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O que é o Kwanzaa, uma celebração cultural preta de fim de ano?

A celebração foi idealizada pelo afro-americano Maulana Karenga em referência às festas da colheita no continente africano; um dos precursores no Brasil, Carlos Machado comemora todos os sete dias de Kwanzaa em casa com a família
Celebração do Kwanzaa.

Foto: Reprodução/AfricaImports

26 de dezembro de 2024

“Eu aguardo mais o Kwanzaa do que meu aniversário”, diz Isaias X, integrante do coletivo Siyanda e um dos organizadores da festa na cidade de São Paulo.

A celebração, que tem o intuito de conectar pessoas negras, tem crescido no Brasil, segundo os organizadores. “O Kwanzaa é uma celebração africana da diáspora, que acontece na última semana do ano porque muitos povos celebram suas colheitas no final do ano”, completa X. A diáspora é como ficou conhecida a presença de pessoas negras no continente americano depois da escravidão do período colonial.

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Neste ano, na cidade de São Paulo, ocorre o Kwanzaa no dia 26 de dezembro a partir das 18h, na Escola Municipal Vereador Antônio Sampaio, feito pela União dos Coletivos Pan-Africanistas (UCPA), e no dia 28 de dezembro, na rua Eusébio da Costa Dourado, 23, produzido pelo coletivo Siyanda. Há a expectativa de uma primeira festa este ano, em Salvador, ainda sem data definida.

Nas edições anteriores, já se reuniram entre 30 e 100 pessoas em atividades do Kwanzaa na cidade de São Paulo, segundo os organizadores. As celebrações são exclusivas para pessoas negras e acontecem entre os dias 26 de dezembro e 1º de janeiro. Existe a possibilidade de se comemorar uma das datas em comunidade e as outras em casa, ou mesmo fazer todo o ritual em casa.

“O objetivo maior do Kwanzaa é a união do povo preto. E a ideia do Kwanzaa é a gente pensar nos valores civilizacionais africanos. Essa celebração está envolvida em tudo isso. Então, o objetivo é a reunião da família, dos amigos, da comunidade, a comemoração para honrar os antepassados”, explica Carlos Machado, professor e doutorando pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP).

A festa foi criada por Maulana Karenga, nos Estados Unidos, na passagem de ano de 1966 para 1967, inspirada em festividades da colheita, que acontecem no continente africano. Uma delas é a Cerimônia de Incwala, que ocorre no Reino de Essuatíni, entre os dias 26 de dezembro e 7 de janeiro, o maior festival cultural de “Essuatíni” e que é feito para celebrar as primeiras frutas e a realeza.

Inspirada na língua suaíli, a mais falada no continente africano, Kwanzaa vem das palavras matunda ya kuanza, que significam “primeiros frutos da colheita.

“O Kwanzaa foi criado inicialmente para a comunidade africana-estadunidense celebrar o orgulho e a unidade”, diz documento do professor e pesquisador, Carlos Machado.

A festa foi construída a partir de princípios pan-africanistas, de uma concepção de Marcus Garvey, e foi feita para conectar os afro-americanos com o “patrimônio cultural e histórico africano”.

A primeira vez que Carlos Machado teve contato com o Kwanzaa foi por meio de uma revista afro-americana, a Essence, de 1992, que explicava os fundamentos da festa. 

“Nos anos 1990, eu trabalhava no centro da cidade, na época eu era office boy, e tive contato com revistas afro-americanas como a Ebony e a Essence. E na revista Essence, nos anos 1990, eu tive contato com uma reportagem sobre o Kwanzaa. E essa celebração me chamou muita atenção, porque eu nunca tinha ouvido falar a respeito. Eu fiquei encantado com aquela informação”, recorda Carlos Machado.

Ele ainda descobriu que em Salvador um grupo de cristãos negros celebrou a festa, em 2007. No ano seguinte, em 2008, eles realizaram a celebração de uma maneira coletiva, com um grupo de amigos da União de Coletivos Pan-Africanistas (UCPA), perto da estação de metrô Carrão, em São Paulo.

Hoje, ele comemora todos os dias em casa a festa, ele e a esposa. 

