Programador musical de um dos principais programas de rádio do país, “O Samba Pede Passagem”, Moisés da Rocha completa 50 anos de carreira sempre se posicionando contra o racismo no rádio e samba.
Texto / Pedro Borges
Edição de Imagem / Vinicius Martins
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
Moisés da Rocha nasceu em Ourinhos, interior de São Paulo, e foi criado em uma família que soube o preparar “para os embates da vida, com respeito e dignidade”, como o próprio radialista diz.
Coordenador do principal programa de samba na rádio brasileira, Moisés começou a se envolver com a música nos primeiros anos de vida. Foi na infância, ouvindo rádio e em companhia dos pais nas festas populares da cidade, onde iniciou a sua relação de carinho com o samba.
O gosto musical do locutor ainda é fruto daquele tempo e dos primeiros contatos com o ritmo. Seus artistas favoritos são aqueles que se preocupam com a preservação da cultura popular e não se deixam levar pelo “engodo do sucesso fútil das mídias comerciais”, explica. Entre os nomes preferidos, cita Oswaldinho da Cuíca, Leci Brandão, Zeca Pagodinho e Beth Carvalho.
O jovem, que sonhava em seguir carreira de cantor profissional, teve o desejo alterado em 1967, há 50 anos, quando Domingos De Lello o convidou para fazer teste de locutor na Rádio Cometa, em São Paulo. Daí em diante, ele se tornou radialista, passando por quase todas as funções da área, como a de programador musical, posição que o permitiu conhecer mais sobre o universo do samba.
O Samba Pede Passagem
Na década de 1970, Moisés trabalhava em mais de uma emissora e já acumulava uma experiência na área, quando em 1977, uma proposta mudaria a sua carreira profissional. André Casquel Madri o chamava para integrar a equipe da recém-inaugurada Rádio Universidade de São Paulo (USP-FM). A emissora, que de acordo com Moisés, revolucionou a profissão com um arranjo voltado para a Música Popular Brasileira, tinha “O Samba Pede Passagem” na programação.
As lembranças de todo esse processo são muito ricas. Moisés destaca a oportunidade de ter convivido com nomes da Velha Guarda do rádio, como Rubens Moraes Sarmento e Evaristo de Carvalho, e a possibilidade de compartilhar esses saberes, em uma relação de troca, com os ouvintes e as novas gerações.
O radialista exalta inclusive como os momentos mais difíceis da carreira foram importantes para o seu amadurecimento e a continuidade do programa. “Até as vãs tentativas de impedir a trajetória de “O Samba Pede Passagem” acabaram por renovar minhas forças, transformando-se em desafios a serem enfrentados e vencidos, com o amplo e irrestrito respaldo de todos aqueles que amam e defendem a nossa cultura popular. Parafraseando Zeca Pagodinho: “Se eu for falar em tristeza, meu tempo não dá…””.
Perguntado sobre como avalia esses 50 anos de rádio e 40 de “O Samba Pede Passagem”, Moisés diz ter a sensação de estar no caminho certo, e de que ainda muito precisa ser feito para radiodifusão do país. “Infelizmente, os grandes veículos de comunicação pasteurizaram a nossa cultura popular, em busca do resultado comercial e financeiro. Os programas que buscavam levar o indivíduo a pensar e participar foram, em sua maioria, extintos, restando apenas raros espaços. Lamentavelmente, muito pouco”.
Racismo e resistência no samba e na rádio
Moisés diz que o preconceito, a discriminação e o racismo foram e são fatores determinantes para impedir a maior participação de negras e negros nas rádios e na televisão. Para exemplificar essa situação, diz que antes da sua chegada ao rádio, entre os anos de 1950 e 1960, não se contratavam radialistas negros. “Achavam que negro bebia demais, era arruaceiro. Aquele estereótipo do pós-abolição”.
Para entender melhor a época, ele indica a pesquisa de Thais Matarazzo Cantero, “Artistas Negros da Música Popular e do Rádio”, como fonte rica e descritiva dessa situação. A obra apresenta figuras negras da música como Henricão, Vassourinha e Chocolate, três nomes paulistas que foram fazer sucesso no Rio de Janeiro, onde a abertura a artistas negros era maior.
Moisés também crítica o desaparecimento de programas com pensamento crítico na rádio e a absorção do samba pela indústria cultural. “O Samba já teve seus momentos de efetiva crônica social, do repórter do cotidiano através de vários compositores, mas este tipo de arte pensada, reflexionada, denunciante e formadora de opinião, por razões comerciais e ideológicas, teve seu espaço drasticamente reduzido. Só não eliminados, porque a resistência cultural continua!”.
E um desses espaços de resistência é, sem dúvidas, “O Samba Pede Passagem” de Moisés da Rocha. Ele planeja seguir com o programa e buscar novos voos. “Provocar o surgimento de muitas outras iniciativas em todas as mídias e continuar influenciando todas as gerações para uma verdadeira resistência cultural pois como diz Plínio Marcos: “Um povo que não ama e não preserva suas formas de expressão cultural mais autênticas, jamais será um povo livre”! Axé pra todo mundo! Muito Axé!”.