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Conheça Gabriela Watson, cineasta do filme “Flores de Baobá”

9 de fevereiro de 2017

 Texto e Edição de Imagens: Solon /  Fotos: Reprodução

O Brasil tem assistido a um boom de sua produção audiovisual. Entre esses, a produção cinematográfica negra se destaca pelo surgimento de uma geração de ativistas que usam as ferramentas audiovisuais para criticar e denunciar o racismo. O Alma Preta já conversou com alguns desses jovens. É o caso do paulista Fábio Rodrigo e da baiana Larissa Fulana de Tal. Ambos têm em comum a denúncia do cotidiano através das lentes e a formação de grupos que trabalham em torno do audiovisual. Gabriela Watson compõe uma miríade de inovação que pode apontar narrativas transformadoras ao representar com qualidade novas realidades. 

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Formada em Comunicação pela Cásper Líbero e mestranda pela Master Fine Arts da Universidade de Temple, nos Estados Unidos, a diretora tem entre seus trabalhos os documentários “Nosotros, afroperuanos” e “Zeca”, além dos filmes “O Poeta da Casa Verde” e “CinEdu – Cinema, Educacao e a Formação do olhar”. Destaque,”Nosotros, afroperuanos chegou a ser exibido em mais de 10 países. Seu trabalho mais recente é o documentário “Flores de Baobá”. No filme/documentário, a cineasta apresenta a história de duas professoras negras. Uma nos Estados Unidos e outra no Brasil, que têm em comum o trabalho com jovens negros. 

O filme traça um paralelo entre as histórias mostrando a proximidade na luta pela educação de qualidade para jovens carentes em ambos os países. O trabalho é fruto de uma longa pesquisa, iniciada em 2014. Nos dois anos seguintes, a maior parte da gravação foi feita e este ano, um trabalho técnico minucioso está sendo realizado, como conta Gabriela. “Agora em 2017 ainda temos a última fase de gravação mas o principal nesse ano é a pós-produção que inclui edição, colorização, tradução, trilha sonora original, entre outros elementos. Ou seja, quando o filme for lançado terão passados pelo menos quatro anos dedicados à produção”.

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Flores de Baobá tem previsão de lançamento para 2018, e desde o final de 2016 tem aberto um projeto de financiamento coletivo, que garantirá a finalização do filme. O documentário tem como foco trazer reflexões sobre educação pública em bairros pobres, criticando a desigualdade social. “Gostaríamos que o público repensasse o conceito de educação e a importância das mulheres negras enquanto educadoras.”, afirma a cineasta Gabriela, evidenciando a preocupação em debater também o racismo.

Um desafio de cinema

Apesar do crescimento na quantidade de produções em audiovisual realizados por pessoas negras, ainda há dificuldades que impedem o acesso aos materiais e aos recursos necessários para reunir profissionais e divulgar o material. “As maiores dificuldades na realização do filme estão relacionadas a trabalhar com um orçamento limitado. Como se trata de um projeto longo, estamos falando de mais de 60 dias de gravação ao longo desses anos, ou seja toda a pré-produção que envolve a produção de um filme: desde a obtenção dos equipamentos necessários, angariar equipe adequada e toda a logística durante as gravações, como deslocamento e alimentação”.

Em vista do orçamento limitado, Flores de Baobá é um projeto ambicioso, pois realiza filmagens em dois países diferentes, com cenários em salas de aula e nas ruas. O tipo de projeto que só se realiza quando se há uma equipe engajada no esforço coletivo e que acredite no projeto tanto quanto Gabriela. Nesse caso, o grupo com que a cineasta tem maioria feminina e negra, tanto brasileiras quanto americanas. O tipo de experiência conjunta que só o cinema pode proporcionar:

“Posso afirmar que este filme só está sendo realizado graças ao trabalho de um grupo de pessoas talentosas e dedicadas. E no caso, estamos falando de pelo menos vinte pessoas entre, assistentes, produtores, cineastas, editores e artistas envolvidos oriundos do Brasil e dos Estados Unidos. Eu chamo atenção que a maior parte da equipe são mulheres e afrodescendentes e pessoas que acreditam no audiovisual como ferramenta de transformação social. O cinema é a arte mais colaborativa que existe, e eu só tenho a agradecer por ter encontrado pessoas durante essa jornada que abraçaram o projeto e juntos estamos tornando-o realidade“.

