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Prettos: ancestralidade, afrofuturismo e referência no samba de roda paulistano

Afilhados de Beth Carvalho, os irmãos Magnu Sousá e Maurílio de Oliveira contam com mais de 25 anos de carreira e lançam EP 'Axé Ar' em resgate às origens negras na música

Texto: Caroline Nunes | Edição: Nadine Nascimento | Imagem: Divulgação

29 de novembro de 2021

“Tínhamos o sonho, o anseio de viver de música, desde o início da década de 1990, mas as necessidades não permitiam. Éramos obrigados a trabalhar no regime CLT. Em 1996, montamos o Quinteto Café Com Leite e somente no ano seguinte, em 1997, conhecemos a nossa madrinha, Beth Carvalho. A partir de então, a gente toma a decisão de que iríamos trabalhar com música”. É assim que começa a trajetória de mais de 25 anos de carreira dos irmãos sambistas Os Prettos, segundo Magnu Sousá, irmão de Maurílio de Oliveira.

Maurílio de Oliveira e a madrinha Beth Carvalho | Créditos: Acervo PessoalMaurílio de Oliveira e a madrinha Beth Carvalho | Créditos: Acervo Pessoal

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De origem humilde e trabalhadora e oriundos de São Paulo, os Prettos arriscaram tudo nos anos de 1990 para viver do sonho: a música. Magnu conta que, apesar dos percalços, puderam contar com o apoio da família e graças à conexão de sambistas entre Rio de Janeiro e São Paulo, artistas renomados do gênero musical vinham para a capital paulista sem banda e contavam com o apoio do quinteto para acompanhá-los nos shows.

“Isso foi muito importante para a nossa carreira, pois nos colocou diretamente em contato com os maiores sambistas da velha guarda do Rio de Janeiro, de Elton Medeiros a Paulinho da Viola. De Beth Carvalho a Dona Ivone Lara”, relembra Magnu.

Quinteto em Branco e Preto | Créditos: Acervo PessoalQuinteto em Branco e Preto | Créditos: Acervo Pessoal

O sambista ressalta que, em 1999, Beth Carvalho volta a fazer contato com os irmãos e muda o nome do grupo para Quinteto em Branco e Preto. A partir desse momento, eles saem em turnê com a madrinha, a mídia começa a perceber o talento deles e Beth os leva para a primeira viagem internacional, com destino à África do Sul.

“Foi aí que a nossa carreira profissional se consolidou. Ficamos 10 anos trabalhando com a Beth. Gravamos quatro discos e ganhamos o prêmio da música brasileira juntamente com o disco do Samba da Vela, movimento que eu e Maurílio fundamos”, comenta Magnu.

Samba da Vela | Créditos: Acervo PessoalSamba da Vela | Créditos: Acervo Pessoal

O Quinteto em Branco e Preto durou 18 anos, segundo ele. Magnu fala que neste momento do término, os irmãos decidem se tornar os Prettos. “Foi muito bacana, pois pudemos revisitar os nossos princípios de carreira. A ideia era essa, voltar ao início de tudo e relembrar o nosso caminho”, ressalta Magnu.

“Até hoje, o nosso pai, apelidado de Xique Xique, faz o samba dele ali no Bixiga. Temos muito orgulho, pois foi deste trabalho que nós fomos sustentados quando crianças. É nossa origem, uma família de músicos, ritmistas. O samba sempre existiu para nós”, compartilha Magnu. Para Maurílio, o samba já vem no DNA do brasileiro, portanto, usar o termo ‘resgate’ da ancestralidade pelo ritmo é algo redundante. “Usamos o samba, que é de todos nós, para entendermos a nós mesmos aqui, no nosso chão. O Brasil respira samba”, completa.

Magnu diz que ter isso em mente fez com que os Prettos tivessem ciência de suas origens e se orgulhasse da própria história, reverenciando aqueles que abriram caminhos para os mais jovens.

Família de Magnu Sousá e Maurílio de Oliveira | Créditos: Acervo PessoalFamília de Magnu Sousá e Maurílio de Oliveira | Créditos: Acervo Pessoal

Axé Ar: “batuque valente com a cara do povo”

Recentemente, os Prettos anunciaram seu mais novo trabalho: “Axé Ar”, o primeiro de quatro EPs, que irão compor o quarto álbum da dupla. Com quatro músicas inéditas, o lançamento é permeado por temas que estão presentes na realidade dos irmãos Magnu Sousá e Maurílio de Oliveira, como a filosofia de vida baseada na religião de matriz africana, o afrofuturismo, reverência à ancestralidade, luta contra o racismo, entre outros.

