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‘O Carnaval é trincheira’: Geledés e Mocidade Unida da Mooca unem forças em enredo sobre poder coletivo das mulheres negras

Em entrevista exclusiva, instituto e carnavalesco revelam detalhes da parceria para o desfile de 2026, que transformará a luta antirracista em arte na avenida
A foto mostra o desfile da Mocidade Unida da Mooca nos desfiles das campeãs, em 2025.

A foto mostra o desfile da Mocidade Unida da Mooca nos desfiles das campeãs, em 2025.

— Paulo Pinto/Agência Brasil

21 de maio de 2025

Para a estreia no Grupo Especial do Carnaval de São Paulo em 2026, a Mocidade Unida da Mooca (MUM) escolheu exaltar a força ancestral e coletiva das mulheres negras brasileiras. A escola de samba, sediada na zona leste da capital paulista, apresentará o enredo “GÈLÈDÉS – Agbara Obinrin“, expressão iorubá que remete ao poder do feminino. 

O desfile terá como eixo central o Geledés Instituto da Mulher Negra, organização que há quase 40 anos atua na promoção dos direitos das mulheres negras no Brasil.

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O enredo não pretende apenas apresentar uma trajetória institucional. A proposta é mergulhar nas bases filosóficas, políticas e afetivas que sustentam o Geledés e o movimento de mulheres negras no país. De acordo com os responsáveis pelo projeto, o desfile é resultado de uma construção conjunta entre a escola e o instituto, com escuta ativa e participação direta nas decisões narrativas e estéticas

Uma escolha com fundamento político e identitário

A definição do Geledés como tema do enredo surge como continuidade do projeto político-cultural da MUM. Segundo o carnavalesco Renan Ribeiro, a escolha reafirma o compromisso da escola com uma linha narrativa crítica e social. 

“A MUM não mudaria sua ideologia de enredos críticos e políticos. Após termos feito um enredo indígena baseado na obra de Ailton Krenak, decidimos retornar à linha de temáticas negras. A partir da obra de Sueli Carneiro, chegamos até o Geledés”, explicou em entrevista à Alma Preta.

A escolha dialoga com o processo de construção identitária que a escola vem promovendo nos últimos anos. “Temos buscado consciência sociopolítica e racial dentro do universo das escolas de samba. O enredo dialoga diretamente com essa construção”, afirmou Renan.

O intelectual Ailton Krenak inspirou enredo que levou a escola para o desfile das campeãs em 2025. (Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil)

Participação ativa do Geledés: narrar com quem vive

Desde o início do processo, o Geledés Instituto da Mulher Negra tem colaborado de forma direta com a escola. A vice-presidente do instituto, Lilian Santos Ribeiro, relatou que a notícia da homenagem foi recebida com surpresa e alegria. 

“Recebemos com alegria e surpresa a notícia de que Geledés será tema do Carnaval 2026 da Mocidade Unida da Mooca. Levar a força do nosso legado para atravessar a avenida é uma consagração da trajetória de luta das mulheres negras no Brasil”, afirmou.

Segundo ela, a parceria não se limita à autorização simbólica. “Estamos participando ativamente de cada etapa. A escola tem nos consultado em todas as fases da construção do enredo, o que tem sido fundamental para garantir uma narrativa fiel, respeitosa e potente”, contou. 

O instituto contribui com arquivos, documentos, relatos, imagens e, sobretudo, com a dimensão afetiva da história que representa.

A colaboração é vista como elemento fundamental por Renan Ribeiro. “A participação das mulheres do Geledés tem sido um farol, principalmente na nossa construção discursiva. Elas estão presentes não só na concepção estética, mas também na narrativa”, explicou o carnavalesco.

A avenida como trincheira e território de disputa

Para o Geledés, a homenagem se insere em uma longa tradição de resistência negra no Carnaval. “As escolas de samba são símbolos históricos de resistência, guardiãs da memória negra e responsáveis por apresentar à sociedade uma história que foi sistematicamente apagada”, disse Lilian. 

Ela reforça que o Carnaval é, por essência, político: “O Carnaval é político. Geledés é uma organização política. E as mulheres negras atuam politicamente desde sempre — nos territórios, nas famílias, nos movimentos e nos espaços de decisão.”

Essa presença ativa ganha novo fôlego ao ocupar a avenida. “É uma oportunidade de gerar identificação, fortalecer o pertencimento e inspirar outras mulheres e meninas negras a reconhecerem sua potência”, afirmou Lilian. 

Segundo ela, disputar a narrativa pública sobre negritude e direitos humanos é parte central da missão do Instituto. “A avenida é palco e também trincheira. E nós, mulheres negras, sabemos muito bem como ocupar ambos os lugares com dignidade e sabedoria.”

Agbara Obinrin: a força que sustenta a caminhada

O conceito de Agbara Obinrin, que dá subtítulo ao enredo, será o fio condutor do desfile. Traduzido livremente como “poder do feminino“, ele representa a energia vital que impulsiona as mulheres negras a resistirem, cuidarem e construírem coletivamente. 

“Queremos mostrar que existe uma energia que governa essas mulheres, que as move por uma força maior. Mulheres que caminham por séculos impulsionadas pela urgência de sobreviver e resistir, sem jamais ocuparem o lugar de fragilidade”, afirmou Renan.

Essa força será representada visualmente nas alegorias e fantasias, com destaque para a alegoria de encerramento. Inspirada na obra Parede de Memórias, da artista plástica Rosana Paulino, ela trará um conjunto de histórias de mulheres negras em espelhamento e multiplicidade. 

“Será uma representação visual da coletividade que forma o Geledés. Histórias que se cruzam, se conectam e se fortalecem na luta por direitos e dignidade”, explicou o carnavalesco.

Coletividade como eixo central da narrativa

Embora Sueli Carneiro seja um dos nomes mais reconhecidos da história do Geledés e do movimento negro brasileiro, o Instituto enfatiza que o desfile não será centrado em uma figura única. 

“Sueli nunca se colocou como figura central. Sempre reforçou que essa luta é coletiva, construída por muitas mãos e histórias”, pontua Lilian. A proposta do enredo, segundo ela, é refletir essa filosofia. “Queremos que a homenagem revele que o verdadeiro poder do Geledés e da luta negra no Brasil está no coletivo.”

Renan compartilha dessa perspectiva. “O enredo é inspirado na obra e discurso de Sueli, mas principalmente na coletividade da luta feminista negra. Também incluímos referências a Conceição Evaristo, Beatriz Nascimento, Rosana Paulino e Helena Theodoro — que já foi tema de enredo da MUM“, afirmou.

A palavra como enredo, o desfile como documento

A narrativa do desfile será conduzida por Thayssa Menezes, primeira mulher negra a assinar um enredo na história da MUM. A escolha foi celebrada tanto pela escola quanto pelo Instituto. “Ela tem lugar de fala, sensibilidade e conhecimento para traduzir essa história com verdade. Sua presença reafirma o compromisso da escola com a vivência e não apenas com o discurso”, afirmou Lilian.


A expectativa é de que o desfile vá além do espetáculo visual e funcione como um documento cultural. “Queremos provocar uma reflexão sobre o papel da mulher negra na sociedade, como elas se agruparam, se protegeram e potencializaram suas vozes. É uma celebração das vidas e obras destas mulheres e organizações negras”, concluiu Renan.

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  • Giovanne Ramos

    Jornalista multimídia formado pela UNESP. Atua com gestão e produção de conteúdos para redes sociais. Enxerga na comunicação um papel emancipatório quando exercida com responsabilidade, criticidade, paixão e representatividade.

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