A coletividade extrapolou os sets, estúdios e a ilha de edição quando o grupo decidiu lançar um projeto de financiamento coletivo. Nesse tipo de projeto, metas são estipuladas e as pessoas podem doar quantias variadas, mostrando que acreditam naquilo. Com uma equipe tão ampla, a de remuneração correta das profissionais pode premiar as envolvidas para além da satisfação de ver o filme concluído e sendo exibido. A cineasta pretende que o filme sirva de referência no cinema negro, e quer usar o investimento para “deixá-lo pronto para competir e ingressar em festivais e nas emissoras de TV. Pois o cinema negro tem que existir em todos os espaços, na periferia, em Cannes, na sala de aula e na TV“.

Para seguir em frente, Gabriela afirma que a inspiração veio da própria realidade com que passou a ter contato. “O que mais me inspirou foi conhecer melhor o mundo das escolas públicas tanto no Brasil quanto dos Estados Unidos, esse contato com os jovens da periferia, que são tão guerreiros por terem que lidar com uma série de situações adversas mas que sonham e tem potencial, o que falta são as oportunidades“. A troca de culturas, segundo a cineasta, deu a ela uma visão enriquecida como artista. Uma experiência recompensadora diante dos desafios, além do conhecimento sobre as semelhanças entre os problemas de ambos os países.

Diáspora e educação: Brasil e Estados Unidos

O documentário revela que há muitas semelhanças entre as comunidades negras dos dois países. Fica evidente que ambas compartilham a presença em periferias, áreas com maior escassez de recursos. A cineasta deu atenção especial às escolas com o recorte do filme, que se mostram superlotadas, com problemas na merenda escolar, falta de papel canetas e lápis. Até água potável foi encontrada como um problema, mesmo nos Estados Unidos. Segundo Gabriela Watson:

“Os dados nos mostram como essa conjuntura afeta a população negra: segundo levantamento feito pelo Instituto Unibanco com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2014: “No ensino médio, 51% dos brasileiros de 15 a 17 anos que se autodeclaram pretos ou pardos estavam no ensino médio”, isso quer dizer que metade está fora da escola ou está atrasada academicamente. A mesma faixa etária para jovens brancos mostra uma porcentagem de 65% para a mesma pesquisa”.

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Um quadro como esse não é esperado de um país desenvolvido, e seria estranho mesmo no Brasil, uma das maiores economias do mundo. Nos Estados Unidos, no entanto, os estudantes negros sofrem problemas muito parecidos com o de seus pares brasileiros:

“Nos Estados Unidos, tomando em consideração todas as séries, estudantes negros estatisticamente estão quase três vezes mais propensos a repetirem do que não-negros. Também está comprovado que a taxa de estudantes afro-americanos expulsos, com punição severa e levados ao sistema prisional diretamente da escola, é três vezes maior do que a dos estudantes brancos. Há pouco tempo apareceu uma notícia de um menino de três anos negro que foi ‘suspenso’ da creche por indisciplina”, afima Gabriela.

Apesar da onda de conservadorismo com a eleição de Donald Trump e a ascenção da direita ao poder no Brasil, a cineasta acredita que os movimentos sociais como os de negros, mulheres, inígenas, LGBT’s, ocupações estudantis, o BlackLivesMatter e de defesa da educação pública nos Estados Unidos, estão empurrando a sociedade para a frente, mesmo que com dificuldade. Mesmo assim, afirma: “Grosso modo, o percurso para igualdade é ainda muito longo”.

Cinema Negro em ascensão

Com o advento da internet e a possibilidade mais difundida da divulgação e da captura de material audiovisual, as possibilidades e o acesso à produção cinematográfica tornaram-se maiores. A esse processo se deve a multiplicação de canais de qualidade no Youtube, por exemplo, além de fenômenos como Nolywood, na Nigéria, que se tornou um grande polo de produção cinematográfca. No Brasil, muitos ativistas negros e negras puderam começar seus projetos, como Nátaly Neri, youtuber do canal Afros e Afins, que acumula milhões de visualizações, ou mesmo o Alma Preta, que produz seus próprios vídeos jornalísticos. No cinema, Gabriela surge nesse mesmo esteio, porém garante que essas produções ainda estão distantes das obras comerciais.

