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Conheça Junião, ilustrador, chargista e músico

22 de março de 2017

Junião Junior é o criador de personagens como Dona Isaura e autor do livro “Meu Pai Vai Me Buscar na Escola”. Além de chargista e ilustrador, o integrante da Ponte Jornalismo é também apaixonado por música.

Texto / Pedro Borges
Ilustrações / Junião Jr.

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Chargista da Ponte Jornalismo, responsável por personagens como Dona Isaura, autor do livro “Meu Pai Vai Me Buscar na Escola”, e apaixonado por música, Antonio Junior, mais conhecido como Junião, é um dos grandes ilustradores do país.

Criado em uma família muito ligada à cultura, Junião entrou em contato desde cedo com diversas manifestações artísticas. Ele próprio explica que os pais, apesar de uma limitação financeira, sempre tiveram grande preocupação em preservar aspectos da cultura afro-brasileira.

Ainda pequeno, Junião se encantou por ilustrações e começou a ter as suas primeiras referências gráficas. As histórias em quadrinhos da Turma da Mônica e as revistas compradas pelos pais se somavam aos discos de bandas como “Funkadelic” e “Mutantes” na construção do imaginário do jovem.

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O cartunista conta que o amadurecimento artístico continuou nas fases sequenciais da vida. “Na adolescência a formação crítica começou a aflorar e descobri Glauco, Angeli, Laerte e a turma da Circo. Depois veio faculdade e vieram os quadrinhos gringos, as estéticas da história da arte e por aí vai. De tudo guardo um pouco”.

Essas foram as bases para a construção de uma carreira que hoje chega aos 20 anos. Trilha profissional que se iniciou em Bauru, interior de São Paulo, onde Junião cursou Artes Visuais na Unesp e estagiou em uma agência de publicidade. Na sequência, trabalhou em escolas da periferia do município, em revistas, para então chegar ao Diário de Bauru, escola em que diz ter aprendido a fazer charge, infográfico, ilustração editorial e também jornalismo.

Depois, Junião partiu para Campinas, onde trabalhou por 11 anos com publicações cotidianas no Diário do Povo. A agilidade exigida pela rotina jornalística serviu de base para o artista desenvolver muitas capacidades. “As ilustrações para livros (didáticos, de ficção, infantis, adolescentes e adultos), para publicidade, campanhas educativas, apostilas escolares e todo o resto foram consequência desse trabalho”.

Hoje, ele produz ilustrações, charges e infográficos com foco em justiça, segurança pública e direitos humanos para a Ponte Jornalismo. O portal é um dos principais representantes da mídia independente no país e um dos grandes porta-vozes do genocídio cometido contra jovens pobres e negros.

O reconhecimento profissional também abre portas para Junião ministrar palestras e cursos sobre seu trabalho de cartunista em escolas técnicas, faculdades, SESCs e SESIs. O múltiplo Junião também desenvolve aplicativos para redes sociais e celulares.

Música

Mas isso não é tudo. Além de todos os trabalhos já citados, outra área que o artista não abre mão, é a música, paixão de infância.
A primeira recordação vem do tio-avô, Dito Ribeiro, responsável por fundar um grupo de jongo, reativado pela sua prima, Alessandra Ribeiro, há aproximadamente 15 anos. A tradição familiar persistiu com a tia, Heleninha Malaquias, maestrina e regente de um coral da família há mais de 5 décadas.

O coral, cujas letras foram escritas pelos tios-avôs de Junião, já se apresentou com a orquestra Sinfônica de Campinas. “Nasci neste caldeirão aí. Começar a tocar foi algo involuntário, que fazia parte do meu dia-a-dia e que não parei mais de fazer”.

A sua primeira banda, Mercado de Peixe, existe até os dias de hoje, e foi fundada em Bauru-SP, durante os estudos no interior do estado. O então estudante de Artes Visuais da Universidade Estadual Paulista (UNESP) permaneceu na banda até 2001, quando saiu da cidade.

O retorno aos palcos só aconteceu entre 2006 e 2007, quando morava em Campinas e voltou a tocar com amigos na cidade de São Paulo. Em 2012, o ápice da carreira musical veio com o convite do atleta olímpico de Taekowndo, Diogo Silva, para compor a banda de Hip Hop percussivo Senzala Hi-Tech, ao lado de nomes como Sombra e Minari do grupo de rap SNJ. “Topei de cara, pois a proposta envolvia, além da música, o trabalho com artes visuais pra compor a identidade da banda, tendo meu traço como forma e uma estética afrofuturista de gancho”, explica Junião.

Atualmente, o designer acumula três projetos musicais: Lavoura (jazz instrumental), Senzala Hi-Tech e, quando possível, se apresenta com o Mercado de Peixe. Ele gosta de destacar a sua carreira musical, porque acredita que essa é apenas mais uma forma de expressar aquilo que pensa e acredita. “É nesse caminho que eu vou, pois acredito que, no meu caso, um campo completa o outro. Vivo de ideias, e o meu modo de raciocinar e de passar minha mensagem é o mesmo pra tudo. Então ideias que eu não aproveito na construção de imagens, aplico na música e vice versa”.

