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‘Um preto vivo é um ato revolucionário’, diz o rapper Zudizilla

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4 de outubro de 2019

Gaúcho, o rapper lançou novo disco em setembro e defende maior representatividade dos negros no sul brasileiro

Texto / Lucas Veloso | Edição / Solon Neto | ImagemFilipa Aurélio

“Cabelo duro, minha canela fina / falo gíria / Cêis vai se arrepender de ter trazido almas tão antigas praquilo que chamam de novo mundo”, canta o rapper Zudizilla, em seu novo trabalho “De onde eu possa alcançar o céu sem precisar deixar o chão”.

Nascido em Pelotas, Rio Grande do Sul (RS), Júlio Cesar Corrêa Farias, de 33 anos, é o Zudizilla. Quando fala de sua carreira, a primeira coisa que diz é “começou a fazer rap por acidente”. Isso porque sua intenção era ser grafiteiro, artista plástico, ou qualquer atividade que tivesse a ver com desenho.

Anos depois, um amigo o viu rimando em um evento e disse que ele deveria gravar algo quando voltasse à terra natal. Na época, acabou gravando e o músico Guido CNR perguntou se queria acompanhá-lo em alguns shows. Ele aceitou a ideia com a condição que isso não atrapalhasse seu lado grafiteiro. Mas a rotina de shows ficou intensa e assim, foi deixando de pintar para se dedicar à rimas.

O nome artístico está ligado às ofensas racistas que já recebeu. Zudizilla vem de uma espécie de gorila africano, também chamado ‘zulu’. Ele lembra que sempre era chamado de ‘Zulu’.

“O jeito que me chamavam não era uma homenagem ao povo zulu. Esse era o apelido mais pejorativo que tinha, devido meu tom de pele retinto”, relembra. Mas ao invés de negar o apelido, assumiu a escolha para subverter o significado do termo. “Eu disse que nunca mais ninguém ia chamar alguém de zulu, se não fosse pra elogiar. É o fim do legado branco no sul. É o grito de independência dos pretos de lá”, protesta.

‘O sul é racista’

Enquanto ia se descobrindo dentro da música, Zudizilla também começou a encarar as tensões raciais no sul do país. Para ele, há uma falta de assistência para os negros nestas regiões.

“O sul é racista em sua base. Os pretos de lá tem que correr, lutar, bater e aguentar o quádruplo do que no resto do Brasil e sem a assistência do país”, argumenta. “Eu não sei quando que foi que a galera decidiu, literalmente, virar as costas para os pretos de lá”.

De acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD-Contínua), o Rio Grande do Sul é um estado de maioria branca. Mais de 80% das pessoas são caucasianas enquanto 18,2% são negros, conforme dados de 2016.

O número de negros assassinados no Rio Grande do Sul praticamente dobrou entre os anos de 2007 e 2017, período analisado pelo Atlas da Violência, divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP).

Em 2017, 833 negros foram assassinados no RS, contra os 440 mortos em 2007, um crescimento de 89,3%. Já os homicídios da população não negra — os brancos, amarelos e indígenas — aumentou 41,2%. Os números apontam que o aumento de morte de negros foi duas vezes maior em relação ao de não negros.

Para colaborar na solução dos problemas, o rapper diz trabalhar para ajudar as próximas gerações a lidarem melhor com o preconceito racial enfrentado pela população. “Eu tô colocando todo meu ‘corre’, meu dinheiro, minha saúde mental em prol da visibilidade dessa causa. Quero a vida de nossos sobrinhos, filhos e próximas gerações com mais suporte do que eu tive”, exemplifica.

‘De onde eu possa alcançar o céu sem precisar deixar o chão’

Segundo o rapper, seu novo disco fala sobre o apagamento da identidade de pessoas pretas no Rio Grande do Sul e do tardio, quando acontece, reencontro com a identidade.

“É um disco, tal qual se espera de um, com músicas boas que se entrelaçam e criam climas e atmosferas. Acontece que ele tem uma história contínua por trás e esse enredo depende muito da vivência do observador, e aí que entra a dualidade dele”, pontua.

Nas 11 faixas, o trabalho tem referências de Kendrick Lamar, Brown, Travis Scott, Emicida, Commom, Mos Def e J Cole, sob a produção executiva de DJ Nyack.

Zudizilla acredita que o trabalho tem diversos pontos de vista possíveis. A pluralidade, as temáticas e as sonoridades presentes representam o que é ser negro no sul do país. “É um disco que fala de negritude de uma forma complexa e em atos. Ele é para ser interpretado como uma odisseia, uma peça teatral”, explica. “Eu chamo de ópera preta. E esse é o primeiro volume, apenas”, anuncia.

O rapper ainda aconselha quem for ouvir as músicas. “Escutem esse álbum de olhos fechados e vá ao show de coração aberto”.

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