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Teatro do oprimido amplifica especificidades de quem sofre opressões

20 de julho de 2018

A Estética do Oprimido é fonte de inspiração nessa modalidade que busca desenvolver meios para fortalecer narrativa de mulheres negras, entre outros grupos que sofrem com estruturas depreciativas, sobre o real. A abordagem estimula o público na ação dramática após a apresentação para que eles intervenham a partir do seu lugar social, considerando que um problema que pertence a toda a sociedade deve ser resolvido através da articulação de diferentes grupos sociais

Entrevista / Keytyane Medeiros
Imagem / Divulgação

Bárbara Santos, socióloga, diretora, escritora, artista, ativista, lançou o livro “Percursos Estéticos”, pela padê editorial, sobre a estética do Teatro do Oprimido. Foi a primeira mulher negra a publicar um livro teórico sobre esse método teatral, criado por Augusto Boal, diretor de teatro, dramaturgo e ensaísta brasileiro.

Na obra, ela apresenta abordagens sobre o método teatral como veículo de comunicação e arte marcial, além de abordar processos investigativos relacionados à estética do movimento. Bárbara reúne contos, poemas e exercícios desenvolvidos ao longo de quase uma década na qual ela realizou pesquisas e dirigiu apresentações de grupos teatrais formados por mulheres negras, latinas e imigrantes radicadas na Alemanha.

Santos soma 28 anos de experiência ininterrupta com o método no Brasil e em outros 40 países dos cinco continentes. Trabalhou por duas décadas com Augusto Boal e foi também a primeira mulher negra a publicar um livro teórico sobre Teatro do Oprimido. Bárbara é também diretora de KURINGA, espaço para o Teatro do Oprimido em Berlim, do grupo Madalena-Berlin e de Companhia Teatral Together Internactional – cooperação entre organizações de sete países europeus.

Difusora do Teatro das Oprimidas, inovadora experiência estética sobre opressões enfrentadas por mulheres, é diretora artística da Rede Ma(g)dalena Internacional, formada por grupos feministas da Europa, África e América Latina. Bárbara também é fundadora e diretora artística de uma rede de mulheres negras fazendo teatro com engajamento político.

Em entrevista à jornalista Keytyane Medeiros, a artista fala sobre o método, a obra desenvolvida por ela depois da morte do seu tutor, Teatro Experimental do Negro, racismo, machismo, como incluir o público na solução desses problemas estruturais e essa forma de arte como amplificadora de vozes historicamente postas de lado.

Keytyane Medeiros: Quem é o oprimido no Teatro do Oprimido de Augusto Boal?

Bárbara Santos: O Teatro do Oprimido é um método teatral que se assume como uma expressão política. Quando se afirma como “do Oprimido”, define-se politicamente. Entendemos que a opressão se estabelece, se alimenta e se reproduz pela manutenção das diversas formas de injustiça. Trabalhamos com oprimidos e oprimidas que, como pessoas afetadas e prejudicadas por contextos de injustiça, desejam e necessitam lutar pela transformação da realidade opressiva que enfrentam. Uma das estratégias de luta que utilizam é o teatro.

KM: O livro “Percursos Estéticos” aborda o desenvolvimento do Teatro do Oprimido em um período posterior à morte de Augusto Boal. O que muda? E o que se mantém como identidade essencial do método?

BS: O livro “Percursos Estéticos: abordagens originais sobre o Teatro do Oprimido” sistematiza diversos processos de investigação estética que comecei a desenvolver logo após a morte de Augusto Boal, ainda em 2009. O ponto de partida dessa trajetória foi o conceito de Estética do Oprimido, título do último livro do teatrólogo, que diz respeito à necessidade de ampliar as possibilidades de oprimidos e oprimidas de criar suas próprias narrativas sobre o real.

Desenvolvemos um percurso que deu origem a novas estratégias para a produção artística, para a formação e para o ativismo.

Tudo que era essencial para o Teatro do Oprimido continua sendo. Não buscamos a “novidade”, nos concentramos no aprofundamento e isso nos permitiu muitas descobertas. Entre essas, a necessidade de desenvolver estratégias metodológicas e estéticas para identificar, analisar e representar as especificidades de opressões que desafiam o cotidiano de grupos sociais específicos. Isso nos levou também a perceber a necessidade de garantir os meios adequados para que oprimidos e oprimidas pudessem também assumir a condição de facilitadores e facilitadoras dentro de seus grupos.

