“Nós estamos no período dourado do cinema negro”, acredita Joel Zito Araújo, um dos principais nomes do cinema nacional. Autor de obras como “A Negação do Brasil”, “As Filhas do Vento” e “Raça”, Joelzito pensa que “nós criamos um grande celeiro de realizadores negros”. Ele é doutor em Ciências da Comunicação pela Escola de Comunicações e Arte da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e pós-doutor em Rádio, TV e Cinema pelo departamento de Antropologia da Universidade do Texas.
Para ele, contudo, o cinema negro brasileiro, apesar dos diversos talentos, não conseguiu o apoio financeiro que merece para o desenvolvimento de obras a altura da qualidade dos profissionais existentes.
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“Embora a gente tenha criado esse grande celeiro de talentos, eu acho que a gente não teve os recursos necessários para facilitar com que essas pessoas façam longas, com recurso e qualidade. Hoje nós temos um pequeno exército pronto para ocupar as telas”.
Joel Zito Araújo, parte dessa tropa, trabalha em obras para um futuro próximo. Casado com São Graça, uma mulher cabo-verdiana, ele tem desenvolvido uma série documental sobre o cinema africano e uma obra sobre a imigração em Cabo Verde. A expectativa é que exista a participação de uma estrela de Hollywood no filme.
“Eu tenho um projeto que já tem esse interesse do Danny Glover, que é um grande amigo. Tem essa história do cabo verdiano com a diáspora, uma parte deles vão viver fora e não no país, então é uma história de retorno. Eu também estou fazendo uma série documental sobre cinema africano”, conta.
Outra iniciativa desenvolvida por Joel Zito Araújo é uma história que deve reunir e aproximar as trajetórias de pessoas negras e indígenas no Brasil. “Eu quero fazer um filme chamado ‘Sete Estações’, que converge a questão negra com a indígena. É uma história meio de aventura, que se passa no Mato Grosso. É um projeto caro, mas ou eu vou fazer agora ou eu não faço nunca mais”.
O sucesso do filme de comédia “O Pai da Rita” também o provoca a dar continuidade com o projeto, que tem potencialidades a serem exploradas, segundo o cineasta. “Eu estou pensando em transformar em uma série de TV cômica. Estou tentando vender esse projeto”.
O filme, inspirado na música “A Rita” do cantor e compositor Chico Buarque, conta a história de Roque e Pudim, duas pessoas ligadas à escola de samba Vai-Vai. Os dois, integrantes da velha-guarda, partilham o amor por uma das passistas da escola, Rita. Durante a trama surge a “Ritinha”, filha da passista e que levanta a discussão sobre a possível paternidade de um dos dois.
Outro sucesso recente dele, a série documental “PCC: Poder Secreto”, está desde a estreia entre as mais vistas da plataforma de streaming da HBO Max. A obra conta a história da maior facção criminosa do Brasil e da América Latina, com base na obra “Irmãos: Uma história do PCC”, livro escrito por Gabriel Feltran. A repercussão das últimas produções o mantém empolgado para os novos projetos.
“Eu já estou entrando na terceira idade, quando já tem aquela ameaça, ‘até onde vai a minha vida criativa?’. Eu conheço muitos cineastas que filmaram até a hora da morte. Eu talvez queira repeti-los, mas eu também percebo que chega um determinado momento quando o artista começa a se repetir, uma espécie de morte criativa, que eu gostaria de não ter. A circulação das produções mais recentes mostra que eu estou no meu apogeu criativo”.
O cinema negro e a construção de um novo imaginário
Apesar de hoje existirem mais diretores, roteiristas, produtores, cinegrafistas, entre outras funções, a realidade do cinema produzido por pessoas negras nem sempre foi desta maneira, como se recorda Joel Zito Araújo. Ele lembra que a chamada sétima arte era restrita para alguns “gatos pingados”.
“Quando eu comecei, a gente tinha alguns gatos pingados. Antes de mim quem fez cinema negro, Zózimo Bulbul, Antonio Pitanga, Valdir Onofre, Haroldo Costa. Para nomear os talentos da nova geração, eu já preciso de mais de duas mãos”, conta com alegria.
Em 2001, Joel Zito Araújo lançou o filme “A Negação do Brasil”, obra que conta a história dos personagens negros na telenovelas brasileiras. A pesquisa e a narrativa renderam ao cineasta o reconhecimento de melhor filme do prêmio “É Tudo Verdade”. Ele também foi indicado para exibir a produção nos festivais de cinema latino de Madrid, na Espanha, e Porto, em Portugal.
Uma das produções mais premiadas e reconhecidas de Joel Zito Araújo é “As Filhas do Vento”, responsável por angariar para o artista oito prêmios no Festival de Gramado. Com o primeiro longa-metragem, o cineasta venceu as categorias de melhor filme e melhor diretor. Venceu também o troféu de melhor filme, de acordo com o público, na Mostra de Cinema de Tiradentes. A produção ainda rendeu para Joel Zito Araújo a oportunidade de apresentar a obra em festivais em países como a Índia, França, África do Sul, Burkina Faso e Camarões.
O amigo e colega Zózimo Bulbul, falecido em 2013 aos 75 anos vítima de um câncer, um dos precursores do cinema nacional, carrega o nome de um dos principais encontros de cinema do país. Joel Zito Araújo foi convidado pelo amigo para dar continuidade ao projeto, que ocorre no cinema Afrocarioca, reúne as diferentes gerações da sétima arte e ainda serve como um espaço importante para o fortalecimento do cinema nacional.
“O número de filmes, de cineastas negros brasileiros, era minoria no início. Eu lembro que no primeiro ano que eu assumi era algo como 58 filmes africanos e uns 18 filmes de curta metragem brasileiros. Cinco anos depois da curadoria essa coisa se inverteu profundamente. A gente tinha cerca de 150 filmes de afro brasileiros e cerca de 38, 40 filmes africanos”.
O Encontro de Cinema Negro Zózimo Bulbul está na 13° edição e neste ano tem o mote “Brasil, África, Caribe e Outras Diásporas”. O evento será virtual e terá 10 dias, com mais de 100 filmes exibidos, com 30 sessões de longas, médias e curta-metragens.
A luta de Joel Zito Araújo, Zózimo Bulbul e outros para a ampliação do cinema negro e o exercício de produzí-lo, mesmo sem recursos ou muitos colegas, se deu pela importância da sétima arte na construção de diferentes imaginários sobre a comunidade negra.
“A produção audiovisual, especialmente o cinema, como uma mãe de séries, telenovelas, filme de ficção, filmes de documentários, pode ser um poderoso instrumento de ampliação civilizatória do imaginário civilizatório. E no nosso caso, como país que ainda tem uma mentalidade muito colonizada, a nossa produção cinematográfica revela a alma negra do país”.
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