Campanha publicitária da atual gestão do órgão público desqualifica o herói negro Zumbi, desrespeita legislação e configura improbidade administrativa do presidente
Texto: Nataly Simões | Edição: Pedro Borges | Imagem: Pablo Jacob
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“Se o Sérgio Camargo acredita que a população negra não tem nenhum protagonismo histórico seria coerente que ele voltasse para o anonimato onde ele se encontrava. Ele não deveria estar à frente de um órgão público criado para cumprir um papel contrário ao que ele pensa”. A afirmação é do advogado Hédio Silva Júnior e se refere aos ataques do presidente da Fundação Cultural Palmares (FCP) à memória de Zumbi, ocorridos em 13 de maio, data que a assinatura da Lei Áurea completou 132 anos.
No dia 19 de maio, o advogado conhecido por atuar na defesa do patrimônio afro-brasileiro protocolou uma ação popular na 22ª Vara Cível Federal de São Paulo, que pede a suspensão de peças publicitárias veiculadas nas redes sociais e no site oficial da Fundação Cultural Palmares. A campanha se refere a Zumbi de diversas maneiras depreciativas, dentre elas como um “herói da Consciência Negra escravizada pela esquerda”.
A ação popular destaca que a campanha tem o “visível propósito de vilipendiar, ultrajar, depreciar e achincalhar a memória do herói cujo nome encontra-se inscrito no ‘Livro dos Heróis da Pátria’: o herói negro Zumbi dos Palmares”. Segundo o documento, Sérgio Camargo viola a finalidade da Fundação Palmares ao não cumprir com a missão prevista na lei 7.688/1988, que instituiu sua criação para preservar os valores culturais brasileiros, uma vez que a publicidade teve foco na “desqualificação, descrédito e depreciação de referidos valores”.
“Ele pode responder judicialmente porque os artigos publicados no site induzem o racismo, prática classificada por lei como crime grave. Um dos textos publicados no site e anexados como prova na ação diz que Zumbi era homossexual e teve o pênis castrado e enfiado na boca como uma forma de humilhação. Essa afirmação, publicada por um órgão público, induz também a homofobia, e é um desvio de finalidade da fundação”, explica Júnior.
Para o autor da ação popular, os interesses de Sérgio Camargo se sobrepõem aos propósitos da Fundação Cultural Palmares. As ações realizadas pela gestão configuram o que a legislação brasileira classifica como improbidade administrativa.
“Sérgio Camargo não tem noção de que como presidente de uma fundação de direito público, ele deve respeitar a legislação. Ele tem o direito de se manifestar, mas na condição de presidente de uma fundação pública suas obrigações não devem ser desrespeitadas. Se ele entende que Zumbi foi uma figura desqualificada, como ele pretende crer com as peças publicitárias, há improbidade administrativa, que é quando o gestor utiliza a máquina pública para satisfazer interesses, pretensões e desejos pessoais”, considera.
Ataques antigos
Antes mesmo de presidir à Fundação Cultural Palmares (FCP), Sérgio Camargo já minimizava a importância de Zumbi. Em uma publicação em sua conta no Facebook em novembro de 2019, ele escreveu que o líder do Quilombo dos Palmares era um “escravocrata” e “falso herói dos negros”.
Nomeado ao cargo em 27 de novembro pelo ex-secretário da Cultura, Roberto Alvim, poucos dias depois Camargo foi afastado do cargo em razão de seus posicionamentos depreciativos que envolvem a comunidade negra. A exemplo de uma publicação onde disse que “o movimento negro precisa ser extinto”.
Em 4 de dezembro, a 18ª Vara Federal de Sobral, no Ceará, suspendeu a nomeação por considerar que a posição de Camargo como presidente contrariava os motivos determinantes para a criação da Fundação Cultural Palmares e colocava a instituição “em sério risco”, visto que a gestão poderia entrar em “rota de colisão com os princípios constitucionais da equidade, da valorização do negro e da proteção da cultura afro-brasileira”.
Sérgio Camargo retomou o cargo em 20 de fevereiro de 2020, por decisão do presidente do Superior Tribunal de Justiça, o ministro João Otávio de Noronha. Para o advogado Hédio Silva Júnior, a suspensão da nomeação feita em dezembro do ano passado já sinalizava “um desvio de finalidade” da Fundação Cultural Palmares sob a atual gestão.
“O judiciário já havia se posicionado contra a nomeação em razão de Sérgio Camargo tornar público pelas rede sociais que seus pensamentos eram contrários ao escopo jurídico da fundação. Eu lamento que tenhamos que gastar tempo e energia com uma pessoa que só está no cargo por desmerecer a história e o trabalho do movimento negro”, finaliza Júnior.