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Quando haverá pluralidade audiovisual no Brasil?

13 de agosto de 2018

Aloysio Letra, articulador cultural, compositor, cantor, cineasta e blogueiro no blog Negrume, questiona em artigo sobre os motivos pelos quais há baixa presença de profissinais negros em produções audiovisuais e como o racismo estrutural está presente nesse mercado

Texto / Aloysio Letra
Imagem / Pexels

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Você se lembra de ter assistido a programas de televisão, séries de TV ou filmes nacionais em que negros e indígenas eram protagonistas? Lembra!? Quais desses personagens dos quais se lembrou estão fora de estereótipos racistas? Imagino que bem poucos.

Qualquer pessoa adulta e sensata que comparar os conteúdos audiovisuais de outros países aos do Brasil verá que a população negra e indígena está muito mal representada nas produções audiovisuais brasileiras.

Uma olhada rápida nos canais de TV por assinatura, nas principais mostras de cinema e nos serviços de streaming atuais atesta o audiovisual brasileiro como um dos menos diversos do ponto de vista étnico-racial. E, infelizmente, poucos são os acenos de mudança nesse cenário, especialmente no ramo televisivo.

Em janeiro deste ano foi divulgado um estudo da ANCINE sobre a diversidade de gênero e raça no audiovisual cinematográfico que aponta haver baixa presença negra e feminina no setor.

De acordo com este estudo, no período de 2016, homens brancos estão na direção de 75,4% dos longas-metragens e mulheres brancas assinam a direção de 19,7% dos filmes, enquanto apenas 2,1% foram dirigidos por homens negros. Nenhum filme em 2016 foi dirigido ou roteirizado por uma mulher negra, o que faz as populações negras e indígenas estarem também sub-representadas à frente das telas, sobretudo as mulheres negras e indígenas.

A pauta para visibilizar positivamente negras e negros no audiovisual é muito antiga. Remonta aos anos 1970, com o trabalho do ator e cineasta Zózimo Bulbul, e ao fim da mesma década, com a criação do MNU (Movimento Negro Unificado), quando foram feitos muitos enfrentamentos importantes.

No fim do século XX, o movimento Dogma Feijoada pautou uma nova perspectiva e abordagem técnica que considera a subjetividade negra e que garantia o protagonismo desta população, no que seria uma espécie de cinema negro independente e de guerrilha.

Em 2000, o cineasta Joel Zito Araújo lançava o livro e documentário “A negação do Brasil”, longa que critica os estereótipos de representação da população negra nas novelas no período de 1963 a 1997.

Os movimentos sociais negros também reivindicaram, no início do século XXI, que o Estatuto da Igualdade Racial legislasse sobre a obrigatoriedade de ter, pelo menos, 20% dos atores e figurantes negros em filmes e programas de televisão.

Infelizmente, a branquitude dos poderes legislativos brasileiro vetaram o trecho e a medida acabou não passando. O Estatuto da Igualdade Racial (Lei Federal 12.288 de 2010) é insuficiente para tratar as consequências do racismo cultural e o documento oficial tornou-se apenas um conjunto de princípios pouco ou nada aplicados ao cotidiano da população.

Nos últimos dois anos, cada vez mais se discute a necessidade de medidas afirmativas no audiovisual brasileiro com regramentos específicos para o setor. No cenário atual, mulheres negras estão na vanguarda, atuando em todo o Brasil em redes de atuação cada vez mais potentes.

Pelo Brasil surgem diversos coletivos negros de audiovisual e, neste mesmo período, foi criada uma organização nacional do audiovisual negro, a Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro APAN (Associação dos Profissionais do Audiovisual Negro), que conta com sedes na Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo. A APAN é uma das articulações institucionais que vem promovendo o debate nas produtoras e na sociedade civil, algo urgente nestes tempos de crise do pós-golpe institucional brasileiro.

Em 5 de julho foi apresentado um projeto de lei para reserva de vagas a negros, indígenas e mulheres. Segundo o projeto, dos recursos federais para o setor audiovisual, 35% serão destinados a negros e 15%, a indígenas. Em ambas reservas de vagas haverá paridade de gênero, ou seja, do percentual da reserva, metade dos recursos será destinada a mulheres negras e indígenas.

Seria esta, enfim, uma esperança de mudança? Com o fim da Copa do Mundo e as atenções se voltando para as eleições que estão por vir, perguntamos quando as cenas do próximo capítulo poderão ser mais plurais. Quando, Brasil?

 

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