De fato, 47 anos de glória não são 47 dias. A trajetória do Ilê Aiyê, primeiro bloco afro do Brasil, há muitos anos se firma como um marco na luta contra o racismo e na construção da autoafirmação, potência e beleza do povo negro. Suas indumentárias, danças e canções simbolizam a revolução de um povo que até os dias de hoje luta para existir.
Fundado no dia 1º de novembro de 1974, no bairro do Curuzu, em Salvador, o bloco Ilê Aiyê representa a força da cultura negra e foi fundamental para a discussão de políticas voltadas para a população negra, sobretudo em um período marcado pela Ditadura e pelas repressões racistas e violentas.Falar sobre o Ilê, é fundamental para entender a importância de movimentar as estruturas, sobretudo quando o corpo negro é alvo constante.
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Foi dentro do terreiro Ilê Axé Jitolu, comandado pela ialorixá Mãe Hilda, que o bloco deu início à articulação para a emancipação afro-brasileira, especialmente dos povos de santo, entoando vozes no combate à desigualdade racial e à violência contra a população negra. Se nos dias de hoje ser negro continua sendo um desafio, naquele período, só andar com o seu black solto ou manifestar a sua religião africana era sinônimo de repressão.
Desafiando os padrões impostos pela sociedade brasileira, no Carnaval de 1975, menos de 100 pessoas se uniram pelas ruas do Centro de Salvador, em um coro para mostrar o valor do negro com a música “Que Bloco é Esse?”. Embalado pelo ijexá, ritmo tradicional das religiões de matriz africana, as canções do Ilê trazem em suas composições um discurso de autoafirmação, amor e de celebração à cultura e tradições dos povos africanos.
“Que bloco é esse? Eu quero saber/ É o mundo negro que viemos mostrar pra você/ Somo crioulo doido e somo bem legal/ Temos cabelo duro é só no black power”
Um dos nomes fundamentais do bloco é o filho de Mãe Hilda, Antônio Carlos dos Santos, conhecido como Vovô do Ilê, que junto com Apolônio de Jesus e moradores do bairro do Curuzu se inspiraram nas lutas contra o colonialismo na África e nos movimentos negros americanos para fundar o primeiro bloco voltado para negros e negras. O Ilê ressignificou a estrutura criada para oprimir as pessoas negras e transformou a comunidade em símbolo de beleza, ativismo e política.
“Desde o surgimento do Ilê Aiyê nós tivemos perseguição policial, a dificuldade de acesso aos espaços mais privilegiados, dificuldades de patrocínio – você vê que o Ilê nunca foi campeão do Carnaval-, mas também tivemos muitas conquistas, a principal delas é ver a maioria do povo negro se assumindo como negro, da gente usar o nosso cabelo, usar a nossa roupa colorida (que a gente não tinha direito), e tudo isso foi através dos discursos e através da musicalidade do Ilê Aiyê […] Através da música nós conseguimos fazer essa revolução”, diz o atual presidente da entidade, considerado a “lenda” do Carnaval da Bahia.
Apenas a criação do Ilê não era suficiente para incluir a pauta da população negra. A autoestima dos negros e negras também foi uma forma de se reconhecer como sujeitos capazes de contar a sua própria história. Quando se trata de autoconhecimento, o racismo sempre impôs às mulheres negras um lugar de ridicularização e rejeição pelos seus traços, estética e corpos. Para isso, também era preciso que elas fossem fortalecidas e reconhecidas.
É a partir desse contexto, em 1975, que surge o concurso Noite da Beleza Negra, evento que enaltece a beleza da mulher negra e desconstrói o tradicional padrão dos concursos que apenas veem as mulheres brancas como estereótipo de beleza. Búzios, batas africanas, turbantes e acessórios são símbolos fundamentais na escolha da rainha do bloco Ilê. O concurso da Deusa do Ébano é realizado tradicionalmente no mês de fevereiro e se constitui como um dos eventos mais importantes antes do carnaval.
Cantado por Gilberto Gil, Caetano Veloso, Daniela Mercury e Margareth Menezes, o Ilê inspirou e acolheu uma geração de artistas que revolucionaram a música baiana. Um desses nomes é o cantor Lazzo Matumbi, vocalista do bloco entre os anos de 1978 a 1980. Na época, ficou conhecido como Lazinho do Ilê. Em comemoração às quase 50 décadas do Ilê, o artista diz que o bloco foi fundamental para a luta contra o racismo e ativismo que até hoje são presentes nas suas obras.
“Quero parabenizar o Ilê Aiyê pelos seus 47 anos de existência e resistência na luta contra o racismo e valorização dos afrodescendentes do Brasil. Axé!”, disse o cantor à Alma Preta Jornalismo.
Para além de um bloco de Carnaval, o Ilê é uma entidade que atua no campo social e educacional como forma de valorizar e capacitar a população negra, sobretudo a juventude. É na Senzala do Barro Preto, no Curuzu, que se localiza o reduto sociocultural e religioso do Ilê, onde projetos sociais transformam a vida de crianças e jovens negros.
Desde a sua fundação, a entidade desenvolve projetos e ações sociais que promovem a inclusão de crianças e adolescentes na arte, educação e cultura, como a Escola de Percussão, Canto e Dança, a Banda Erê, e a Escola Mãe Hilda, voltada para alunos do ensino fundamental e com um currículo que visa disseminar a cultura da população negra e afrodescendente dentro do ambiente escolar. A ação, inclusive, impulsionou a criação da Lei 10.639, que estabelece a inclusão da história e cultura afro-brasileira nas escolas de todo o país.
Neste ano, a comemoração de 47 anos do Ilê acontece no dia 28 de novembro, data que também marca a inauguração de 18 anos da Senzala do Barro Preto. Para o Ilê do futuro, Vovô do Ilê espera um país com mais consicência, respeito e revolução da comunidade negra em todos os espaços. “Para isso, o Ilê tem que dar sua continuidade e sua contribuição na conscientização e alertar o povo negro e a juventude que nós temos um elemento muito importante que é o voto e temos que saber utilizar o nosso voto. Nós temos que parar de ser massa de manobra. Através do Carnaval nós fizemos essa revolução e vamos continuar fazendo. O que eu espero no futuro do Ilê Aiyê é liberdade, igualdade e respeito”.
Abaixo, confira sucessos que marcaram os 47 anos do Ilê Aiyê: