A Pinacoteca de São Paulo, instituição da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo, apresenta até 29 de setembro uma retrospectiva de J. Cunha, a maior já realizada na carreira do artista baiano.
Com cerca de 300 itens, entre pinturas, desenhos, cartazes, estampas, objetos e documentos, “J. Cunha: Corpo tropical” expõe a trajetória do artista batizado como José Antônio Cunha, acompanhando seus percursos pela Bahia, onde nasceu e vive até hoje, e sua projeção nacional e internacional. Localizada no quarto andar da Pina Estação, a mostra enfatiza o caráter experimental, a diversidade das linguagens e o compromisso político do artista e de sua obra.
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Como ponto alto está a obra Códice (2011-2014), um painel de três por sete metros que nunca foi exposto em São Paulo e apenas três vezes apresentado ao público de forma completa. Trata-se de uma pintura realizada ao longo de quatro anos, reunindo 525 símbolos por meio dos quais Cunha cria um panteão de divindades afro-brasileiras.
Essa é também a primeira vez em que se vê um número expressivo de projetos de cenografia do artista que, por décadas, foi um ativo colaborador do Teatro Castro Alves, em Salvador. Na mostra, são apresentadas também algumas obras inéditas dos anos 1970, além de um expressivo conjunto de tecidos estampados para o Ilê Aiyê, produzidos entre os anos 1980 e 2000.
J. Cunha é um artista tropicalista. Isso o levou a experimentar diversos meios e linguagens, sempre pensando em maneiras de tornar sua arte verdadeiramente popular. Criou dezenas de cartazes, gravou filmes, fez vitrines de loja e capas de disco, até encontrar no carnaval uma forma de exercitar seu espírito irreverente. Em 1980, concebeu o logo do Ilê Aiyê, bloco afro que havia sido fundado poucos anos antes por jovens do bairro do Curuzu, na periferia de Salvador, sob a vigilância da Yalorixá Mãe Hilda Jitolu, importante liderança religiosa da cidade.
A partir dali, o artista criou estampas que, por 25 anos consecutivos, vestiram os frequentadores do bloco, cuja tônica era (e segue sendo) aliar a valorização da beleza negra à história da contribuição negra para as culturas do mundo. Cunha também elaborou elementos decorativos para diversos carnavais e festas populares de Salvador.
No início da carreira, ele foi bailarino e pouco a pouco, passou a atuar também nas áreas de cenografia e figurino das companhias com as quais colaborava. Nos anos 1970, participou da Pré-Bienal de São Paulo, que aconteceu no Recife, e da Bienal Latinoamericana de São Paulo, quando fez os elementos cenográficos e os figurinos da segunda encenação do espetáculo Aos pés do caboclo, de Lia Robatto. Nesse momento, ao ganhar o espaço público, ele faria uma manobra radical em sua carreira, alimentando um interesse que culmina em sua entrada no Ilê Aiyê.
Cunha, no entanto, nunca deixou de pensar e de operar como pintor. Mesmo quando precisou criar estampas que vestiriam mais de 3 mil pessoas dançando em cortejo pelas ruas, era na cor, na linha e na composição que ele pensava. Essa inclinação nunca se arrefeceu: até hoje, momento em que o artista dedica-se a projetos de painéis e equipamentos monumentais, é como pintura que tudo nasce.
Próximo de completar exatos 60 anos de carreira, J. Cunha recebe sua maior exposição individual. “Dentro das minhas imagens e memórias ao longo do tempo, penso que estou convivendo com um grupo de pessoas e instituições que elevam a questão da cultura brasileira presente em meu trabalho. Para mim, trata-se de um reconhecimento do que eu produzi ao longo destes anos”, diz o artista.
A exposição se divide em três partes, organizadas de maneira cronológica:
Parte 1: “Made in Brasil” (na entrada desta sala, o “s” está grafado de maneira invertida, tal como o artista fazia em suas pinturas dos anos 1970). Neste momento vemos o início da carreira do artista, dividido entre a pintura e a dança, preocupado em refletir sobre o Nordeste e em criticar o avanço do capitalismo e a perda das identidades locais. Vemos sua atuação junto ao Etsedron, grupo contracultural que se propunha pensar um Nordeste às avessas, como o próprio nome do grupo sugere – Etsedron é “Nordeste” ao contrário.
Parte 2: “Passar por aqui”. Neste momento são apresentados os 25 anos seguintes de sua carreira, dos anos 1980 a 2005, período marcado pelo aprofundamento de sua atividade gráfica, tanto sobre cartazes quanto sobre tecidos. Na parte central desta sala, foi criado um sistema de painéis que evocam a forma de um búzio da costa, elemento muito recorrente em sua obra. No centro do búzio, suas pinturas em formato doméstico; fora dele, projetos de cenografia e materiais gráficos produzidos para o Ilê Aiyê dão conta de mostrar a versatilidade de um artista que sabe muito bem trabalhar em diferentes escalas, tanto em termos de tamanho quanto de produção.
Parte 3: “Neobarroco Afro-pop”. Nesta última parte, é apresentada a fase mais madura do artista, desde os anos 2000 até os dias atuais. Sua pintura ganha escala, sua atenção volta-se para os grafismos caboclos, ícones pop e símbolos do cangaço. Pinturas monumentais e projetos de monumentos dialogam frontalmente. Nesta sala aparece também seus interesses nas expressões do catolicismo popular e nos símbolos e ferramentas dos Orixás, que figuram, por exemplo, no Códice, obra que encerra a exposição.
Serviço
J. Cunha: Corpo Tropical
Quando: até 29 de setembro
Curadoria: Renato Menezes
Endereço: Pinacoteca de São Paulo | Largo General Osório, 66, Santa Efigênia
O edifício da Pina Estação se localiza no Complexo Cultural Júlio Prestes, conectado com a Sala São Paulo e a São Paulo Escola de Dança e se beneficia de fácil acesso com a linha de trens da CPTM/Metrô Luz.
De quarta a segunda, das 10h às 18h (entrada até 17h)
Gratuitos aos sábados – R$ 30,00 (inteira) e R$ 15,00 (meia-entrada), ingresso único com acesso aos três edifícios – válido somente para o dia marcado no ingresso