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‘Comercialização do carnaval faz negros perderem presidência das escolas de São Paulo’, diz pesquisador do samba

Das 14 escolas de samba do Grupo Especial do carnaval paulista, 10 são presididas por brancos, segundo apuração do Alma Preta

21 de janeiro de 2020

Apesar de o samba ter se originado dos antigos batuques trazidos pelos africanos que vieram como escravos para o Brasil, o alto escalão das escolas de samba é pouco representado pela população negra. De acordo com apuração realizada com base na percepção do Alma Preta, 10 dos presidentes 14 das escolas de samba do Grupo Especial do Carnaval de São Paulo de 2020 são brancos. Entre as 20 escolas do Grupo de Acesso, pelo menos 11 são presididas por brancos.

O sociólogo, pesquisador do samba e ex-presidente da Camisa Verde e Branco, Tadeu Augusto Matheus, o “Kaçula”, atribui a baixa presença de presidentes negros nas escolas de samba de São Paulo ao fato de o carnaval ter se tornado um grande negócio. Ele relembra que, em sua origem, as escolas de samba eram espaços de preservação da cultura de matriz africana e de organização social. Na medida em que esses espaços passaram a ter mais visibilidade e financiamento, a população negra começou a perder protagonismo.

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“A partir do momento em que o Estado começa a entender que o carnaval traz lucros para a cidade, os negros passaram a perder espaço porque as escolas de samba deixaram de ser apenas espaços de preservação cultural e organização social para se tornarem negócios. Como a branquitude tem como prerrogativa central ocupar espaços de poder, aos quais ainda não era protagonista, acabou ocupando as escolas para ganhar força política, econômica e de mobilização”, afirma.

Segundo o sociólogo, o racismo estrutural e a espetacularização do carnaval paulista têm impactos negativos sobre as escolas de samba. “O racismo é a base da sociedade brasileira e impacta todos os espaços de poder, inclusive nas escolas. Quando discutimos sua influência no carnaval, as pessoas costumam pensar que esse debate é uma forma de enxergar racismo onde não existe, por isso o racismo é um crime perfeito”, explica.

“A espetacularização do carnaval, por sua vez, apaga a população negra por ser um processo onde a valorização da velha guarda das escolas e a presença de mulheres negras e das comunidades como rainhas de bateria passa a não importar, por isso vemos esses espaços passarem a valorizar mais pessoas em evidência na mídia”, complementa.

Narrativa das escolas de samba

As escolas de samba Barroca Zona Sul e Tom Maior são lideradas, respectivamente, pelos presidentes negros Ewerton Sampaio e Luciana Silva. Com seus samba-enredos em homenagem a personalidades negras, elas vão abrir os desfiles no Sambódromo do Anhembi, em 21 de fevereiro.

A Barroca Zona Sul com o samba-enredo “Benguela, a Barroca clama a ti, Tereza!” abre o carnaval de São Paulo de 2020 com uma homenagem a líder quilombola Tereza de Benguela, que viveu no estado do Mato Grosso no século 18. Já a Tom Maior, desfila em seguida, com o samba-enredo “É coisa de preto” em homenagem ao humorista Mussum na bateria e a diferentes personalidades negras em cada ala.

O sociólogo Tadeu Augusto Matheus também é cantor e compositor e presidiu a escola de samba Camisa Verde e Branco de agosto de 2013 a maio de 2014. Para ele, a presença de pessoas negras na presidência das escolas influência na narrativa proposta para os desfiles.

“Atualmente, há escolas tradicionais em São Paulo e que já tiveram enredos sobre a luta e o papel da população negra na construção do país com enredos comerciais e que abordam lugares onde o racismo é muito mais latente. Quando eu tive a felicidade de presidir a Camisa Verde Branco, eu trouxe a narrativa quilombola e a origem da escola com a importância da região da Barra Funda para sua trajetória. Na ausência de presidentes negros, a narrativa muda”, sustenta.

Queda de escolas tradicionais para o Grupo de Acesso

A Vai-Vai, uma das escolas mais tradicionais do carnaval paulista, foi rebaixada pela primeira vez em 2019. Com 15 títulos, a escola trouxe o samba-enredo “O quilombo do futuro”, que exaltou a população negra e homenageou a vereadora Marielle Franco, assassinada no Rio de Janeiro, em março de 2018. A também tradicional escola Acadêmicos do Tucuruvi, da Zona Norte da cidade, também caiu para o Grupo de Acesso.

O presidente de honra da Vai-Vai, Thobias, reitera que a competência não é uma questão ligada à etnia e que os esforços da escola neste ano estão concentrados em voltar para o Grupo Especial. “Embora todo mundo saiba que o carnaval dá status, a competência não está na cor da pele, haja vista onde a Vai-Vai foi parar, no Grupo de Acesso. Agora, o objetivo da escola é colocar o carnaval na rua e subir para o Grupo Especial”, conta.

Segundo o sociólogo e pesquisador do samba Tadeu Augusto Matheus, escolas tradicionais têm sido rebaixadas por despreparo de lideranças que não conseguem construir uma visão política sobre o carnaval.

“Não se trata de capacidade em fazer um bom carnaval ou falta de competência. Há uma falta de compreensão sobre as mudanças no regulamento do evento. A presidência deve observar a quem o regulamento está beneficiando. Nos últimos anos, houve mudanças em questões do samba-enredo e da comissão de frente, por exemplo. Todas as mudanças passaram a beneficiar escolas sem tradição”, avalia.

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  • Nataly Simões

    Jornalista de formação e editora na Alma Preta. Atua há seis anos na cobertura das temáticas de Diversidade, Raça, Gênero e Direitos Humanos. Em 2023, como editora da Alma Preta, foi eleita uma das 50 jornalistas negras mais admiradas da imprensa brasileira.

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