O fotógrafo Eustáquio Neves, 66 anos, é um dos nomes mais importantes da fotografia conceitual brasileira. Em 2019, foi selecionado pela Bolsa de Fotografia ZUM/IMS e desenvolveu a série Retrato Falado. O trabalho integra a coleção de fotografia contemporâneas do IMS (Instituto Moreira Salles), instituição cultural com sedes nas cidades do Rio de Janeiro (RJ), de Poços de Caldas (MG) e São Paulo (SP).
A questão racial e a discussão da história do negro no Brasil estão na centralidade da obra de Eustáquio, que une fotografia, pintura, montagem e artes visuais.
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Ele nasceu em 1955, na cidade de Juatuba, e, na adolescência, se mudou para Belo Horizonte para fazer parte de grupos de teatro. Ele ainda fez aulas de música e era um grande entusiasta do cinema. Foi na capital mineira que fez também um curso técnico de química.
“Quando comecei não tinha fácil as referências de fotógrafos negros. Tinha o Valter Firmo, o Januário Garcia, a Lita Cerqueira, que eram autores, mas nunca chegava até a gente a referência deles”, diz Eustáquio.
O interesse pela fotografia conceitual começou em Goiás, onde viveu durante uma época numa vila, trabalhando como químico, e era o único fotógrafo do local.
No final dos anos 80, ele ganhou o seu primeiro concurso na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), e o seu trabalho chamou a atenção de fotógrafos como Eduardo Castanho e do pesquisador de fotografia Rubens Fernandes Júnior.
A sucessão de prêmios internacionais e bolsas para estudar fotografia fora do país (Inglaterra e EUA) ajudaram no desenvolvimento de uma identidade artística marcante.
“Eu queria viver deste tipo de fotografia autoral e fui ficando sem dinheiro. Tive que vender carro, câmeras, fiquei com uma câmera só. O que me salvou foram os prêmios que me deram visibilidade, algum dinheiro e um respiro para trabalhar sem precisar ficar se preocupando com dinheiro e aluguel”, lembra.
Para a série ‘Retrato Falado’, ele entrevistou os primos mais velhos e uma tia materna, que tinha convivido com o avô. “A falta de fotografia do meu avô não passa pela questão financeira, até porque ele tinha certa estrutura, era pobre, mas teria a condição de ter fotografias. Mas há um lugar onde acabam colocando a pessoa preta, onde ela se sente apartada de ter direitos mínimos, como uma fotografia. Agora isso mudou, mas naquele tempo era assim tinha o ‘não-pertencimento’, isso sempre me inquietou”, afirma.
A série remete a outros trabalhos autorais e de inspiração autobiográfica na obra de Eustáquio, como o livro e a exposição ‘Aberto pela Aduana’, de 2019, no museu Afro Brasil, sobre o traslado de africanos escravizados pelo Atlântico e outras violações contra o corpo negro que acontecem até hoje.
“Foi algo violento, como abrir o peito de uma pessoa, desumanizar e tratar como mercadoria o corpo negro”, diz Eustáquio.
Em meados dos anos 2000, ele desenvolveu a série ‘Boa Aparência’ relacionando os anúncios de oferta de emprego e os classificados dos tempos da escravidão em que as pessoas escravizadas eram descritas como de ‘boa aparência’, para serem valorizadas como produtos comercializáveis.
“Eu confronto essas ideias. Estou sempre questionando isso na minha arte. Até mesmo quando um fotógrafo branco dizia que a pele negra na fotografia era muito bonita é uma polêmica. Essa é uma afirmação de redução da condição humana para um objeto. Temos que valorizar a nossa estética negra na fotografia com conteúdo”, pontua.
Atualmente, Eustáquio identifica que há uma geração de boas referências de fotógrafos negros no Brasil como Rosana Paulino e Aline Motta.
A nona edição da bolsa ZUM está com as inscrições abertas até o dia 22 de agosto e o valor é de R$ 65 mil. Serão selecionados dois artistas com trabalhos no campo da fotografia. Para participar a inscrição deve ser feita no site. Os selecionados terão oito meses para desenvolver o projeto.