Autenticidade é uma das características mais marcantes da Funmilayo Afrobeat Orquestra, banda formada em São Paulo (SP) por onze musicistas e uma dançarina de histórias distintas e com o objetivo em comum de transformar o luto em luta contra o racismo e o machismo.
A banda nasceu em março de 2019 quando a trompetista Larissa Oliveira e a saxofonista Stela Nerine decidiram materializar o sonho de criar um grupo de afrobeat com o maior número possível de mulheres negras em sua composição. A dupla já conhecia a dançarina, produtora e pesquisadora do afrobeat Vanessa Soares, que integrou o projeto com a realização da produção executiva e de performances de dança e poesia.
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A formação também traz Rosa Couto na voz e percussão, Jasper na voz e na guitarra, Ana Góes no saxofone tenor, Bruna Duarte no contrabaixo, Priscila Hilário na bateria, Suka Figueiredo no saxofone barítono e flauta transversal, Tamiris Silveira no teclado e Sthe Araújo e Afroju Rodrigues na percussão.
“Nós damos continuidade na conquista das mulheres negras por espaço na cena brasileira do afrobeat, que até então era majoritariamente branca e masculina. Isso nos leva à questão da representatividade, por buscar nossas raízes musicais e também a grandes expectativas, por estarmos desvendando nosso caminho enquanto pioneiras”, conta a banda, em entrevista à Alma Preta.
O primeiro single da banda, chamado “NegrAção”, lançado em outubro passado, é um grito contra a opressão vivenciada pelas mulheres negras há séculos. Ao coro de “Vai ecoar Marielle presente”, a faixa composta por Stela Nesrine e com arranjo construído em conjunto pela banda destaca ainda uma das frases mais impactantes da filósofa e ativista estadunidense Angela Davis: “quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”.
A canção gravada por meio do projeto “Escuta as Minas” da plataforma de streaming Spotify também marcou a estreia da Funmilayo Afrobeat Orquestra nos palcos. A banda se apresentou publicamente pela primeira vez em dezembro, no Sesc Santo Amaro, em São Paulo (SP), com um repertório que mesclou composições autorais e clássicos do afrobeat.
O afrobeat mescla estilos musicais populares em países da África Ocidental, a exemplo de Gana e Nigéria, onde o highlife e a juju music se misturam ao jazz e o funk. Ao longo da história, o estilo também ficou conhecido por seu caráter político.
O nome da banda é, inclusive, uma homenagem à ativista e professora nigeriana Funmilayo Anikulapo Kuti, mãe de Fela Kuti, músico responsável pela consagração do estilo que foi fundamental na luta contra a ditadura que eclodiu no país africano na década de 1970. Funmilayo ou “Mãe África”, como é chamada pela luta feminista na Nigéria, é uma das mulheres cuja contribuição para o sucesso do afrobeat foi invisibilizada pelo machismo.
A Funmilayo Afrobeat Orquestra ressalta a importância de manter o caráter de luta política do estilo diante do cenário onde estão inseridas. “O afrobeat, mais do que um gênero musical, é um instrumento que nasceu como uma vertente artística da luta política na Nigéria no combate à repressão do governo autoritário. Dessa forma, uma vez que optamos por trabalhar com esse gênero musical na banda, é necessário manter seu caráter resistência. Estamos inseridas no contexto brasileiro onde a luta da mulher negra ainda está em curso. Então seguimos usando a música como arma”, sustenta.
Para o grupo, a ligação de negros em diáspora com o afrobeat é uma maneira de se reconectar à cultura africana e resistir ao extermínio e desumanização provocados pelo racismo.
“No Brasil, por questões relacionadas ao racismo estrutural, não temos conhecimento, acesso ou consciência [da nossa história]. É muito importante que isso mude, pois conhecer as histórias e as culturas africanas é um meio de resistir ao nosso extermínio e à nossa desumanização. Queremos, de alguma forma, fazer chegar essa mensagem às negras e negros brasileiros que, por acaso, possam ter contato com nossa música”, dizem.