãe foram publicados, pagaram os direitos autorais.  “O único que paga são os EUA. Eu nunca recebi de outro país e nem a minha mãe estava recebendo mais”, disse Vera Eunice.

Ela conta também que uma parte dos direitos autorais, referente a realização de uma peça de teatro, foi depositada em juízo após a morte do irmão.  Vera afirma que comprou a parte do irmão no sítio de Parelheiros.

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