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Mulheres negras lutam por mais espaço na política da América Latina

Apesar dos obstáculos e dificuldades, a luta de mulheres negras trouxe nomes para o centro político de alguns países latino-americanos; confira quem são algumas dessas pessoas, além de ativistas e organizações negras da região

Colagem com as mulheres negras na política: Francia Marquez e Epsy Campbell.

Foto: Imagem: Vinícius de Araujo/ Alma Preta

28 de julho de 2022

A participação de mulheres negras em espaços políticos nos países da América Latina ainda enfrenta obstáculos e a constante invisibilização propiciada por sociedades ainda muito marcadas por racismo e machismo. É através da luta incessante das organizações negras e da militância de mulheres afrodescendentes ao longo dos anos que surgem, no cenário, mulheres que atualmente ocupam espaços de destaque à frente do governo de seus países – como Francia Márquez e Epsy Campbell Barr.

A uruguaia Vicenta Camusso, fundadora da Rede de Mulheres Afro-latino-americanas, Afro-caribenhas e da Diáspora (RMAAD), comenta que as situações das mulheres negras ativistas dentro da América Latina são diversas e têm sua correlação a partir da construção das democracias, da violência institucional, dos fundamentalismos e da criminalização e perseguição de defensores dos direitos humanos, dos direitos das mulheres e das dissidências raciais, sexuais e políticas.

A fundadora da RMAAD – atual vice-presidenta do Instituto Afrodescendente para o Estudo, a Pesquisa e o Desenvolvimento – conta que o Uruguai, por exemplo, foi declarado a democracia mais avançada da América Latina e do Caribe, que elegeu pela primeira vez uma vice-presidente mulher – Beatriz Argimón, uma mulher branca – e, inclusive, que aprovou uma lei de cotas há mais de uma década. Entretanto, o país segue um dos mais retardatários no tema da inclusão.

Segundo ela, um dos cenários mais desiguais é no Parlamento, onde a representação das mulheres não atinge sequer um terço. Já a participação política das mulheres negras uruguaias em cargos parlamentares e executivos data das últimas décadas.

Vicenta CamussoVicenta Camusso | Crédito: Reprodução/ Geledés

“Para todas as mulheres, o acesso a cargos de poder político é um desafio marcado pelas estruturas machistas do sistema político partidário. Para as mulheres negras, esta situação é mais complexa pela estrutura racial e de classe que permeia a sociedade como um todo. Há muitas mulheres que são ativistas partidárias na política. O obstáculo é o acesso a cargos de poder relevantes, desde a integração em listas [de candidatos] e o acesso a cargos executivos no governo nacional e departamental (nome que recebe as divisões administrativas do país)”, explica Camusso, pioneira do movimento de mulheres negras na região latino-americana.

Ainda de acordo com Vicenta, há alguns anos, legisladoras de diferentes partidos, organizações da sociedade civil e especialistas vêm insistindo que a chave é ir além das cotas para essa inclusão das mulheres e avançar diretamente para a paridade de gênero. Há atualmente dois projetos de lei tramitando no Parlamento do país que buscam incidir sobre esse assunto.

Leia mais: De Antonieta a Malunguinho: as mulheres negras pioneiras na política brasileira

Sub-representatividade de mulheres negras na política

O professor e poeta brasileiro Sândrio Cândido observa que a Colômbia, país em que vive atualmente, e o Brasil compartilham muitos elementos políticos, culturais e econômicos, o que atravessa a participação das mulheres negras nos espaços institucionais.

“Historicamente, a comunidade negra aqui da Colômbia esteve e ainda está excluída da participação política. Dentro dos partidos políticos e da vida pública, a presença negra ainda é minoritária se a gente pensar na questão de representatividade”, pontua o professor.

De acordo com Cândido, a participação política das mulheres negras é minoritária porque existem muitos empecilhos que são estruturais, há muita dificuldade para colher as demandas da população negra no geral e principalmente das mulheres negras.

“Muitas das mulheres negras da Colômbia vem de regiões rurais e a Colômbia é um país muito centralizado. Então muitas das mulheres que estão em outras regiões do país e as mulheres negras são deixadas de lado pelo sistema”, explica o professor.

