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Ameaçadas de morte, mulheres negras eleitas não se intimidam: ‘não vão me calar’

10 de dezembro de 2020

Vereadora eleita em Curitiba, Carol Dartora recebeu ameaças de morte, assim como outras mulheres negras e transexuais eleitas em 2020; Vivi Reis, do Pará, é a vítima mais recente; para cientista política, elas desafiam interesses e a estrutura social

Texto: Flávia Ribeiro | Edição: Nataly Simões | Imagem: Reprodução/Carol Dartora 

Carol Dartora, vereadora eleita de Curitiba (PR); Suéllen Rosin, prefeita eleita de Bauru (SP); e Ana Lúcia Martins, vereadora eleita de Joiville (SC) têm algo em comum: foram as primeiras mulheres negras eleitas nas eleições de 2020 e todas sofreram ataques racistas e ameaças de morte. A elas, se junta Vivi Reis, que assumirá a vaga de Edmilson Rodrigues, como deputada federal, e nesta quinta-feira (10) denunciou nas redes sociais que sofreu ofensas. Todas estão nas estatísticas da pesquisa Violência Política Contra Mulheres Negras, que mostrou que quase oito em cada dez sofreram algum tipo de violência no ambiente virtual. 

A primeira mulher negra eleita vereadora em Curitiba, Carol Dartora (PT) disse que leu a ameaça de morte no domingo (6) e imediatamente tomou providências. “Desde a pré-campanha que eu já vinha recebendo ataques racistas. Infelizmente, já faz parte da rotina esse ódio racial, principalmente para nós, do campo progressista. A gente apaga e bloqueia. Mas foi bem assustador uma ameaça de morte e com o meu endereço”, relata a professora, em entrevista à Agência Alma Preta.

A ameaça foi registrada na delegacia de crimes cibernéticos e ela já se reuniu com autoridades, para obter medidas de segurança. “Sou uma figura pública. Tenho que cumprir o meu mandato com segurança e respeito. Isso não vai fazer com que eu abaixe a minha cabeça”, comenta.

Para a vereadora eleita, os ataques são uma tentativa de intimidar mulheres negras e transexuais eleitas por todo o país. Segundo ela, homens negros eleitos em Curitiba não passam pela mesma situação.

“É para que não superemos as barreiras que a sociedade impõe e não deixemos os espaços que eles julgam onde deveríamos estar. A questão de gênero é muito forte”, analisa a vereadora, dizendo que se apoia nas falas de Marielle Franco. “Vamos ampliar os debates. Sou a primeira, mas espero que as próximas não passem por tudo isso. O meu mandato será coletivo e popular. Meu gabinete será um miniquilombo. Não vou me calar. Não vão me silenciar. Tenho certeza de que estou no caminho certo”, frisa.

A mesma violência foi imposta à Suellen Rosin (Patriotas), prefeita eleita em Bauru, no interior de São Paulo. A primeira mulher negra no cargo também recebeu ofensas racistas e em seguida uma ameaça de morte. A mensagem é muito semelhante com a que Carol Dartora recebeu e foi assinada pelo mesmo nome.

“Eu represento muitas mulheres, muitas negras que buscaram o seu espaço ao longo desse trajeto, não só na política, mas em todas as áreas. Então eu quero deixar essa mensagem de respeito e de representatividade. E com isso eu já começo o governo deixando essa mensagem diante do que eu me senti ofendida, mas que isso não vai me calar e não me tornar invisível”, destaca a prefeita eleita.

ana lucia martinsIgualmente violenta é a situação enfrentada por Ana Lúcia Martins (PT), a primeira vereadora negra eleita de Joinville, em Santa Catarina. Ela recebeu ameaças de morte, além de ataques racistas e invasão de seu perfil em redes sociais.

À Marie Claire, ela escreveu que a invasão à sua conta no Instagram aconteceu no dia da eleição, 15 de novembro. Já os ataques racistas e a ameaça de morte começaram dois dias depois, pelas redes sociais e por e-mail.

“Ao ler tudo isso, o sentimento que me dominou, acima do medo, foi um misto de indignação e revolta. Receber ameaças cujo objetivo é impedir que eu ocupe um espaço democrático para qual fui eleita é revoltante. Pessoas que se consideram superiores continuam nos impossibilitando de nos mover na sociedade. É dolorido e assustador. Mas, ao mesmo tempo, tive forças para imediatamente dizer não. Ninguém vai nos impedir. Ninguém pode nos impedir. É um processo democrático. E não deixar que assuma meu lugar na Câmara de Vereadores é matar a democracia”, afirmou a vereadora eleita.

