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Mestre Lumumba: diásporas, luta e ancestralidade da cultura negra no Brasil

6 de agosto de 2018

Após 40 anos de MNU, em entrevista, Mestre Lumumba fala sobre política, protagonismo negro no fazer cultural e faz um convite especial para criação de um espaço de encontro que será inaugurado nos dias 11 e 12 de agosto no Centro Cultural Butantã em São Paulo

Texto e entrevista / Vanessa Cancian
Imagem / Facebook Mestre Lumumba

O sorriso estampado no rosto. A sensação de que segue cumprindo sua missão designada pelos seus ancestrais. Os dreads já branquinhos mostrando a experiência de uma vida que segue muito bem vivida. A cabeça a mil, cheia de ideias e o corpo com disposição para tocar, dançar e louvar aos orixás por meio de uma música que ecoa resistência e luta. A frase que repete: “O melhor da minha vida eu estou fazendo agora”.

Quando perguntam quem é essa pessoa, o que não falta para mestre Lumumba são histórias para contar e seguir contando sobre sua vida. Um guerreiro da cultura negra, do candomblé e da luta pela sobrevivência do povo negro no Brasil.

Benedito Luiz Amauro, filho do orixá Ogum, é fazedor de tambores (Oni-lu), conhecedor dos mistérios do ofício milenar da percussão, além de poeta e compositor. Viveu e aprendeu de perto com Mestre Didi, sacerdote máximo do culto aos ancestrais.

Com mais de 300 composições escritas, suas letras somam mais de meio século de influências e experiências musicais. Foi do teatro e contemporâneo ao Leminski, mas a sua poesia mais forte segue sendo construída por meio da sua história.

O mestre é uma representação da cultura viva afro-brasileira. Mobilizador cultural nos lugares por onde passa, ele fala em entrevista exclusiva ao portal Alma Preta sobre sua trajetória nos 40 anos de MNU, sobre a importância do protagonismo negro reescrevendo a história na resistência das nossas culturas.

“Eu estou aqui porque sou imortal, os mortais morreram”, fala rindo Mestre Lumumba. No auge dos seus 72, ele inicia mais uma jornada em busca de criar um espaço permanente de resistência e de cultura negra, permeado pelo encontro dos sonhos das pessoas que por ali passarem.

O evento marcado para acontecer nos dias 11 e 12 de agosto no Centro Cultural Butantã irá lançar a cerveja artesanal afro-brasileira Otim’Bé, junto com um show musical do mestre com músicos convidados e performance artística da Cia Os Crespos. No domingo, dia 12, haverá uma oficina de construção de tambores. Necessário fazer inscrição prévia pelo link.

 

“Vamos curtir a possibilidade de sermos nós mesmos, nos anseios, nos sonhos”, diz o mestre ao convidar as pessoas para esse grande encontro.

Vanessa Cancian: Recentemente o senhor foi um dos homenageados nos 40 anos do Movimento Negro Unificado (MNU), como se deu essa história?

Mestre Lumumba: As minhas participações as comemorações dos 40 anos de MNU me fizeram ver que algumas das premissas que eu colocava enquanto era jovem. Há 40 anos o que acontecia é que havia uma ideia de que nós poderíamos ser uma vertente independente da luta pela libertação do povo preto, e quando eu falo povo preto, eu falo todo mundo que é mais queimadinho que o europeu. Eu sempre senti que era importante permanecer desse lado de cá da fonte, isso que eu trabalho melhor em minha vida. Nunca acreditei que seria possível nós, movimento negro, nos conectarmos com os partidos da época, eu sempre acreditei que não dava para gente discutir sem força com eles. Então vi que cada um foi pra um partido e sinceramente, qual partido que não é racista? Planetariamente não existe nenhum que seja “pró colored”. Como você pode estar na água, viver submerso na água e não ser peixe? Não tem como ser outra coisa na política brasileira.
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VC: Como se deu essa questão da dominação política e ideológica, na sua opinião?

