A animação “Hair Love”, vencedora do Oscar na categoria de Melhor Curta Animado de 2020, apresenta uma situação comum no convívio de famílias negras e incomum no cinema americano: os cuidados com o cabelo crespo, o que fez os pais de crianças negras celebrarem a vitória do filme na premiação deste domingo (9), em Los Angeles, no Estados Unidos.
“Para nós, pessoas negras que sentimos tanta falta de representatividade na tela, ver produções como essa é muito importante inclusive para trabalharmos na auto estima das crianças. As animações são referenciais significativos para as crianças e o dilema que a menina enfrenta no vídeo é comum a todas as meninas e meninos negros”, conta a designer, educadora e produtora audiovisual Nina Vieira, integrante do coletivo Manifesto Crespo.
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O curta do diretor negro Matthew A. Cherry conta a história de Zuri, uma menina afro-americana que recebe a ajuda de seu pai, Stephen, após enfrentar dificuldades para arrumar seu cabelo. A animação foi baseada em diversos vídeos da internet em que, de forma divertida, pais tentam se adaptar aos cremes e elásticos necessários para pentear os cabelos crespos como uma forma de colaborarem com a autoestima dos filhos.
Nina Vieira, que tem uma filha de seis anos, assistiu ao curta-metragem duas vezes. A primeira no ano passado, após o lançamento em agosto, e a outra na noite do Oscar. Para ela, um dos pontos fortes do filme é a sensibilidade no qual o cuidado com os cabelos crespos foi retratado.
“O curta me emocionou pela sensibilidade de falar sobre afeto como uma ferramenta de fortalecimento da auto estima, que resulta em uma preparação para caminharmos na nossa sociedade com mais força e de cabeça erguida. Esse investimento de tempo para cuidar das crianças faz elas se sentirem especiais e quando as mostramos que são importantes e lindas com seus cabelos naturais estamos lutando contra as opressões do racismo”, explica.
Discurso na premiação
A importância de normalização do cabelo natural de pessoas negras, inclusive, fez parte do discurso da produtora Karen Rupert Toliver, que subiu ao palco com o diretor Matthew A. Cherry para receber o prêmio por “Hair Love”.
“A representação importa profundamente. Queremos ter mais representatividade na animação. Precisamos normalizar o cabelo negro”, destacou Karen.
Ao receber o prêmio, o diretor Matthew A. Cherry, por sua vez, celebrou o jovem negro DeAndre Arnold, que estava na cerimônia. Em 2019, DeAndre foi suspenso da escola onde estudava no Texas porque usava dreads. Segundo a instituição de ensino, o cabelo do jovem violava o manual do aluno.
Presença negra no Oscar
“Hair Love” foi a única produção cinematográfica negra a conquistar uma estatueta na premiação deste ano. O número de indicados negros ao Oscar 2020 também foi mais baixo que o de costume. A única pessoa negra indicada nos prêmios de atuação deste ano foi Cynthia Erivo, protagonista de “Harriet”, história de uma ex-escrava abolicionista.
O apresentador da cerimônia, o comediante Chris Rock, criticou a ausência de negros na premiação utilizando como exemplo a indicação de Erivo. “Cynthia fez um trabalho tão bom ao esconder pessoas negras em Harriet que a Academia do Oscar fez com que ela escondesse todos os indicados”, afirmou.
Segundo levantamento feito pelo portal Adoro Cinema, a desigualdade racial no Oscar é grande. Profissionais negros levaram apenas 44 estatuetas ao longo de toda história da premiação, o que representa menos de 2% dos troféus entregues.
A edição de 2019 foi uma das mais promissoras no combate à desigualdade racial da premiação batendo o recorde de maior número de prêmios para profissionais negros em toda a sua história. Foram sete estatuetas ao todo: Regina King (atriz coadjuvante por “Se a rua Beale falasse”), Mahershala Ali (ator coadjuvante por “Green Book: O Guia”), Kevin Willmott (roteiro adaptado por “Infiltrado na Klan”), Peter Ramsey (animação por “Homem-Aranha no Aranhaverso”) e a premiação de Spike Lee.