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“Realmente, temos visto mais obras sendo produzidas por diretores e diretoras negras, principalmente curta-metragens, conteúdo para internet e curta-documentários. Entretanto, a disparidade com relação às obras comerciais, longas metragem e de ficção, é alta. Segundo pesquisa do Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (Gemaa), da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), entre 2002 a 2014, entre os diretores dos filmes exibidos nas bilheterias 84% dos cineastas são homens brancos; 14%, mulheres brancas; e 2%, homens negros. Ou seja, durante os 13 anos de estudo não há registro de nenhum filme dirigido ou roteirizado por uma mulher negra. Quer dizer, apesar do cinema negro estar mais ativo ainda não estamos com as mesmas oportunidades”.

Uma das maiores dificuldades que o cinema apresenta é o alto custo de suas produções. Isso impede que muitos jovens possam realizar o sonho de ter seus filmes concretizados. Além de uma formação específica, os equipamentos exigidos são muito caros para a maioria da população. Não à toa, as grandes produções passam dos milhões em suas cifras, e reúnem investimentos de grandes empresas para que sejam realizados. É necessário que haja mobilização para que essas possibilidades se ampliem e aumentem a qualidade e a diversidade nas produções disponíveis.

“Para que negros e negras passem a figurar mais como diretores é preciso que as políticas de cotas sejam feitas em todos os âmbitos: no acesso aos estudos de formação, em editais de financiamento, de residência artística, além de mais editais específicos, incluído também em festivais que operam com financiamento público e uma reserva dentro da política de cota que exige que filmes brasileiros sejam exibidos na TV”.

Zózimo Bulbul e Joel Zito Araújo são nomes consagrados do cinema negro que conseguiram quebrar essas barreiras no passado recente. Hoje, os coletivos audiovisuais têm se mostrado uma saída para a realização de filmes. É o caso do Tela Preta e do Ira Negra, que reúnem profissionais negros para conseguir realizar filmes. Gabriela acredita que o Flores de Baobá é uma prática parecida, pois depende de fraternidade e sororidade entre artistas afrodescendentes. O protagonismo desse tipo novo de organização tem sido das mulheres negras:

“O cinema negro está vindo com tudo e essa nova fase está sendo protagonizada pelas mulheres negras, exemplo disso são: Viviane Ferreira, Joyce Prado, Renata Martins, Larissa Fulana de Tal, Everlane Moraes, Yasmin Tayna, entre outras que tiveram seus caminhos abertos por cineastas da geração anterior como a Lilian Santiago e Adelia Sampaio”.

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Gabriela acredita que essa geração é bastante politizada, e que aponta sem medo as feridas que mantém o Brasil um país ainda racista, machista e xenófono. Como faz parte desse grupo, ela mesma não deixa de apontar esses problemas ao longo de seu trabalho e lembra, que apesar dos percalços, o cinema negro segue em frente de uma forma muito sensível, que relaciona diretamente a vida dos autores e suas lembranças, com arte e a emoção que as telonas podem gerar.

“Eu enquanto mulher negra quando faço cinema não tem como minha arte não ser uma reação a todas as situações que eu, minha família, minha comunidade vive. Eu tive o privilégio e a oportunidade de trabalhar em diversas emissoras e produtoras de São Paulo e senti na pele a predominância masculina e branca nos cargos de decisão, direção, roteiro e produção. Então se estamos falando de diversidade em todos os sentidos é fundamental que a produção de notícias e de mídia seja tida como fator primordial para construção de igualdade de direitos e onde devem incidir em todos os âmbitos políticas públicas de ação afirmativa. A importância de ter um time de cineastas mulheres e afrodescentes tem como base tudo o que disse. A consolidação no final de 2016, da APAN – Associação de Profissionais do Audiovisual Negro é uma mostra de que estamos avançando para ter mais espaço. Seguimos”.

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