Ana Lúcia ainda destaca que de todas as eleitas só ela foi ameaçada. Para ela, isso é uma expressão do racismo, no entanto, ela assegura que não será dominada pelo medo. “O primeiro movimento para a transformação já aconteceu, com o voto e minha chegada na Câmara de Vereadores. O ato do racismo e da intolerância chamou a atenção para uma prática que antes era silenciosa na cidade. Desnudar o racismo é necessário. O movimento antirracista já começou. E, agora, com políticas públicas e diálogo, quero fazer com que Joinville entenda que precisa mudar e respeitar as diferenças em seus espaços de controle social”, considera.

vivi reisVítima mais recente

“Tomara a Deus que esta feminista seja alvo de execução igual o mesmo destino que teve Marielle Franco, tem que cortar o mal pela raiz”. Isso foi parte do comentário em um post das redes sociais de Vivi Reis, a vereadora mais votada de Belém em 2020. Ela era suplente de Edmilson Rodrigues (PSOL), eleito prefeito, e assumirá a vaga como deputada federal.

Negra, bissexual, periférica e filha de empregada doméstica, Vivi (PSOL) denunciou as ofensas que recebeu. “Muito duro receber esse tio de mensagem. A nossa democracia é muito frágil. É inadmissível que nós, mulheres negras eleitas tenhamos que passar por isso. A resposta virá com um mandato de deputada federal, ao lado dos movimentos sociais. Nosso lugar é na política também”, desabafa.

Colega de bancada de Vivi, Talíria Petrone (PSOL) não estreia em cargo eletivo: já foi vereadora por Niteroi, em 2016, e desde 2018 é deputada federal pelo Rio de Janeiro e neste ano também teve sua vida ameaçada. Talíria enviou uma carta de denúncia à ONU relatando o que tem passado. Apesar de ainda não ter obtido retorno da entidade, o Parlamento do Mercosul aprovou uma moção em seu apoio. Em documento, pediu que o governo brasileiro tome medidas concretas para garantir a segurança da congressista.

“Eu já chorei de exaustão e fiquei na dúvida se dou conta das responsabilidades como deputada. Além de ter de lidar com as tarefas de casa, o cuidado com a minha filha e os trabalhos do mandato, as ameaças das quais sou vítima me deixam ainda mais tensa e amedrontada”, desabafou Petrone, em entrevista à Universa, em outubro.

“Mulheres negras não negociam corpos da negritude”

Para Simone Silva, cientista política e social, a estrutura da sociedade brasileira não aceita uma posição de destaque para negros e negras e cria condições para esses grupos não ocupem espaços de liderança ou simplesmente de notoriedade.

“Os elementos de perseguição às pessoas negras já estão postos na sociedade com naturalidade. Por isso, há pessoas que cometem racismo achando que não estão cometendo. Não passa pela percepção delas esse tipo de compreensão”, explica.

Em 2020, com a eleição de mulheres negras e transexuais, segundo a cientista política e social, houve a formação de um quadro ‘diferente’ de representação e ele se conflita com os interesses de grupos que estavam há gerações formando o corpo político do país. Disso, surge uma perseguição sistemática ao novo grupo que vai entrar. Uma das consequências da perseguição vai ser a tentativa de descredibilizar a atuação dessas pessoas. Portanto, o grande enfrentamento para as eleitas é criar consciência na mente das pessoas de que é legitimo o lugar que estão ocupando. 

“Os corpos de pessoas negras sempre foram negociados neste país porque desde que nascemos pertencemos a um determinado lugar em que o ganho da nossa força de trabalho não é para nós, mas para manter a estrutura de poder. As novas candidatas vão enfrentar essa realidade. É preciso que elas tenham o apoio constante dos seus. O lugar de liderança delas não é reconhecido pela sociedade”, pontua.

As especificidades de mulheres negras eleitas pesam para que elas incomodem a estrutura racista, como no caso de Marielle Franco, que nesta semana completou mil dias desde que foi assassinada.

“Ela vem do movimento negro, que não se desconecta dos seus representados à medida que se elege. É diferente essa forma de atuação de uma mulher negra dentro da política, mais até que a de um homem negro. Ela continua dialogando e construindo dentro dos movimentos da negritude e das demandas. Ela assume uma postura ética e não abandona a construção política dos interesses da negritude”, complementa Simone.

Dados da violência política

A Pesquisa Violência Política Contra Mulheres Negras informou que 78% das candidatas negras de todas as regiões do país, que responderam à pesquisa, relataram ter sofrido desde xingamentos racistas em suas páginas até ataques sincronizados em transmissões ao vivo.

Os principais autores das violências são grupos não identificados (45%), candidatos ou grupos militantes de partidos políticos adversários (30%) e grupos anti-feministas, racistas e neonazistas (15%). O estudo foi realizado pelo Instituto Marielle Franco, com apoio da Terra de Direitos e Justiça Global, e divulgado em novembro e publicado no mês de novembro.

Fotos internas: Reprodução (Ana Lúcia Martins) e Gabriel Gentil (Vivi Reis).

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