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“Parte da nossa história virou cinzas”: o que a população negra perde com o incêndio no Museu Nacional

13 de setembro de 2018

Muito além da perda de objetos valiosos, o ocorrido representa também a morte de grande parte da cultura afro brasileira

Texto / Anna Laura Moura
Foto / Correio do Brasil

No dia 2 de setembro, o Brasil tomou conhecimento do incêndio que atingiu e queimou grande parte da estrutura e do acervo do Museu Nacional, localizado no Rio de Janeiro. Ele era a mais antiga instituição científica do país, com mais de 20 milhões de objetos e obras em acervo. Dez dias após o ocorrido, ainda não se sabe ao certo o alcance da tragédia, tampouco a causa do fogo.

Com o incêndio, foram perdidos vários objetos importantes, que contam a trajetória da humanidade. A história da população negra também foi atingida. O apagamento histórico que se estende também às grades escolares, agora prejudica pesquisadores que não têm mais acesso aos objetos pertencentes a essa história, uma vez que muitos faziam parte do acervo do Museu.

O apagamento da história africana

Carolina Cabral foi estagiária do setor de Etnologia e Etnografia do Museu Nacional há três anos, e passou os últimos sete anos de sua vida estudando o acervo do local. Segundo ela, em 2011 foi dado início a um projeto no setor e durante a execução foi reorganizada toda a coleção africana do museu.

O resultado dessa ideia foi intitulado “Kumbukumbu: África, Memória e Patrimônio”, coordenada pela professora Mariza Soares. “Foram identificados aproximadamente 700 objetos de diferentes origens africanas”, explica Carolina. No entanto, segundo ela, todos foram expostos no museu, pois “havia pouco espaço e nos faltavam informações registradas”.

As coleções dos museus são definidas pela procedência e proveniência, ou seja, de onde vem e com qual intuito. Segundo Carolina, o que foi denominado de África eram todos os objetos da origem, dentro do setor de Etnografia e Etnologia. “Inseridas nessa grande coleção, existiam outras 11 coleções africanas e afro-brasileiras registradas do séc. 19 ao 20”, diz.

Os primeiros objetos dessa grande coleção foram presentes de Adandozan, rei de Daomé – estado africano – à D. João, em 1811. Os objetos foram incorporados ao acervo em 1818, junto com a inauguração do museu. “Entre esses presentes havia um trono que era uma peça única, uma bandeira de guerra do próprio rei Adandozan, objetos da polícia da corte pertencentes ao séc. 19, entre outros”, diz Carolina.

De acordo com Carolina, havia também uma coleção com 15 peças de regiões próximas ao rio Zambezi, vendidas ao Museu Nacional em 1902, além de outra com 44 peças vindas de Angola, e mais coleções menores que foram doadas ou permutadas ao museu.

“É uma perda inenarrável. Eu tirei fotos do prédio incendiado, cheguei perto. Vi com meus próprios olhos a sala onde foi construída a exposição Kumbukumbu, que eu ajudei a pesquisar e organizar. Não tinha mais porta, nem nada. Era como se nada mais existisse lá”, desabafa. “É uma perda não só para o Brasil e para os negros, mas para a humanidade”.

“Eram peças do século 19, uma parte da nossa cultura e que simplesmente virou cinzas. Sou muito mais do que uma pesquisadora: eu tenho uma memória afetiva com aquele lugar e com as peças que eu estudava”, diz. “Foi apagada uma memória da cultura negra também, como as pessoas já insistem em apagar o tempo todo”, conclui.

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