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O que significa o fim de ano para o candomblé e umbanda?

Apesar do Natal não ter significado religioso para o candomblé, a data é celebrada por grupos de umbanda, em especial os mais próximos do cristianismo; o início de ano é um momento de renovação de ciclos para as tradições de matriz africana
Celebração ao Dia de Iemanjá, na praia do Arpoador, no Rio de Janeiro, em 2 de fevereiro de 2024.

Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

31 de dezembro de 2024

As tradições de matriz africana no Brasil são diversas, com rituais e celebrações específicas de cada casa de candomblé, umbanda, ou outras tradições. O fim e o início de ano, por isso, têm significados igualmente diversos para cada um desses grupos.

A Alma Preta conversou com quatro religiosos e especialistas, três candomblecistas e um umbandista, para saber os valores desse período para as suas respectivas casas de candomblé e umbanda, e como as tradições, de maneira geral, entendem esse momento.

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A unanimidade é de que, para as casas de candomblé, o Natal, celebração cristã que comemora o nascimento de Jesus Cristo, não tem significado. A celebração no calendário de fim de ano é aproveitada como forma de repouso e aproximação da família.

“Natal não celebramos. Basicamente aproveitamos a data para confraternizar com a família, mas sem a conotação religiosa”, conta Ogã Marcelinho de Logun Edé, da casa Ilé Àṣẹ Omí Ewé Ajase e Caboclo Folha Verde.

Apesar de não existir um sentido explícito para o candomblé, Marcelinho de Logun Edé acredita que são poucas as casas de candomblé que não têm qualquer resquício, mesmo que afetivo, com o cristianismo.

“Ainda há muito sincretismo, até sentimental. É raro ver uma família de candomblé que é totalmente desapegada a esse tipo de data, como o Natal”, conta. 

A relação com o Natal é mais próxima para as casas de Umbanda, religião marcada pelo sincretismo religioso, ou seja, pela mistura de símbolos do catolicismo e das tradições de matriz africana. Para Alexandre Cumino, pesquisador e autor do livro “História da Umbanda”, essa aproximação fica expressa durante o Natal.

“O umbandista vive o Natal de uma maneira muito parecida com os católicos, dado que, no Brasil, a grande maioria dos católicos não são praticantes. Então, o umbandista, enquanto cristão, não é muito diferente de um católico não praticante, mas é um praticante de uma religiosidade afro-brasileira, ou afro-ameríndia, que é a umbanda”, afirma.

O significado do fim de ano

Se o Natal não tem um significado, as celebrações de fim de ano são reconhecidas no candomblé como momentos de renovação.

“A passagem do ano representa, dentro do contexto das tradições de matrizes africanas no Brasil, sobretudo nos terreiros de candomblé, em sua variadas nações, um ato de renovação de vida e de ciclos”, explica Felipe Brito, um dos fundadores da Ocupação Cultural Jeholu.

Ele conta que esse é um momento de consultar a ancestralidade por meio de jogo de búzios, para que “Orixás, Inquices e Voduns se pronunciem sobre este novo ano e orientem a comunidade a respeito da conduta e dos passos a serem seguidos no próximo ano”, afirma.

O dia da semana em que cai o primeiro dia do ano também pode ter um significado, como explica Marcelinho de Logun Edé.

“Isso pode indicar um dos Orixás que irão reger o ano, aqui em nossa família tem esta importância, mas pode variar para outras famílias”. 

Foto: Amanda de Oliveira/GOVBA

O primeiro dia de 2025 cairá em uma quarta-feira, data em que se celebra na casa de Marcelinho de Logun Edé, o Ilé Àṣẹ Omí Ewé Ajase e Caboclo Folha Verde, e em várias outras do país, orixás como Xangô, Oyá e Obá. A partir daí, é feito o jogo de oráculo para ver qual orixá vai reger o ano. 

Para outras famílias de candomblé, o dia primeiro é indiferente. O que vale para entender o orixá que vai reger o ano é a consulta de oráculo.

Outras pessoas, como o professor e diretor da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação da UNESP, Juarez Xavier, aproveitam esse período para renovar as energias da família.

“Nós aproveitamos esse período para fazer uma imersão na tradição religiosa, nós fazemos nossas iniciações e obrigações nesse período. O Ano Novo é uma expectativa de renovação para muitas dessas tradições. Elas veem nesse período uma possibilidade de renovação, de reinvenção e de um novo ciclo, o que não é ruim”, conta.

As celebrações de fim de ano

A virada de ano é marcada pelos símbolos das tradições de matriz africana. Essa festa, que se tornou uma celebração nacional, é influenciada pela umbanda, segundo Alexandre Cumino. Ele conta que, no Rio de Janeiro, na década de 1950, uma liderança umbandista, Tata Tancredo, instituiu na cidade a festa de Iemanjá na virada do ano.

“Então vestir roupa branca, pular sete ondas, jogar rosas brancas no mar, estourar uma champanhe, fazia parte de um ritual umbandista de Ano Novo, homenageando Iemanjá no mar. E isso ficou tão forte, mas tão forte, que virou uma tradição do brasileiro”. 

Ele conta que as sete ondas, que são tradicionalmente puladas no mar, representam as sete linhas da Umbanda, que leva rosas ao mar e estoura champagne em homenagem à Iemanjá.

Hoje, as escolhas das roupas também fazem uma alusão às tradições de matriz africanas, com pessoas optando pelo branco, em busca de paz e tranquilidade, com uma referência a Oxalá, e o amarelo, no desejo por riquezas e em referência a Oxum.

O professor da Unesp Juarez Xavier acredita que exista um desejo por renovação, apesar da diversidade dos sentidos das diferentes tradições de matriz africana.

“Eu tendo a crer que o que se poderia ter em comum é a percepção da possibilidade de renovação, acreditando num novo ciclo. A expectativa é sempre, aqui no Ano Novo, ao renovar o Axé, você tenha uma energia ampliada para poder enfrentar os novos desafios. Mas é difícil falar o que é que pensam as tradições, porque elas são diversas”, afirma.

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  • Pedro Borges

    Pedro Borges é cofundador, editor-chefe da Alma Preta. Formado pela UNESP, Pedro Borges compôs a equipe do Profissão Repórter e é co-autor do livro "AI-5 50 ANOS - Ainda não terminou de acabar", vencedor do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria Artes.

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