História sobre identidade negra ressurge após 49 anos nas mãos do escritor de 84 anos; em entrevista ao Alma Preta, ele conta que o tema da obra deve causar “incômodo” e “uma reflexão fundamental”
Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Divulgação
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A novela “Negro Disfarce” do escritor e jornalista Oswaldo de Carmargo, de 84 anos, chegou em novembro às livrarias. A história vagueia nas memórias do autor desde 1972, quando foi publicada como conto em seu livro de estreia “Carro do exito”.
Na nova obra, lançada pela editora Ciclo Contínuo, encontra-se o personagem Deodato, que vive um dilema para encontrar a sua identidade negra, no período pós-abolição, no início do século 20. “Creio que se pode ver nele um personagem-símbolo, representativo do negro esfacelado por dentro, mas que se inquieta com isso: quer ser negro, mas não consegue”, diz Oswaldo, em entrevista ao Alma Preta.
Entre o texto de 1972 e a obra de 2020, o autor enriqueceu a narrativa com observações, experiências, vivências , recordações da militância negra e a construção da identidade negra.
“Não me cabe afirmar que personagens como Deodato existem hoje. Mas, como ponho em minha novela, existiram e, quase certo, deixaram rastros existentes ainda na alma de muita gente negra”,explica o autor. Oswaldo também é pai do jornalista Sérgio Camargo, presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP) e que se descreve como “inimigo declarado” do Movimento Negro.
O conjunto da obra de Oswaldo é uma contribuição para o registro histórico da cultura e da alma dos afro-brasileiros. Os pais do escritor nasceram em 1920. Ele lembra de ter vivido uma infância de extrema pobreza na cidade de Bragança Paulista, interior de São Paulo.
“Não existem mais escritores negros que poderiam falar sobre esse mundo que aparece em ‘Negro Disfarce’. E essa ausência é sintoma de falta de representatividade num país em que o negro compõe pelo menos 54% da população”, considera.
No começo dos aos 70, quando Oswaldo lançou o livro de poesias “15 Poemas Negros”, o jornalista Florestan Fernandes escreveu no prefácio que uma obra escrita por um homem negro era uma “aberração”, pois é “uma transgressão à rotina num mundo organizado por e para os brancos”.
A literatura negra do autor continua transgressora. “Meu poema mais declamado na época e que, lamentavelmente, nos seus últimos versos continua reflexo de uma situação ainda existentes: ‘Eu conheço um grito de angústia/ e eu posso escrever este grito de angústia/ e eu posso berrar este grito de angústia,/ Quer ouvir?/ Sou um negro, Senhor, sou um negro!’. Entende-se isso hoje? Creio que ‘Negro Disfarce’ ajuda a entender”, pontua.
Ao falar sobre a nova obra, Oswaldo de Carmargo evidencia que o livro pode causar incômodo pelo tema denso e fundamental como fonte de reflexão para os dias atuais. “Por mais que não queiramos, nós negros, caminhamos muitas vezes entre escombros do que passou”, finaliza o autor.