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Curta-metragem coloca o racismo estrutural em debate

6 de agosto de 2018

“Preto no Branco”, dirigido por Valter Rege, retrata situação no qual jovem negro é detido após ser acusado por um furto e tem como objetivo promover reflexão sobre o modo como pessoas negras são vistas na sociedade

Texto / Amauri Eugênio Jr.
Imagem / Reprodução / YouTube

O jovem negro Roberto Carlos (Marcos Oliveira) sai do trabalho após o expediente e corre atrás do ônibus pretendido para conseguir chegar mais cedo à sua casa. Contudo, Roberto esbarra em Isabella (Maria Bopp), cuja bolsa é furtada no momento em que ele tenta alcançar o coletivo. Como o seu comportamento é considerado suspeito, logo os holofotes são voltados para ele, que acaba detido e encaminhado à delegacia, onde logo o incriminam e usam como justificativa a sua origem e a cor da sua pele.

Esta poderia ser a descrição de diversos episódios ocorridos diariamente. Mas, mais do que ser a narração da vida real, trata-se do argumento do curta-metragem “Preto no Branco”, desenvolvido e dirigido pelo cineasta negro Valter Rege, que foi exibido em festivais na Índia, na Alemanha e em dois festivais no Canadá, um dos quais era o Toronto Black Film.

Como se pode imaginar, isto não se trata apenas de ficção.

“Quando comecei a escrever ‘Preto no Branco’, pesquisei muito sobre as estatísticas do preterimento e violência em que o negro vive no Brasil e resolvi que o protagonista não aceitaria fazer parte desses índices. Eu queria fazer o espectador preto ou periférico questionar e refletir sobre importância de saber o seu lugar de fala”, explica Valter, ao falar sobre um aspecto autobiográfico que o inspirou a produzir o curta.

“Usei também vivências bem pessoais sobre como o preconceito racial entrou em minha vida, pois já fui chamado de ‘macaco’ em ambiente de trabalho e acusado de roubo na rua.”

Protagonismo negro

Logo ao se pensar na indústria cinematográfica no Brasil, a baixa presença de profissionais negros e negras em funções de produção e de direção é flagrada em dados. De acordo com a Ancine (Agência Nacional de Cinema), 75,4% dos filmes brasileiros lançados em 2016 foram dirigidos por homens brancos, ao passo que 2,1% têm assinaturas de homens – nenhuma obra foi dirigida por uma mulher negra.

A falta de diversidade no cinema foi, ao lado da naturalização da violência em relação a pessoas negras, o que motivou Valter a produzir “Preto no Branco”. A obra foi contemplada pelo Edital Curta Afirmativo, do MinC (Ministério da Cultura), voltado a jovens produtores e diretores.

“O cinema nacional é escrito, produzido e dirigido por pessoas brancas e elitizadas, que marginalizam o negro e o torna mártir apenas quando há uma bala alojada em seu corpo. Cineastas brancos têm o estranho fetiche de usar a extrema violência em nossos corpos e, infelizmente, nós, negros e periféricos, absorvemos todo o poder de persuasão da sétima arte e acabamos acreditando que somos mesmo filhos da violência”, pontua o diretor.

O modo como a pessoa negra é vista no cinema não é por acaso. O fato de o olhar hegemônico ser o de pessoas brancas é determinante para a construção de narrativas, em que pretos e pardos são vistos, na maioria dos casos, como agente passivo, incapaz de trazer para si próprio o protagonismo.

“Eles [os diretores] invadem nossas vivências, estudam nossas culturas e produzem materiais errôneos a partir de suas visões subjetivas. Eles se sentem heróis, pois atravessaram uma linha que poucas pessoas da elite querem cruzar. Os resultados são narrativas que reforçam estereótipos e só aliena ainda mais a população periférica”, ressalta o realizador.

“Luz! Câmera! Ação!”

“Preto no Branco” foi rodado em três dias e passou por três meses de pós-produção. Além do trabalho técnico, outro aspecto que se destaca no curta-metragem é a verossimilhança, que causa no espectador sensações variadas, como raiva, desespero, pânico e empatia por Roberto Carlos – isso tudo foi intencional, de acordo com o diretor.

“Fico feliz quando sinto que o filme provocou sensações que foram trabalhadas para chegar a esses sentimentos. Se na vida real estamos normatizando este tipo de violência, acho que o cinema é bastante viável para nos fazer pensar, sentir e questionar”, pontua Rege.

#SomosTodosRobertoCarlos

Roberto Carlos poderia ser eu, o meu irmão, você ou a pessoa ao seu lado que é negra. Em resumo: qualquer um de nós poderia ser o Roberto Carlos da ficção ou muitos outros Robertos Carlos do mundo real. Isso acontece por causa do racismo estrutural presente na sociedade.

“No Brasil, o atestado de culpa tem cor, mesmo quando se é inocente e o racismo está enraizado até hoje em nossa sociedade. Não temos pessoas [negras] na criação de conteúdo no mercado, [quase] não há diretores de cinema ou espaço na televisão para negros. Porém, nos cargos de servidão, continuamos a ser a maioria”, descreve Valter, sobre a questão racial no Brasil e na indústria cultural.

Por fim, isto explica a presença da dicotomia entre o falso princípio de igualdade racial e a culpabilização compulsória de pessoas negras em “Preto no Branco”.

“O jovem negro constantemente é desacreditado não pelo racismo direto, mas pela falsa ideia de democracia racial. As pessoas nos negam oportunidades apenas por analisar a nossa cor, mas não assumem que é por isso. Então, o negro vive na eterna utopia da meritocracia e quando não consegue realizar os objetivos, acaba culpando-se. A sociedade nos faz desacreditar em nós mesmos e o filme aborda isso de forma didática”, completa o realizador.

Assista a seguir o filme “Preto no Branco”.

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