ML: Qualquer pessoa com alguma pigmentação na pele eles dominaram. A conquista planetária dos povos de pele escura pelos europeus se dá a partir da África, quando eles conseguem impor a visão de mundo deles, e essa visão vem também por meio da religião, é aí que a gente começa a perder, assim como ficar adorando a religiosidade branca, ficava adorando o homem branco, o deus deles não salva minha alma nem meu corpo.

Um “Deus nos cale” é bom pra eles. Pra nós só sobrou a chibata e nos suprimiu a própria evolução.

VC: E como estamos agora, 40 anos depois?

ML: Veja bem, em 40 anos era para ter diminuído o genocídio da juventude negra, teríamos uma escola melhor. Eu acredito que sem terra não tem liberdade, terra é liberdade. A postura deles é nos manter na mesma plantação, e a plantação deles é as periferias das cidades. Nós temos uma fidelidade canina.
A minha postura continua a mesma, não dá para negociar com os caras a não ser na força.

VC: A cultura negra é e tem se tornado cada vez mais “pop” no Brasil, ainda que ser negro não é “pop”. O que o senhor diz sobre isso?

ML: A gente vê tudo que sai lá pra fora de origem negra, rap, reggae, é com gente branca e nós, negros, ficamos no “pré design”. Quando falamos de pontos de cultura, quantos pontos de cultura você acha com outra coisa que não seja cultura negra e afro-ameríndia. E, a maioria não é dirigida pelas pessoas da comunidade. Então, você vê que mesmo nos pontos de cultura, todo mundo trabalha com afro indígena, mas a direção do grosso, mais de 97%, você não vai achar ninguém indígena ou black.

Quando você formata isso em produto que vai dar retorno, sustentação e liberdade de expressão, a gente sempre está colocado de fora. Isso não me faz inimigo de ninguém, mas vamos combinar que é isso? O Skank faz isso muito bem há décadas. Todos. Eu acho que o rock faz isso também. É uma atitude consumada.

VC: Como fazemos para reinventar essa história?

ML: A gente sempre prima por procurar os espaços não estatizantes que nos possibilitem fazer as manifestações como um todo. Se tivermos nosso espaço, podemos ter nossas editoras, nossas gráficas, ter um espaço de se conversar, fazer a mostra e se organizar.

A cultura negra se transformou em um produto altamente rentável, e quando dirigido por não negros e eles tiram o tapete, todo mundo cai no vazio, porque não estamos com os meios de produção. Agora, quando temos nossos espaços, nossos estudos e gerenciamos, agradecemos as indicações e as setas do caminho. Queremos ser donos do nosso próprio destino. Eu vim até aqui, até agora, não se vai dar certo, mas está dando.

VC: E como está estado de São Paulo em relação às culturas negras?

ML: Temos coisas lindas aqui no estado de São Paulo, e coisas lindas que fazem parte das coisas lindas do Norte e Nordeste. Se você colocar a congada e colocar junto com o maracatu, fica algo completo, porque os ritmos afro são pentatônicos. Com a pegada da congada eu faço rap da maior qualidade. O maracatu e a congada têm as mesmas raízes bantu, de irmãos que se separaram. São Paulo tem todo esse potencial e o que acontece reverbera e produz influências em toda a América Latina.

Na história do Brasil, escravidão termina por último no estado São Paulo. Se essa questão de cultura negra realmente se organiza por aqui e cai para todo o continente, ser negro e caipira do interior é estar dentro desse berço e é uma grande oportunidade de influenciar no destino da América Latina.

Sobre as cotas, o Movimento Negro começa a discutir essa ideia de cotas nesse estado. É sempre aqui que acontece, por isso a classe dominante não quer que ocorra, porque aqui tem uma taxa de “retornância” que reverbera por toda a América. É daqui que vai continuar o movimento de libertação.

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