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Planaltina: Websérie mostra cultura e realidade do DF além da política

A produção audiovisual "Planaltina - recortes e memórias" mostra que a região administrativa, a cerca de 40 km do centro de Brasília, luta para ter seu patrimônio cultural reconhecido 

Imagem: AACHP/Divulgação

Foto: Imagem: AACHP/Divulgação

2 de setembro de 2022

Mayrla Silva é uma jovem negra, estudante de Licenciatura em Educação do Campo, na UnB Planaltina, e sonha em ser professora da rede pública, para democratizar um conhecimento entre as crianças e adolescentes de sua região. Gabriel Macedo é uma liderança LGBTQIA+, atua como drag queen e é mãe da Casa de Lafond, uma das casas atuantes da cultura ballroom. Marcos Maciel, é músico na Folia do Divino, festejo que acontece há mais de 150 anos em sua região. Ele dança e toca catira, ritmo do folclore brasileiro, lutando para que as tradições culturais sejam mantidas.

Todas essas histórias, que ilustram a cultura sob diversos aspectos, se passam em uma única cidade: Planaltina, no Distrito Federal. A região administrativa mais antiga do DF possui, institucionalmente, 163 anos e, com seus casarões coloniais, contraria o imaginário cultural do que Brasília representa. Historicamente, considera-se que a cidade tem mais de 200 anos, sendo um acervo vivo de memória local.

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“Eu amo minha região, minha cidade e meu povo”, disse Mayrla Silva, que nasceu e cresceu no Vale do Amanhecer. O nome do bairro vem da doutrina homônima criada pela matriarca Tia Neiva. O local é onde se situa o Templo Mãe – a sede – desta vertente espiritual que tem mais de 600 templos e milhares de praticantes ao redor do mundo.

Mayrla Silva é moradora de Planaltina, estudante universitária, rapper e professora.Mayrla Silva é moradora de Planaltina, estudante universitária, rapper e professora. Ela atua nos movimentos pela terra e moradia na cidade. | Imagem: AACHP/Divulgação

Planaltina está em segundo lugar entre as regiões administrativas do Distrito Federal com o maior número de terreiros e casas religiosas de matrizes africanas. O DF possui 330 terreiros no total e a cidade abarca 10,8% deles, segundo dados de 2018, da Fundação Cultural Palmares.  

A cultura da cidade tem na religiosidade e na tradição o seu grande alicerce. A Folia do Divino, de Reis e a Via Sacra da região – festejos da religião Católica – são centenários e nacionalmente conhecidos. Tudo isso se mistura com a gastronomia, que cativou o italiano Matheo; a cultura ballroom e negra; a arte contemporânea e a alimentação saudável.

A defesa e fiscalização do patrimônio cultural da cidade é feita por meio de ações da sociedade civil organizada. Simone Macedo, representante da Associação dos Amigos do Centro Histórico de Planaltina (AACHP), diz que é fundamental que o povo reconheça e zele por toda essa diversidade que a região possui.

“É uma cultura muito ampla, bonita, importante para a história, não só do DF, como do Brasil. A gente é responsável por mostrar que aqui ainda se nega a história negra da região, hoje, principalmente a juventude negra, se apropria desses espaços coloniais e ocupam com danças, o teatro, a relação com a terra. Tudo isso precisa ser preservado”, afirma.

Gabriel Macedo dá via à drag Simone Demoqueen e rege uma casa de ballroom em Planaltina.Gabriel Macedo dá via à drag Simone Demoqueen e rege uma casa de ballroom em Planaltina. O coletivo cria espaço de empoderamento para a juventude negra LGBTQIA+. | Imagem: AACHP/Divulgação

A websérie Planaltina: recortes e memórias

Para difundir os fazeres locais e elevar o turismo e o interesse em Planaltina, a AACHP, em parceria com a Secretaria Nacional do Audiovisual, órgão ligado à Secretaria Especial da Cultura, do Ministério do Turismo, vão lançar uma websérie com oito episódios que visa abordar assuntos como: cultura regional, educação, religiosidade, meio ambiente, agricultura, patrimônio material, trabalho e arte.

O material será lançado no dia 13 de setembro, no canal da Associação no YouTube. Para Simone, esse material é um “cardápio” para aqueles que desejam degustar um pouco dos saberes e fazeres locais. É um convite para as pessoas descentralizarem o lazer, a gastronomia, e conhecer uma região do DF fora do grande centro político. 

“A gente fica muito feliz em apresentar a nossa cidade para as pessoas. Mostrar que Planaltina tem potencial de investimento, de crescimento. As pessoas podem vir conhecer algo fora do Plano Piloto e do Congresso Nacional. A periferia também tem muito cultura viva e precisa ser valorizada”, ressalta.

Leônio Matos é um dos produtores da série. Ele é professor de história, comunicador popular e membro da AACHP.Leônio Matos é um dos produtores da série. Ele é professor de história, comunicador popular e membro da AACHP. | Imagem: Divulgação/AACHP

A Associação dos Amigos do Centro Histórico tem 15 anos. Desde 2007, luta para que o patrimônio cultural da cidade seja preservado. De acordo com a coordenação, o projeto pretende valorizar a tradição e a cultura popular da cidade e de seu povo, a partir de uma pesquisa técnica. Além disso, visa colocar em pauta a discussão de políticas públicas a partir da produção e divulgação de informações, oferecendo a professores e estudantes material básico para futuras pesquisas e estudos.

“A realização do projeto visa a ocupação dos espaços, estimular e sensibilizar as autoridades locais quanto a necessidade de desenvolver estudos e projetos voltados ao patrimônio cultural, construindo um banco de dados e evitando a perda de informações como vem acontecendo ao longo dos anos”, disse o produtor Leonio Matos. 

O material é gratuito e de livre reprodução para fins didáticos. Conta, também, com acessibilidade: intérprete de Libras, audiodescrição e legendas descritivas. 

Yuri Soares é gestor em políticas públicas e professor, ele defende a cultura como forma de desenvolvimento.Yuri Soares é gestor em políticas públicas e professor, ele defende a cultura como forma de desenvolvimento. | Imagem: AACHP/Divulgação

Cultura e a desigualdade social

Com o crescimento urbano de Brasília, Planaltina enfrenta uma acentuada desigualdade social. Segundo o Atlas do Distrito Federal, de 2020, a renda per capita varia entre R$ 500 e R$ 1000, em Planaltina. Enquanto no Lago Sul, região mais rica, varia entre R$ 7 mil e R$ 8 mil. Planaltina possui a terceira pior taxa de escolarização do DF. O analfabetismo na cidade chega a 4,64%. 

Planaltina é a maior região administrativa em extensão. Com  91 mil habitantes, conta apenas com dois batalhões da Polícia Militar, uma delegacia da Polícia Civil, dois batalhões do Corpo de Bombeiros e um posto da Polícia Rodoviária. Isso é cerca de 10 vezes menos que a região do Plano Piloto (Asa Sul e Asa Norte).

Como forma de diminuir a desigualdade social, Yuri Soares aponta que é interessante a valorização da diversidade, principalmente nas culturas periféricas, para evitar que se tenha apenas uma visão hegemônica que domine as demais.

“Com políticas públicas e com a sociedade civil organizada é possível manter tradições, manter as linguagens locais vivas e resistindo à pressão da indústria cultural. Fomentar a cultura traz empregos, traz renda, aquece a economia e com isso diminui violências e desigualdades”, ressalta o professor, gestor em políticas públicas e mestre em História. 

Leia mais: Zumví: acervo sobre a identidade negra luta para preservar sua história

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