Principais personagens

Todo artista tem a sua obra favorita. No caso de Junião não é diferente. Criada em Bauru, entre o ano de 2000 e 2001, Dona Isaura é a personagem de maior reconhecimento do cartunista. “Na época eu trabalhava no finado jornal Diário de Bauru e queria fazer outra coisa que não fosse charges, ilustrações e infográficos com o tema do dia a dia. Queria fazer algo mais próximo da ficção. Aí tive a ideia de criar uma personagem”.

Inspirado nas mulheres pretas de sua família, a personagem, representada em situações do cotidiano, foi lançada na revista japonesa Look, em 2002, e na coletânea Central de Tiras, no ano seguinte. As publicações seguiram de maneira diária entre 2003 e 2006 em dois jornais: Correio Popular (Campinas) e Diário da Região (São José do Rio Preto). Os relatos voltaram a ganhar o público nos meios digitais, como no Facebook, Twitter e Instagram.

Outra obra de muito carinho do artista é a publicação do livro “Meu Pai Vai Me Buscar na Escola”. Ele conta que ilustra livros infantis há alguns anos e sempre teve a vontade de fazer um livro como autor e ilustrador. “Quando nasceu meu filho, começaram a surgir ideias, pois são muitas as situações inusitadas que aparecem durante a convivência entre pais e filhos. E a que mais me agradou foi a nossa volta da escola”.

Quando escreveu o livro, Junião pensava em relatos cotidianos entre pai e filho, em uma narrativa que o filho se identificasse durante a fase de alfabetização. O autor não tinha noção da grande circulação da obra. “Sinceramente eu não esperava uma repercussão”.

Prova do reconhecimento foi o “Selo Seleção Cátedra 10 – Qualidade em Leitura Infantil e Juvenil”, prêmio concedido pela Cátedra Unesco de Leitura, entidade ligada à PUC-Rio, que escolheu 20 narrativas infanto-juvenis publicadas em 2016 para receber o carimbo de qualidade.

Um dos temas que chama atenção na obra é a discussão sobre a paternidade do homem negro. Os comentários positivos e o debate criado acerca da obra deixaram o cartunista muito alegre e reflexivo. “A paternidade é algo que eu vivo no dia a dia, mas nunca tive a oportunidade de discutir muito a respeito. E achei muito legal as pessoas identificarem no meu livro a questão da paternidade negra de modo positivo”.

Mídia Independente

Grande parte da carreira de Junião foi dedicada a trabalhar em jornais diários, revistas impressas e agências de comunicação. Toda essa trajetória fez Junião sentir a necessidade de buscar emprego fora das empresas tradicionais e abordar temas como os direitos humanos, combate ao racismo e igualdade de gênero.

O encontro com a Ponte Jornalismo foi perfeito. O cartunista exalta o conhecimento que ganhou e ainda ganha durante a rotina de trabalho com os demais colegas. “Considero os três anos que estive na Ponte como um novo curso universitário, pois trabalhar com esses temas, e com profissionais de excelente nível, me abriu outras oportunidades de ver o mundo”.

Mesmo que o processo para iniciar os desenhos tenha persistido, com muita pesquisa, leitura e diálogo, Junião reviu seus traços e passou a trabalhar com outros personagens. Na Ponte, ele aborda cidadãos esquecidos pela imprensa tradicional, pouco interessada a ouvir o que negras, negros, moradores de periferia tem a dizer.

Por isso, ele destaca a necessidade da mídia independente. Para o designer, ela rompe com o discurso de um único grupo social, democratiza a comunicação e apresenta as demais vozes de nossa sociedade. “Os donos são todos do mesmo grupo de poder que comanda o Brasil há 500 anos. Todos com mesmo perfil branco, masculino, héteronormativo que não está disposto a olhar pra diversidade cultural do país e nem tão pouco reconhecer a luta por igualdade de direitos”.

Essa diversidade de discurso também possibilita uma maior participação de negras e negros no design. Ele lembra que antes, para ter os desenhos reconhecidos e publicados, era preciso trabalhar em jornal, revista, editora de livros ou agência de publicidade. Com a internet, a situação mudou em partes. Muitos conseguem grande visibilidade publicando em sites, blogs ou páginas em redes sociais. A renda e a capitalização do conteúdo produzido, por outro lado, ainda seguem como empecilho.

De qualquer maneira, a internet tem criado a possibilidade de reunir ilustradores negros e negras e potencializar esses materiais pelas redes. “A mesma internet que ajuda a espalhar os trabalhos, ajuda a reunir e empoderar grupos de jovens que, juntos, reúnem várias habilidades e constroem suas próprias produções, suas novas linguagens, nas artes gráficas, música, moda sem precisar rezar a cartilha da grande indústria cultural engessada”.

 

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