A sociedade machista impõe às mulheres uma série de desafios específicos que estão diretamente ligados ao fato de serem mulheres. O racismo estrutural pauta a vida da população negra e exige estudo e estratégias específicas para ser enfrentado. O racismo associado ao machismo tornam específicas as experiências cotidianas que desafiam a existência das mulheres negras. Nosso trabalho se dedica a criar formas de abordar as opressões específicas sem desconectá-las das interseções provocadas pelas injustiças que se cruzam e se complementam.

Queremos que a solidariedade e a ação articulada entre diferentes grupos de oprimidos e oprimidas não invisibilize as especificidades de cada pauta de reivindicação.

KM: Qual a necessidade de destacar a especificidade?

BS: Como mulheres praticantes do Teatro do Oprimido, não estávamos satisfeitas como as opressões que enfrentamos estavam sendo abordadas e discutidas no palco. Era grande o número de oprimidas dentro do movimento internacional de Teatro do Oprimido, mas era pouco significativo o número de mulheres líderes de grupos e facilitadoras de processos artísticos e de formação.

Percebemos a necessidade da abertura de um espaço exclusivo para que nós mulheres pudéssemos investigar as especificidades das opressões que enfrentamos por sermos mulheres e buscar formas de representação que não reforcem a culpabilização da protagonista. Esse processo nos levou ao Teatro das Oprimidas, com o desenvolvimento de exercícios, jogos e técnicas que nos permitem entender o impacto da socialização em nossa identidade, subjetividade e atuação social.

Nesse processo, como mulheres negras, sentimos a necessidade de abrir espaço específico para investigar as particularidades de uma opressão que inter-relaciona o machismo ao racismo. O Teatro das Oprimidas nos levou a criar a Rede Madalena Internacional, que é formada por grupos feministas da América Latina, Europa e África. E, dentro desse movimento internacional, criamos a Rede Anastácia, formada por mulheres negras. Articulamos ações entre todas as mulheres no exercício da sororidade e isso não nos impede a cuidar de especificidades.

Entretanto, essa abordagem não diz respeito apenas à encenação, se refere também ao Fórum, ou seja, o processo de intervenção do público na ação dramática após a apresentação. Apesar de representarmos o problema desde a especificidade que o vive, no diálogo com o público, reforçamos que o problema encenado pertence à sociedade. O machismo, por exemplo, desafia o cotidiano de todas as mulheres de uma forma muito específica, mas esse é um problema de toda a sociedade. Por isso, estimulamos espectadores e espectadoras a intervir a partir do lugar social de cada um e cada uma, considerando que um problema que pertence a toda a sociedade deve ser resolvido através da articulação de diferentes grupos sociais.

KM: Que semelhanças e diferenças você destacaria no desenvolvimento desse tipo de trabalho no Brasil e na Alemanha, por exemplo?

BS: Apesar das condições locais, estamos todas e todos globalizados pelo capitalismo que funciona dentro de uma estrutura patriarcal. De um modo geral, os desafios enfrentados por oprimidos e oprimidas são muito semelhantes em diversas partes do mundo. O que diferencia são as condições objetivas de cada lugar e as estratégias do sistema.

Trabalhando com mulheres negras no Brasil e na Alemanha, vejo que todas seguimos confrontando a herança do colonialismo, o racismo estrutural reforçado pelo machismo, a sexualização de nossos corpos, a escassez de oportunidades, entre vários outros problemas semelhantes. A principal diferença é que na Alemanha temos mais confiança nas instituições e muito menos risco de sermos assassinadas como no Brasil.

KM: Como a Estética do Oprimido se aproxima da Estética da Negritude e do Teatro de Experimental do Negro de Abdias do Nascimento?

BS: Augusto Boal conta em sua auto-biografia o quanto aprendeu e se inspirou no Teatro Experimental do Negro por conta de sua amizade com Abdias do Nascimento, por quem declarava profunda admiração. Com certeza, Abdias e suas propostas políticas e estéticas fazem parte do alicerce do Teatro do Oprimido.

Em 2010, criamos o Coletivo Cor do Brasil formado por negros e negras, artistas de diferentes áreas criativas. Nossa primeira participação internacional foi no Festival de Artes Negras de Dakar, Senegal. Desde então, buscamos aprofundar a pesquisa de uma estética que nos ajude a representar as especificidades das opressões que enfrentamos cotidianamente como afrodescentes em um país onde a cultura escravocrata alicerça relações sociais e onde o extermínio é realidade concreta.

A Estética do Oprimido é nossa fonte de inspiração, a partir daí buscamos desenvolver meios para fortalecer nossa narrativa sobre o real. Esse exercício tem nos aproximado de muitos outros coletivos, com os quais buscamos reforçar a luta antirracista.

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