O artista carioca PJ Kaiowá tem se destacado no nicho de personagens negros como protagonistas de histórias em quadrinhos. Com o lançamento da versão norte-americana de “Carnívora” – HQ lançada no Brasil em 2015 -, o quadrinista ganhou também visibilidade no exterior.
Inspirado por quadrinistas da Milestone, como Dwayne McDuffie, Denys Cowan, Michel Davis e Derek T. Dingle – criadores do “Super Choque” e “Ícone” – e pelo artista brasileiro Alan Alex, Kaiowá utiliza a ficção somada ao cotidiano do povo negro para elaborar suas HQs.
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“Em ‘Carnívora’ eu uso o terror pra mostrar o que o morador de favela vive pelo descaso e abandono. Tudo de ruim pode acontecer lá e não causa sequer remorso nas pessoas”, explica PJ, que atua no ramo há mais de 20 anos.
Para o quadrinista, a cena dos quadrinhos nacional está em constante crescimento, o que dá espaço para artistas negros conseguirem contar suas histórias de maneira mais franca, principalmente nos últimos dez anos. Contudo, PJ destaca que o espaço vem repleto de estereótipos raciais e só é lembrado em datas comemorativas.
“Preto só pode falar de preto. Só somos vistos em dias como o da Consciência Negra. Além disso, existem os aspectos econômicos: não é todo artista negro, com uma base financeira minimamente aceitável, que pode produzir seu trabalho, estudar ou dedicar um tempo saudável pra saber o que fazer e isso faz a caminhada ser mais árdua, com muitos desistindo no caminho”, pondera.
“Um gibi com preto na capa é rejeição na certa”
PJ, que tem como público consumidor pessoas de 14 a 40 anos, fala a respeito das dificuldades de ser reconhecido no mundo dos quadrinhos como um artista negro. Para ele, o racismo estrutural perpetua o lugar de subserviência e, quando um artista negro consegue trazer visibilidade para o próprio trabalho, é necessário lembrar das pessoas que abriram as portas para que a ele pudesse caminhar.
“O sistema em que vivemos não facilita em nada, mas a gente não para de produzir, até por respeito à luta de quem veio antes e pavimentou o caminho para que hoje eu conseguisse fazer o que faço”, reforça o quadrinista.
A rejeição aos quadrinhos de artistas negros também é um ponto que PJ Kaiowá destaca como parte de um sistema racista. Ele salienta que quem trabalha com obras autorais sente na pele a quantidade de entraves que o mercado coloca no caminho.
“Eu digo que a dificuldade está bem antes do mercado. Está no preparo, no tempo de dedicação, na aquisição de materiais, no ambiente propício para o desenvolvimento de seus talentos, no poder errar e saber que tem o direito de tentar de novo. Um preto com um gibi que tenha um personagem preto na capa é rejeição na certa”, pontua.
Conquistas e perspectivas de futuro
“Ter conseguido trabalhar com uns dos meus cineastas favoritos, Guillermo del Toro, em Pacific Rim, e agora conseguir produzir filmes são as minhas maiores conquistas. Se viajasse no tempo e contasse isso pro meu eu de alguns anos atrás ele não acreditaria [risos]”, comenta o artista.
PJ pretende ainda levar os quadrinhos da série “Carnívora” e “Eu sou Lume” como símbolo de resistência antirracista no meio, fazendo com que o público se identifique os com os protagonistas e veja personagens negros com outros olhos.
“Isso vai além de ter um protagonista preto ou preta. Em minhas histórias tenho uma delegada chefe, um repórter renomado internacionalmente, uma médica cientista, uma periférica que representa cultura ancestral e arte, além da protagonista [Lume] que simboliza luz e esperança”, explica.
Para 2022, PJ Kaiowá tem dois lançamentos programados nos EUA e pretende continuar a migração para o cinema também. O quadrinista finaliza dizendo que é impossível um artista brasileiro não levar a realidade que vive para os quadrinhos, mesmo com a forte influência internacional. Para ele, a identificação com os personagens é a coluna central de seu trabalho, que garante que seus leitores saibam que não estão sozinhos.
“Quero que aquele momento seja real pro leitor. Quero mostrar como as coisas funcionam por aqui e, principalmente, quero mostrar que tem algo errado na hora de dizer quem são nossos heróis. Quero me comunicar e dizer ‘pega na minha mão, estamos indo na mesma direção’. É assim que eu penso”, finaliza.
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