“Se a Europa é contra o genocídio do povo judeu, eles têm que ser contra o extermínio negro e indígena. Não dá para ser contra um e fazer vista grossa para o outro”, é o que afirmou Mariah Rafaela Silva, da organização Conexão G, doutoranda em Comunicação pela UFF-RJ e representante da Coalizão Negra por Direitos.
A ativista, que trabalha no Complexo da Maré, Rio de Janeiro (RJ), acompanhou o encontro “Pare o Acordo União Europeia-Mercosul – Por Agricultura, Empregos e Meio Ambiente” em Bruxelas, capital da Bélgica, entre o dias 11 e 12 de dezembro. O objetivo era apresentar os impactos do acordo entre os blocos econômicos Mercosul e União Europeia. No dia 13, houve diálogo com políticos do parlamento europeu, em especial figuras do Grupo Confederal da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde, composto por 42 deputados.
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O acordo entre União Europeia e Mercosul prevê a criação de uma zona de livre comércio com ampla redução de impostos. Depois da assinatura do negócio em 28 de junho deste ano, o pacto pode demorar de sete meses a três anos para entrar em vigor. A demora se dá pela necessidade de aprovação dos poderes legislativos dos países do Mercosul e também do parlamento europeu.
Mariah Rafaela Silva apresentou os principais impactos de um possível acordo entre os dois blocos econômicos para o Brasil. Ela acredita que o país enfrentará mais problemas no quesito da imigração, motivada pela ausência de empregos.
“O acordo prevê que o Brasil exportaria insumo, commodities, frutas, produtos com baixo teor tecnológico. A Europa tem todas as cartas na mão porque se o Brasil não cumprir parte desses acordos, o parlamento europeu pode simplesmente brecar as importações, prejudicando o próprio Brasil. E como se desdobra isso? Uma migração interna e externa para os grandes centros de gravidade. Não é à toa que agora houve a autorização de entrada no continente europeu”, explicou. “É claramente uma posição assimétrica. Esse é um acordo de recolonização voluntária, em outras palavras”, completou a pesquisadora e ativista.
A imigração sobretudo de grupos mais vulneráveis pode aumentar os indicadores de violência no país, em especial nas grandes cidades. Mariah Rafaela Silva ressalta que estados como Rio de Janeiro e São Paulo têm sido governados por regimes de direita. É o caso das gestões de Wilson Witzel e João Dória, figuras com forte discurso bélico.
“Onde essas pessoas migrantes vão morar? Regiões de favela, de periferia. Isso contribui para o genocídio porque essas pessoas vão se mudar para serem exterminadas”, alerta.
A maior demanda brasileira de produtos agrícolas também deve elevar a voracidade da produção nacional de soja, o que pode aumentar os impactos sobre o meio ambiente e as mudanças climáticas.
“Haverá também uma intensificação da monocultura da soja, que a Europa consome e importa muito. Área de produção é área de desmatamento, ou seja, não só compromete o desmatamento, mas também a biodiversidade no Brasil. Os rios, a água, a poluição dos lugares, os desastres naturais que ocorrem, as queimadas, mas do ponto de vista ambiental é uma consequência gravíssima para toda humanidade e o planeta”, avalia.
A Rede Europeia contra o Racismo (ENAR) articulou a atividade em Bruxelas e convidou a Coalizão Negra por Direitos para participar do encontro. O grupo desenvolve políticas públicas em defesa de minorias racializadas na Europa e constrói diálogo com instituições públicas para o combate ao racismo.
A Coalizão e a ENAR, durante as agendas na capital belga, participaram de encontros com o Comitê Belga-Brasileiro, formado por parlamentares europeus, entre eles a deputada alemã Pierrete Gabrielle Herzberger-Fofana (Greens), uma das poucas negras eleitas para o mandato atual do Parlamento.
Em entrevista ao Alma Preta, Juliana Wahlgren, integrante da ENAR, fez uma avaliação positiva da participação dos dois grupos antirracistas em Bruxelas. “A ENAR e a Coalizão conseguiram inserir a questão do racismo dentro da pauta de negociações a nível europeu e insistiram na construção de um diálogo com nossos grupos nas etapas a seguir”, revelou.
O acordo entre os dois blocos econômicos encontra-se bloqueado no Conselho Europeu e só poderá ser aprovado se for aceito por todos os ministros de estado. Apesar de sentir a ausência da sociedade civil na construção do pacto, Juliana Wahlgren acredita na necessidade de diálogo para a construção de mecanismos de controle social sobre o acordo.
“A ENAR continuará dialogando com os estados membros e as instituições europeias para ressaltar o impacto desse acordo entre os mais vulneráveis, que é a comunidade negra em todas suas pluralidades e intersecções”, afirmou.
A comitiva brasileira em Bruxelas, na Bélgica, é representada pela Coalizão Negra por Direitos, grupo que reúne uma série de entidades da luta antirracista no país. Os representantes do grupo são Renata Prado, da Frente Nacional de Mulheres do Funk; Mariah Rafaela Silva, do Grupo Conexão G de Cidadania LGBT de favelas e doutoranda em comunicação pela UFF; e Denildo Rodrigues de Moraes, coordenador executivo da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Quilombolas (CONAQ).