PUBLICIDADE
PUBLICIDADE

Exposição valoriza estética feminina negra e busca resgate da ancestralidade

Idealizado pela artista Íldima Lima para ser uma imersão virtual, o projeto 'Negras Cabeças' valoriza a imagem feminina a partir de referências históricas de penteados e adornos de cabeça

Texto: Caroline Nunes | Edição: Nadine Nascimento | Imagem: Divulgação

A imagem mostra a pintura Mwilla, de Íldima Lima - Illi

29 de junho de 2021

A exposição ‘Negras Cabeças’ da artista visual Íldima Lima, detentora da marca Illi (como também é conhecida), traz uma proposta nova para os espectadores: a valorização da imagem feminina a partir de referências históricas de penteados e adornos de cabeça. Com pinturas que homenageiam grupos étnicos-raciais, como Betsimisaraka, Mangbetu, Suri, Mursi, Mwila, Mbalantu, Fulani e Himba, a ideia é aprofundar o contato com a cultura ancestral negra.

“É um olhar para a ancestralidade. Uma reverência às linguagens e tecnologias utilizadas por esses grupos para codificar mensagens através dos penteados, dos adornos… A fim de comunicar status e situações de interesse daqueles grupos, tendo se constituído com traços culturais definidores ao longo do tempo. Não à toa a cabeça é usada como suporte dessa conexão”, explica a artista.

Quer receber nossa newsletter?

Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!

Obra "Himba", da artista visual Íldima Lima (Illi) | Créditos: DivulgaçãoObra “Himba” | Créditos: Divulgação

O site oficial da exposição ‘Negras Cabeças‘ vai ao ar hoje (29), às 20h, e, de acordo com a pintora, o ambiente virtual de visitação é imersivo e segue o formato de game interativo. Para Illi, que sonha com a exposição desde junho do ano passado, poder representar mulheres negras que pertencem a grupos de diferentes etnias foi uma inspiração. 

Com as restrições por conta da pandemia de Covid-19, os setores cultural e artístico apontavam insegurança. Íldima comenta que esse foi  um momento oportuno para ela direcionar suas energias para o próprio negócio e colocar os planos em prática, uma vez que havia tempo e vontade suficiente para se dedicar.

“Com a abertura do edital da Lei Aldir Blanc, em outubro, senti que era a oportunidade de concretizar a ideia. Em dezembro saiu o resultado e, desde então, tenho trabalhado nesse projeto. Foram seis meses de intensa dedicação”, lembra.

Luta antirracista

A artista salienta que a luta antirracista está diretamente relacionada à desconstrução de estereótipos relacionados ao cabelo crespo, apontado por tanto tempo como sujo, bagunçado e ruim, por exemplo.

Para ela, a arte contribui com essa luta por fazer parte da mudança gradual de comportamento de negros e negras – que é resultado de práticas afirmativas, posicionamento identitário e comportamento de consumo.

“Nesse movimento, o cabelo se posiciona como matriz simbólica, uma presença materializada do discurso político a partir de uma perspectiva estética. O mergulho nessas etnias possibilita o reencontro com as nossas raízes, um alinhamento com o orgulho que essas mulheres experimentaram ao ostentar seus penteados carregados de beleza, significado e história”, explica.

Leia também: ‘Novo projeto debate masculinidades LGBTQIA+ negras’

Íldima ainda avalia que o elo que as mulheres negras ancestrais estabeleciam ao cuidar do cabelo umas das outras age como herança perpetuada através de gerações. “A valorização da estética negra é um caminho de fortalecimento para derrubarmos de uma vez os muros do condicionamento do racismo”, pondera a pintora.

Obra "Mbalantu", da artista visual Íldima Lima (Illi) | Créditos: DivulgaçãoObra “Mbalantu” | Créditos: Divulgação

Pesquisa 

A pintora comenta que houve a compreensão de que, para além da atividade artística, o projeto ‘Negras Cabeças’ necessitaria de uma extensa pesquisa sobre as etnias retratadas. “Meu esforço sempre foi que essas pinturas fossem uma janela para esses mundos, alguns apenas viventes em registros históricos e outros pulsantes e ainda contemporâneos”, avalia.

Illi ainda salienta que sua infância e adolescência, nas décadas de 80 e 90, foram marcadas por referências de publicidade carregadas de estereótipos racistas, sexistas e machistas. Ela, como tantas outras meninas, construiu sua identidade, ainda que de forma inconsciente, a partir da negação de características físicas que destoavam do padrão de beleza europeu.

“Nesse contexto, o cabelo crespo aparecia como principal obstáculo para a inserção social indistinta. Sem representatividade, não havia referências de crescimento social sem que houvesse o apagamento das nossas características raciais”, pondera.

O aumento recente das vozes e presença de pessoas negras em espaços de maior visibilidade incentivam o protagonismo do cabelo crespo, segundo Íldima Lima. Para ela, esses marcos de autonomia estética são ferramentas de manifestação da liberdade, que dialogam com a exposição.

Obra "Mangbetu" | Créditos: DivulgaçãoObra “Mangbetu” | Créditos: Divulgação

A artista acredita que outra contribuição da mostra para o ressignificado da estética feminina negra é a representatividade, a partir da presença em espaços artísticos. Para ela, poder ocupar esses locais sem a necessidade de um intermediário é uma maneira de “nos apropriarmos de nossa própria história e do lugar que nos pertence”.

Futuro

“Como artista e produtora de conteúdo visual, promover caminhos para ressignificar a imagem das mulheres negras na sociedade tem sido meu propósito desde que concebi a marca Illi. – Arte Afetiva, que fará quatro anos de existência em outubro”, explica.

A artista visual Íldima Lima - Illi | Créditos: DivulgaçãoA artista visual Íldima Lima – Illi | Créditos: Divulgação

‘Negras Cabeças’ é a primeira exposição individual de Íldima. A expectativa da artista visual é que as pessoas, em especial as negras, sintam-se provocadas a sair da exposição e ir pesquisar mais sobre essas e tantas outras etnias presentes no continente africano.

“Nós temos uma história e não é a que está nos livros. Acredito que, como artista preta, devemos assumir esse compromisso de ir desvelando essas camadas que séculos de usurpação foram soterrando. Pra mim, não é uma verdade que apenas passa pelo projeto, ao contrário: os projetos, todos eles, o de hoje e os que virão, é que deverão perpassar sempre por esse caminho”, finaliza.

Apoie jornalismo preto e livre!

O funcionamento da nossa redação e a produção de conteúdos dependem do apoio de pessoas que acreditam no nosso trabalho. Boa parte da nossa renda é da arrecadação mensal de financiamento coletivo.

Todo o dinheiro que entra é importante e nos ajuda a manter o pagamento da equipe e dos colaboradores em dia, a financiar os deslocamentos para as coberturas, a adquirir novos equipamentos e a sonhar com projetos maiores para um trabalho cada vez melhor.

O resultado final é um jornalismo preto, livre e de qualidade.

Leia Mais

PUBLICIDADE

Destaques

AudioVisual

Podcast

papo-preto-logo

Cotidiano