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Irmãs de Pau: dupla de cantoras reflete sobre sexualização e transfobia

Conheça Isma e Vita, as amigas que se uniram durante a pandemia e investem na produção do primeiro EP de músicas que dialogam com a comunidade LGBTQIA+

Texto: Caroline Nunes | Edição: Nataly Simões | Imagem: Eli Bezerra

1 de abril de 2021

Irmãs de Pau é o nome do projeto de duas travestis negras, que aproveitaram o isolamento causado pela pandemia para se unir e pensar em músicas que dialogam com a comunidade LGBTQIA+.

Composta por Isma Almeida e Vita Pereira, a proposta musical nasceu no primeiro semestre de 2020 a partir da amizade das duas, que se conheceram durante uma ocupação estudantil em 2014, em uma escola da Zona Oeste de São Paulo. Com o fim do ensino médio, Isma e Vita mantiveram contato e começaram a se montar apenas para ocasiões especiais, ainda que de forma mais discreta, principalmente perto de conhecidos.

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“Viemos de famílias que no início não entendiam muito o que somos, pois em São Paulo éramos travestis somente nas estações e às vezes dentro dos trens e metrôs, locais em que nos trocávamos e nos vestíamos aquilo que sonhávamos ser”, relembra Vita.

Para Isma, a sexualização do corpo negro – foco das composições da dupla – é grande e a transfobia é acentuada nessas pessoas, pois ela acredita que a sociedade enxerga corpos negros apenas como objetos, não como indíviduos que desejam constituir família e possuem objetivos a longo prazo.

Isma acredita que para as travestis negras é negado o sentimento de acolhimento e é importante levantar essas questões na música para que a violência possa ser identificada pelo público. Apesar desse preconceito, racial e de gênero, a artista afirma que travestis são “dignas de amor e afeto”.

Leia também: A transfobia no Brasil tem cor, revelam estatísticas

Vita complementa que o single “Travequeiro”, o primeiro das Irmãs de Pau, aborda principalmente a humanização de pessoas trans em relações afetivorromânticas e dialoga também com a pauta do feminismo negro, em que a solidão da mulher negra é apontada. Para ela, o direito de vivenciar o amor vai além do sentido de relacionamento amoroso, abrange também família e outras relações em que o assunto é silenciado.

“A imagem da travesti negra na sociedade está muito atrelada às migalhas de afeto. Ao sigilo. Ao corpo preto exótico. A receber apenas a hipersexualização dos corpos, da nossa genitália. Bem como a mulher negra, a travesti é considerada ‘a quente’ ou ‘a fogosa que aceita tudo’. O movimento ativista das travestis negras intersecciona muito com outras pautas, por isso é importante falar isso na comunidade trans e também no movimento negro”, pondera.

Estreia nos palcos

As Irmãs de Pau realizaram o primeiro show da carreira na edição de 2021 do Festival Bixanagô – Empoderamento e Estética Negra. O evento, com mais de 11 milhões de visualizações, contou com a apresentação de “Travequeiro”, single do inédito EP “Dotadas” da dupla.

Segundo Isma, o festival significou uma grande oportunidade para a carreira delas, ao mesmo tempo que traz esperança para artistas independentes. Já Vita acredita que estrear ao lado de nomes como Rico Dalasam, Tássia Reis, Urias, Alice Guél e outros cantores traz visibilidade ao projeto e fortalece a rede de apoio dentro da militância.

“Começar ao lado dessas pessoas foi muito importante, pois elas são referências para o nosso trabalho, ao mesmo tempo que também significa o crescimento da militância”, avalia.

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Isma à esquerda e Vita à direita. Foto: Eli Bezerra

Perspectiva de futuro

A dupla espera conseguir manter o engajamento em suas redes sociais daqui para frente, para que isso colabore para a divulgação do EP. Vita explica que o nome do álbum de estreia é propositalmente provocativo e serve para trazer a reflexão sobre a hipersexualização feita pela sociedade que associa o nome ao órgão genital.

“Somos dotadas sim, mas de inteligência, inclusive acadêmica. Isma está se formando em Pedagogia e eu já sou pedagoga. Somos dotadas de conhecimentos sobre o cinema, teatro, e o EP vai trazer à tona o nosso desejo de produção dos nossos próprios desejos, de construir outras narrativas e nos colocar em outros lugares”, analisa a cantora.

Isma considera desafiador ser uma travesti negra que vive de arte no Brasil, principalmente pela questão das oportunidades. Ela conta que as redes de apoio são a válvula de escape nas restrições que o mercado artístico impõe às pessoas negras e transexuais. Além disso, a artista sugere que as pessoas fortaleçam as travestis negras, apoiando seus trabalhos e colocando em prática o conceito de comunidade para dar voz a esse grupo.

“Existem muitas manas na cena, basta darmos ouvidos, pois temos muito que aprender com todas. Não precisa se limitar a apenas uma travesti preferida. O rolê tem que ser coletivo, pois cada uma tem algo específico pra falar e que merece ser ouvido”, finaliza.

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