Não é um Natal negro

A popular série de TV “Todo Mundo Odeia o Chris” tem um episódio sobre o Kwanzaa. Na narrativa, Julius sugere que a família faça o Kwanzaa como uma forma de economizar custos, em contraposição ao Natal.

O episódio é visto de uma maneira crítica pelos organizadores do evento no Brasil. Apesar de alguns terem conhecido a festa por meio da série, os valores do Kwanzaa não são aprofundados.

Na trama, o Kwanzaa ainda aparece em contraposição ao Natal, uma comparação refutada pelos organizadores do evento no Brasil.

“Não tem nada a ver. Tem gente que faz essa associação que não tem fundamento, porque o Natal é o Natal”, conta Machado. 

“O Kwanzaa é à parte, tanto que começa dia 26 e vai até dia 1º de janeiro. Então essas comparações, inclusive, nem fazem sentido. Tem gente que faz até por não entender o sentido, o significado”.

Celebração do Kwanzaa. Foto: Pexels

Carlos Machado acredita e trabalha para que a festa se torne popular no Brasil. 

“Acredito que sim, porque o Kwanzaa tem um apelo muito forte, principalmente para a juventude. Então é possível, com as pessoas conhecendo, se informando e assim vão fazendo”. 

Ele tem organizado atividades, virtuais e presenciais, de apresentação e explicação do Kwanzaa. Nelas, apresenta a possibilidade das pessoas fazerem a celebração com os amigos, ou sozinho em casa.

As velas e os diferentes significados do Kwanzaa

As cores das velas do candelabro são vermelha, preta e verde, que formam a cor da bandeira da unidade africana criada por Marcus Garvey no século passado.

O candelabro, por sua vez, é composto por sete velas, a preta sempre ao centro, com três velas vermelhas no lado direito e três verdes, na esquerda. Todas com um sentido específico.

O primeiro dia exige que se acenda a vela preta, que representa a união. É o momento das famílias se reunirem e compartilharem sobre os problemas de cada um, para que exista uma resolução coletiva.

Na sequência, no dia 27 de dezembro, uma vela vermelha é acesa, com o significado da auto-determinação, uma data para partilhar as tradições e tratar sobre a “responsabilidade em relação a seu próprio futuro e da comunidade”.

O trabalho coletivo é tema do terceiro dia, simbolizado pela primeira vela verde. No próximo dia, acende-se uma vela vermelha, em referência à Economia Cooperativa. A vela verde do quinto dia representa a união e a partilha de sonhos.

No dia 31 de dezembro, a vela vermelha é acesa em referência à criatividade, com o intuito de “manter uma comunidade forte e vibrante”. No último dia, já em primeiro de janeiro, a vela faz menção à fé.

Ataques racistas e a organização pelo povo preto

Os grupos que organizam o Kwanzaa no Brasil são influenciados pelas ideias de Marcus Garvey, principal representante do pan-africanismo. Nas palavras de Isaias X, a festividade e o grupo não se organizam para lutar contra o racismo, mas para o desenvolvimento do povo preto.

“Nós sabemos que somos vítimas desse sistema racial, mas nós não tratamos isso nesse lugar de vítima. Aquilo que aconteceu para nós é parte da guerra racial que sempre aconteceu no Brasil e por isso falamos tanto de se organizar enquanto povo, não porque o racismo está aí nos atacando, mas porque sempre fomos um povo”, afirma.

O ataque a que ele se refere aconteceu no sábado, dia 21 de dezembro, em um encontro virtual de apresentação do Kwanzaa para as pessoas. Em dado momento, com cerca de 70 pessoas na sala virtual, pessoas brancas passaram a invadir a sala e a reproduzir vídeos pornográficos, bem como insultos racistas.

“Acredito que a situação não nos afetou tanto quanto eles queriam, mas porque temos esses olhares. É essa questão de não olhar o povo preto a partir das relação com o racismo”, explica.

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  • Pedro Borges

    Pedro Borges é cofundador, editor-chefe da Alma Preta. Formado pela UNESP, Pedro Borges compôs a equipe do Profissão Repórter e é co-autor do livro "AI-5 50 ANOS - Ainda não terminou de acabar", vencedor do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria Artes.

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