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Peça de teatro questiona a herança da colonização portuguesa no Brasil

6 de fevereiro de 2018

Peça estreia no mês de Fevereiro e discute algumas das marcas da colonização portuguesa no Brasil

Texto / Divulgação
Imagem / Ítalo Iago

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O Teatro do Incêndio estreia, no dia 24 de fevereiro (sábado, às 20 horas), o espetáculo Rebelião – O Coro de Todos os Santos com texto e direção de Marcelo Marcus Fonseca.

No enredo, Artura (Gabriela Morato), Cacimba (Elena Vago) e Jí (Francisco Silva) saem do interior do país com o intuito de salvar o Brasil, devolvendo para Portugal símbolos da colonização. Para cumprirem a missão eles enfrentam os terríveis Arranca-línguas, figuras míticas que encontram durante a viagem.

Rebelião – O Coro de Todos os Santos é a segunda peça inédita do projeto A Gente Submersa, trabalho de pesquisa do grupo sobre heranças e descaracterização da cultura e da sabedoria popular pelo esquecimento das raízes que moldaram o brasileiro. O primeiro espetáculo, homônimo, fez temporada com lotação esgotada, em 2017. A atual montagem segue no caminho da cultura brasileira. Trata da manifestação popular como revide contra seu apagamento, como arma de guerra no combate à intolerância religiosa, à infantilização cultural produzida atualmente e às ingenuidades que aceitam lutas separadas e compartimentadas na sociedade moderna.

O diretor desabafa: “Esse é o espetáculo ‘de saco cheio’. Saco cheio de insensibilidade, de em cima do muro, de engolir a pobreza de manifestações sociais, políticas e culturais no país de Jorge Amado, Vinícius de Moraes, Nelson Sargento. Saco cheio de dizer que gostamos do que não gostamos, de dar ibope para o que não queremos, de desprezar a cultura do nosso país em prol de uma manifestação rasa. A indústria do entretenimento cria um mundo falso, de barulho ensurdecedor para destruir nossa identidade”. E finaliza: “Teatro não é entretenimento”.

Esta montagem fecha a trilogia iniciada com O Santo Dialético, sobre a investigação e valorização da formação do brasileiro. Para o autor/diretor Marcelo Marcus Fonseca, “Rebelião – O Coro de Todos os Santos fala o que as pessoas querem dizer e não podem. É a revolta de toda a raiz brasileira que se levanta com direito a protestar contra tudo que não lhe representa nas culturas oferecidas pela mídia”.

Protagonistas nas três montagens, Gabriela Morato afirma que o trabalho vem sendo fundamental para sua formação como cidadã e como artista. “A mulher é a própria terra, é a vida. Hoje ela descobriu que pode mudar as coisas e que sua força inspira e transforma. Tive a honra de viver nessa trilogia várias faces e idades da mulher brasileira”.

O projeto A gente Submersa foi viabilizado pela 29ª Edição da Lei de Fomento ao Teatro para a Cidade de São Paulo; e o espetáculo Rebelião – O Coro de Todos os Santos foi contemplado com o ProAC 2017 para Espetáculo Inédito.

peça rebeliao giulia martins

Peça estreia no mês de Fevereiro (Foto: Giulia Martins)

Montagem

Com música executada ao vivo – entre temas inéditos de Bisdré Santos e Marcelo Marcus Fonseca e peças de compositores esquecidos do Séc. XVIII – a peça traz elementos da cultura popular traduzidos de forma livre, de forma surrealista ou carnavalesca, explorando a dialética nos motivos religiosos ou sociais que controlam a razão do cidadão brasileiro contemporâneo.

A caminhada de Artura e Cacimba é um levante com destino certo: o ponto exato onde pretendem devolver, para reparo na Europa, um objeto da época da colonização portuguesa que, apesar da boa intenção, trouxe desgraça ao ser usado com maus propósitos.

Acompanhadas por Ji (Victor Castro), um corcunda que carrega o tal objeto como um estandarte, elas pretendem formar um “exército de fodidos” (pessoas excluídas da sociedade) para enfrentar os misteriosos Arranca-línguas, criaturas que propagam a miséria social e humana por meio do controle da liberdade dos viventes.

Nesse tumultuado caminho encontram João Batista, um ex-pescador sádico e assassino de Arranca-línguas – interpretado pelo diretor Marcelo Marcus Fonseca que volta à cena depois de três anos. Eles começam, então, a entender a extensão das barreiras, a violência que precisam enfrentar para criar um mundo livre e delicado, para chegar ao recomeço do Brasil. Juntam-se ao “exército” um índio filósofo e alcoólatra (André Souza), um açougueiro negro monossilábico (Valcrez Siqueira) e uma dançarina de prostíbulo (Lia Benacon) que teve o filho morto pelos inimigos dos combatentes.

A cruzada de Artura, que está grávida do boto, e de sua fiel companheira Cacimba remonta à jornada de Dom Quixote (personagem de Miguel de Cervantes). O toque surrealista é um artifício usado pelo diretor Marcelo Marcus Fonseca para jogar com a própria existência moderna. Figura extraída do folclore, o Arranca-línguas pode se materializar em forma de pastores alemães (cães ou pregadores?), de lixo cultural, de machismo, de intolerância religiosa e social; de tudo que cerceia a livre expressão das pessoas. “Onde tem Arranca-línguas tem ódio”, comenta o diretor.

Sobre seu personagem João Batista, Fonseca conta que ele se tornou canibal de Arranca-línguas depois de perder tudo. “Ele perdeu o lugar onde vivia para a devastação da floresta. Perdeu a família, os bens e a dignidade para o fanatismo religioso. Por isso luta contra tudo que representa aquilo que está programado para gostarmos ou fazermos”, finaliza.

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