 Capa de "Axé Ar", assinada pelo artista Dracoimagem | Créditos: Divulgação Capa de “Axé Ar”, assinada pelo artista Dracoimagem | Créditos: Divulgação

“Do ponto de vista afrodescendente, para nós tem um peso muito importante tudo que construímos neste EP, pois retrata o anseio do povo brasileiro, as mazelas, enfim. Ao nosso modo de ver, o afrofuturismo é a vanguarda. Pensar em futuro é relembrar o passado”, salienta Magnu.

O integrante dos Prettos ainda ressalta que é função do samba denunciar as aflições do povo preto. “Colocamos para fora coisas que vivemos desde o início da pandemia até agora. Foi um período muito complicado, mas podemos dizer que a nossa história segurou a gente. Esse projeto une tudo o que nós somos e acreditamos, tanto no sentido filosófico, espiritual, social e político”, comenta Magnu Sousá.

“A nossa ideia é trazer de volta aquele batuque valente, com a cara do povo”, completa Maurílio. Com uma sonoridade marcada pelo som do tambor, repique de mão, pandeiro e cavaquinho – que remete aos grandes baluartes do samba, principalmente à Beth Carvalho – os Prettos buscaram trazer para o novo projeto a essência do samba de roda, tendo o contrabaixo como único instrumento elétrico.

Os Prettos | Créditos: DivulgaçãoOs Prettos | Créditos: Divulgação

A direção musical e artística é assinada por Maurílio e Magnu, tal como a gravação, mixagem e masterização do projeto. “Precisamos ter o negro se mostrando de uma forma diferente. Acho que essa é a nossa contribuição. Nesse EP, colocamos o samba como quinto elemento de destaque. É a força. Abrimos o álbum saudando a Exu, que é o pai da comunicação. O tambor é a comunicação”, avalia Magnu.

A abertura ficou com “Magia”. A canção associa o samba aos principais elementos da natureza e o som do tambor representando o poder de conexão entre o Ayê (Terra) e o Orum (Céu). Na sequência vem “Trabalhar Trabalhar”, que fala sobre a importância do trabalho duro e também da inveja que algumas pessoas têm em ver o sucesso de alguém próximo.

O destaque do EP vai para “Dose de Carinho”, um samba de poesia leve e melodia doce, que ressalta o amor verdadeiro. “É um elogio à pessoa amada, um amor de família, aquele relacionamento duradouro que deu certo”, comenta Maurílio.

O álbum dos Prettos é fechado com chave de ouro com a canção “Vitória é Nossa Glória”, uma crítica ao racismo estrutural e também aos opressores que tentam a todo custo apagar a história negra. “É através do canto que nos comunicamos com céu e terra. É pelo tambor que nos conectamos. É a modernidade que vem da cultura dos meus ancestrais”, completa Magnu.

Magnu Sousá e o pai, Xique Xique | Créditos: Acervo PessoalMagnu Sousá e o pai, Xique Xique | Créditos: Acervo Pessoal

Futuro

Maurílio destaca que os Prettos têm muitos sonhos a conquistar e diversos planos para o futuro, no entanto, é necessário planejamento para conseguir realizar todos os projetos. “Há quem pense que o sambista não trabalha! Mas nosso foco é lançar as demais faixas de ‘Axé Ar’ e organizar tudo para a volta do Quintal dos Prettos”, afirma o artista.

Magnu afirma que a curto prazo, os Prettos irão lançar o segundo EP, intitulado ‘Água’, dando prosseguimento dos elementos iniciados pelo “Axé Ar”: Fogo e Terra. Dessa forma e com todas essas composições, o objetivo é juntar todos os EPs e formar o álbum “Prettos Axé”.

Quintal dos Prettos | Créditos: DivulgaçãoQuintal dos Prettos | Créditos: Divulgação

“É um projeto que desejamos dizer algo. Tocamos todos os instrumentos. Participamos de todos os processos. A médio prazo, queremos restabelecer o contato com o nosso público, que foi prejudicado pela pandemia”, ressalta.

Para Magnu, os planos dos Prettos a longo prazo se resumem em uma coisa: envelhecer no samba, com orgulho do caminho trilhado. “Nós somos importantes para o samba brasileiro. É inegável. Continuar com o trabalho e nos reinventar é o nosso grande projeto de futuro, para evitar a invisibilidade e trazer o samba de volta para as mãos do artista preto”, finaliza.

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