Símbolo de vitalidade e energia, a árvore é encontrada em todo o território africano; no último mês, André Lúcio Bento descobriu 39 baobás na capital do país
Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Virginia Silva/acervo pessoal
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Muitas coisas belas representam a vastidão de riquezas e culturas do continente africano. Há uma espécie especial de árvore mundialmente reconhecida como um símbolo da ancestralidade. O professor brasiliense André Lúcio Bento, 45 anos, especializado em cultura africana e afro-brasileira, é apaixonado pelo baobá e dedica-se a descobrir quantos deles existem em Brasília (DF).
Em 2019, no Dia da Consciência Negra, André propôs que fossem plantados dois baobás na EAPE, a escola de formação continuada dos profissionais da educação de Brasília, como uma atividade coletiva para celebrar a data.
“Eu queria algo que marcasse, para a posteridade, a importância de se discutir os diversos temas que compõem a educação para as relações étnico-raciais, um dos eixos do currículo das escolas públicas do Distrito Federal”, conta.
Na época, havia um verbete na internet que catalogava os baobás do Brasil, porém não havia registro algum dessa espécie de árvore em Brasília. O professor então começou uma pesquisa e acabou criando uma rede. Desde novembro deste ano, ou seja, a pouco menos de um mês, já descobriu outros 39 baobás na cidade.
“Muitas pessoas estão me ajudando a encontrá-los, inclusive gente de fora de Brasília, mas que já morou, estudou ou trabalhou aqui. Amigos meus, pesquisadores, estudiosos, religiosos e admiradores se somaram à busca por essas árvores. O fato é que o baobá está mobilizando parte da capital do Brasil. Formou-se uma rede de árvores e de pessoas”, comenta.
A ação do professor repercutiu e pessoas de outras cidades se animaram para fazer pesquisas semelhantes em outras cidades. “Isso será bom, pois conheceremos mais dessas árvores no nosso país, que tem a maior população negra fora da África”, considera André.
A árvore
O professor explica que o baobá é uma fonte de riquezas. O fruto, com muito mais cálcio do que o leite de vaca e mais vitamina C do que várias laranjas, é consumido puro, na forma de suco ou de mingau. As folhas são preparadas de forma refogada. As sementes podem ser torradas e, assim, consumidas como é feito com o amendoim.
Do tronco grosso e resistente ao fogo, extrai-se uma fibra que possibilita a fabricação de cordas para instrumentos musicais. O tronco é uma verdadeira reserva de água. Por fim, o interior dos baobás mais antigos transforma-se em lares e até pontos de comércio.
Os baobás marcam a vida social. São referências, pontos de encontro para atividades coletivas, artísticas e religiosas. “Por estarem dispersos por quase toda a África, berço da humanidade, os baobás são testemunhas da origem de todos nós”, pontua André.
Na cosmovisão de muitos povos africanos, o baobá é a conexão entre o natural e o sobrenatural. A árvore é o limiar dos mundos, além de ser uma divindade para muitas das religiões africanas.
“Essa constituição no plano imaterial faz com que o baobá represente a ancestralidade dos povos pretos. Essa memória permanece viva e perene, também, por meio dos mestres griôs, que podem ser músicos ou contadores de histórias. Os mestres griôs contam e cantam memória e tradição para os mais novos. Os baobás, muitas vezes, são o palco para a interação entre crianças e os mestres griôs, mas também são espaços para o brincar, para as rodas e para a ludicidade”, ensina o professor.
O baobá, dada a sua longevidade de até milhares de anos, representa vitalidade e energia. Parte dessa energia está produzindo bons frutos e projetos na vida de André.
“Tenho ouvido muitas histórias lindas sobre os baobás de Brasília e já decidi registrar tudo isso num livro de fotos e de relatos. Seria um egoísmo infantil guardar isso só para mim. Também está no radar a possibilidade de um documentário. Além disso, uma colega jornalista me disse que se propõe a produzir um radiodocumentário”, revela.
Há também uma preocupação com o futuro dos baobás encontrados na capital. No fim do levantamento, o professor pretende entregar um relatório para a Secretaria de Meio Ambiente do Distrito Federal e demais órgãos ambientais. “Isso é para que não haja disseminação indiscriminada dos baobás. Também penso ser importante que a Câmara Legislativa aprove um instrumento indicando ao governador do Distrito Federal a assinatura de um decreto que estabeleça o tombamento dos baobás de Brasília como patrimônio da nossa cidade”, finaliza.