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Palhaçaria negra faz graça na cara do racismo e mostra o outro lado do humor

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4 de dezembro de 2020

Movimento de resistência discute legado eurocêntrico da comicidade e aponta para alternativas engajadas de melhorar a sociedade sem os preconceitos

Texto: Juca Guimarães I Edição: Flávia Ribeiro I Imagens: divulgação

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No Brasil, o humor é constantemente usado como uma ferramenta de fortalecimento do racismo promovendo a inferiorização, a subalternidade e a desumanização de pessoas negras. Em dezembro se comemora o Dia do Palhaço, figura chave da arte cômica que entra no centro de uma disputa de narrativa racializada com a ascensão da palhaçaria negra.

Um exemplo disso, é o grupo criado por Chico Vinicius e Fagner Saraiva. A dupla de atores se conheceu na faculdade e na formação técnica em humor e em 2015, esreveram o espetáculo “Catappum!”. “Havia um incômodo em relação a falta de representatividade de palhaços pretos, na formação. Todo o conteúdo estudado sempre foi um referencial eurocentrado, não só na palhaçaria, quanto no teatro também. Escrevemos a obra Catappum! para criar possibilidade de nós, palhaços pretos, falarmos um texto em que nossas vivências, fossem potencializadas. A ideia era construir um lugar onde pudéssemos ser protagonistas”, diz o grupo, em São Paulo e que respondeu coletivamente à Agência Alma Preta

Até a primeira montagem do espetáculo, em 2019, o grupo passou por uma construção identitária preta, ampliada com a chegada da palhaça musicista Monique Salustiano e da diretora Mafalda Pequeno. “Fomos ter contato com a referência de Benjamin de Oliveira, o primeiro palhaço preto brasileiro, que foi o criador do primeiro circo-teatro no Brasil, de que temos registro, e autor de mais de 100 peças para o picadeiro na virada do século XX. E mesmo assim essa referência não faz parte das grades curriculares de escolas e Faculdades. A partir disso, todas as nossas referências vieram da Arte Negra, pautadas nos filósofos e pensadores pretos, que levantam inquietações e questionamentos que ficaram adormecidos nesta estrutura racista”, pontua.

A imersão dos artistas na cultura negra foi fundamental para dar um outro sentido e uma outra pontencialidade ao humor circense. “O que fizemos com nossas referências eurocêntricas, “enfiadas goela a baixo” na nossa formação, foi comer esses ensinamentos e cuspir de outra maneira, ressignificando, afirmando nossa identidade e visão de mundo. Fazemos questão de dar nome ao que estamos fazendo: Palhaçaria Preta, porque, amparados no pensamento de Katiúscia Ribeiro, filósofa e doutoranda em Filosofia Africana, corroboramos que é importante colocar a palavra negro na frente dos espaços dos quais estamos excluídos”, explica o grupo.

A Palhaçaria Negra como marcador racial na arte cômica aparece também na produção de outros grupos que o “Catappum!” encontrou na sua jornada, como:  “Terreiros do riso, fomentado por Vanessa Rosa; a Cibele Mateus, que desenvolve a pesquisa de Mateus, arquétipo cômico da nossa cultura popular brasileira; a palhaçaria preta, pela Quilombaque e a trupe Liudes, dentre outros, são grandes nomes dentro deste processo decolonial nas artes”, enumeram.

A discussão do racismo no humor e no impacto que ele causa na vida das pessoas negra é um tema urgente a ser pautado no ponto de vista do grupo. “Usamos o humor crítico e cortante para contrapor esse riso colonizado, que foi usado pelas mídias como forte manutenção de poder do branco, que ri de pobre, preto, indígena e do feminino. Coloca a gente sempre como inferior, um estranho, um selvagem. A palhaçaria preta traz o negro de uma forma positiva, tirando todo estigma de inferioridade. Por exemplo, nossos cabelos crespos sempre foram motivos de riso. O espetáculo Catappum! tira da caricatura e inverte a narrativa já dada, exaltando nossas belezas, nossos cabelos, que são coroas”, destacam.

No Rio de Janeiro, a palhaça, atriz, diretora e dramaturga Shirley Brito, 55 anos, é integrante do grupo Teatro de Anônimo desde 1991 e durante a carreira identificou o apagamento da imagem do negro no humor. “Conto nos dedos de uma mão a quantidade de negros nos programas de humor brasileiro. Eu me lembro de Mussum, Grande Otelo, Tião Macalé e uma única humorista negra Marina Miranda. Só fui saber de palhaço negro quando, em 1996, o meu grupo fez 10 anos e criou um Encontro Internacional de Palhaços, chamado Anjos do Picadeiro. E nosso amigo Hilton Cobra , nos fala do palhaço Benjamim de Oliveira . Ai fui eu para as bibliotecas pesquisar aquele Palhaço Negro, filho de escravizados , que fugiu com o circo e se tornou um dos maiores palhaços , além de diretor, dramaturgo , produtor . Tinha muito pouca coisa escrita sobre ele que foi famoso em sua época , o que dirá dos milhares anônimos”, comentam.

Além da história de Benjamin de Oliveira, Shirley destaca também a memória do palhaço Xamego, interpretado por Maria Elisa Alves dos Reis, que deu origem ao documentário ‘Minha Avó era palhaço”, lançado em 2016, com direção da neta Mariana Gabriel, que também é palhaça. “Depois que fizemos a exposição em homenagem à Benjamim de Oliveira muitos passaram a escrever sobre ele e pesquisá-lo . Por isso, afirmo que temos que contar nossas histórias , assim como fez Mariana Gabriel sobre sua avó. Se não, seremos sempre escadas , figurantes , elenco de apoio”, contou Shirley.

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De acordo com Shirley, o processo de combate ao racismo precisa passar pelo humor que, no Brasil, é um campo féril para o preconceito. “É um árduo trabalho livrar-nos disso. Foram muitos séculos nos ridicularizando e achando que é só “brincadeira”, que mal faz se no Brasil não tem racismo , “estamos todos juntos, brancos, negros e pardos” nessa nação. Uma vez eu ouvi a seguinte fala. “ Eu não sou racista, confesso que tenho um pouquinho de preconceito de viado e preto. É porque preto tem aquele hábito de roubar, não todos mas… E viado quer ficar dando beijo “. Eu fiquei com uma vontade de dar um soco no sujeito, mas tive que respirar e perguntar a ele quantos políticos do alto escalão corruptos são negros e se o viado colocava uma arma na cabeça dele e o obrigava a beijá-lo”, contou.

A atriz e dramaturga também falou que a comicidade é um instrumento de enfrentamento ao retrocesso social, ampliando a visão crítica da sociedade. “Além de palhaça tenho pesquisado a bufonaria. Os bufões e bufonas que são os excluídos, que vivem a margem, sobrevivendo das migalhas , aqueles que não tem mesmo mais nada a perder , na época dos feudos e reinos tiveram um papel muito forte para a sociedade, de tempos em tempos, principalmente nas festas populares e religiosas eram chamados para falarem de todos e tudo que acontecia , principalmente os podres da realeza . Eu acho que continuamos precisando de bufões e bufonas que trazem um riso mais nervoso, mas ácido para fazer frente a esses fascistas, racistas, machistas e homofóbicos que, avalizados pelo atual presidente, perderam o medo de se mostrarem e atuarem”, completou.

 

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