O livro Arjan Martins apresenta a trajetória do artista plástico carioca que, em diálogo com a tradição moderna da pintura ocidental, vem retratando em sua obra a negritude afro-brasileira enquanto presença, memória e imaginação. De caráter multitemporal e plurigeográfico, seu universo temático surge como uma amálgama de presente e passado, África e Brasil, para abordar uma história marcada pela luta, pelo luto e pela criação. O volume, com organização de Pablo Miyada, curador do Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, chega às livrarias em edição bilíngue pela Editora Cobogó.
Arjan começou a frequentar os cursos livres da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, na década de 1990. Após um período de intensa produção que dava destaque a figuras anatômicas, sua obra foi aos poucos se conduzindo para a criação de desenhos e croquis nos quais desenvolveu uma técnica pictórica que mistura espaços vazios a texturas, colorações e composições intensas e variadas. Os rostos de suas figuras negras são muitas vezes borrados em pinceladas aflitas e elegantes, traduzindo uma negação da identidade com gestos que multiplicam as direções expressivas contidas na forma.
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No que Miyada define como “cartografias mnemônicas das histórias e do presente do povo negro”, as imagens de imigrantes e descendentes africanos são parte fundamental do repertório do artista, evocando questões como herança colonial, identidade étnica, segregação e invisibilidade. “A poética e o imaginário de Arjan Martins convidam a permanecer em um estado de travessia, percorrendo o negro oceano que liga a África, a Europa e as Américas em jornadas que se cruzam com as de diversos pensadores da diáspora negra, como Frantz Fanon, Édouard Glissant, Derek Walcott, Achille Mbembe e Paul Gilroy – que, no Brasil, costumam ser lidos em diálogo com pensadores como Lélia Gonzalez, Beatriz Nascimento, Abdias Nascimento e Zózimo Bulbul”, completa o organizador.
O livro reproduz mais de 100 telas do pintor, cuja obra já foi exposta em algumas das instituições mais importantes do Brasil – entre elas MAM SP, MAM Rio, Instituto Tomie Ohtake e MAR (Museu de Arte do Rio) – e apresentada em importantes bienais pelo mundo, como a de Dakar e a do Mercosul. A publicação traz também um ensaio de Pablo Miyada e outro do crítico e historiador de arte Michael Asbury, professor-associado da Chelsea College of Art e da University of the Arts London, além de uma entrevista, realizada pela historiadora Raquel Barreto, na qual Arjan revê sua trajetória e detalha inspirações e inquietações.
“Tem muito material que me torna um artista, mas que não necessariamente são temas artísticos”, afirma Arjan. “Às vezes está dentro da ciência política, dentro da economia, dentro da história. Enfim, acho que existe uma convergência de temas e de suportes também. O que pode me tornar um artista é um pouco o meu modo de receber essas informações e como eu as devolvo ao mundo. Entendendo que a pintura ainda é um meio, um dispositivo com o qual você pode chegar até as pessoas. A pintura remonta à história da arte, mas o seu recado é mais horizontal. Acho que é isso que me torna um artista: esse atrito, essa zona de inconformismo obsessivo construtivo.”