Sândrio Cândido também comenta que as últimas eleições colombianas, finalizada em junho deste ano, teve pela primeira vez um partido de esquerda ou de centro-esquerda (Colômbia Humana) que chegou à presidência do país. Também foi a primeira vez que uma mulher negra chegou à vice-presidência do país: Francia Márquez.

Alexandra Fernández, coordenadora da Fundação Foro Suroccidente, organização não-governamental colombiana para o fortalecimento da democracia, compartilha o nome de algumas mulheres negras que também receberam destaque no cenário político da Colômbia.

Marelen CastilloMarelen Castillo | Crédito: Reprodução/Radio Nacional de Colombia

Uma delas é a medalhista olímpica Caterine Ibargüen, que se candidatou ao Senado do país para as últimas eleições. Entretanto, Alexandra acredita que sua candidatura esteve muito atrelada a melhorar a imagem de um partido que se envolveu em denúncias de corrupção. Outra mulher negra que disputou a vice-presidência da Colômbia neste ano foi Marelen Castillo, atual membro da Câmara de Representantes da Colômbia, mas que não teve sua trajetória pautada em lutas raciais.

“Há muitas estruturas que impedem que os negros afrodescendentes, especificamente as mulheres, tenham acesso ao poder. Digamos que a representação é mínima, menos de 1% das mulheres negras fazem parte desses cargos eleitos. Os problemas das comunidades negras, especificamente os problemas das mulheres, começaram a ser mencionados somente com esta última eleição, graças à figura de Francia Márquez, porque não é um assunto que se fala aqui na Colômbia, não é um assunto que seja abordado”, explica.

Além disso, Alexandra Fernández destaca que no país há uma tradição de considerar a liderança política como um espaço para a corrupção, um espaço que não está associado às mulheres, o que também dificulta a inserção delas.

Organizações de mulheres negras pela América Latina

Sobre organizações políticas que têm uma incidência junto a mulheres negras, o professor Sândrio Cândido destaca a importância da Casa Cultural del Chontaduro, localizada em Cali, na Colômbia.

Casa Cultural el ChontaduroAtividade da Casa Cultural del Chontaduro | Crédito: Reprodução/Casa Cultural

“Basicamente são mulheres negras, algumas são mães, que vem de uma parte da cidade meio esquecida, que é o oriente da cidade. Essas mulheres têm todo um trabalho de participação política, de militância em prol da causa afro. Tem toda uma luta pela questão da paz. Elas têm como lema o ‘não pari filhos para a guerra’. É uma casa muito importante no ativismo político”, explica.

Além disso, Sândrio também lista o Centro de Estudos Afro-colombianos (CEAF), dirigido pela professora de sociologia e diretora do Centro de Estudos Afrodiaspóricos da Universidade Icesi, Aurora Vergara.

“É um centro muito importante no processo de visibilização, no mundo acadêmico, da questão negra. Então é uma mulher que está aí no ativismo também”, complementa.

Com incidência na região da América Latina, há o RMAAD (Rede de Mulheres Afro-latino-americanas, Afro-caribenhas e da Diáspora), criado há 30 anos, na esteira do 1° Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas, ocorrido em 1992, na República Dominicana. Inclusive foi a partir desse encontro que foi datado o 25 de julho como Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha.

“As conquistas que alcançamos nesses 30 anos foram significativas. Um primeiro ponto a destacar é que conseguimos formar uma forte Rede, construindo à Viva Voz nossa história, nos diversos contextos sócio-políticos pelos quais, como sociedade civil organizada, tivemos que passar. As mudanças geopolíticas no mundo, seu impacto na região, as lutas contra todos os fundamentalismos, a luta pela eliminação das múltiplas violências de gênero, machismo, racismo, sexismo e pobreza têm sido os bastiões de luta de nossa Rede”, pontua Vicenta Camusso.

Conheça quatro mulheres negras no cenário político e do ativismo latino-americano

– Francia Márquez, atual vice-presidenta eleita da Colômbia

Francia MarquezFrancia Márquez | Crédito: Pacto Histórico

É a primeira mulher negra a ocupar o cargo. A advogada e ativista ambiental de 40 anos nasceu em Suárez, cidade da região de maioria negra de La Toma, em Cauca, Colômbia. Na adolescência, tornou-se ativista quando começou a se mobilizar contra projetos de mineração em sua comunidade.

“A Francia sofreu muitos ataques racistas e foi muito desqualificada durante a campanha por pessoas do centro do país. A figura dela incomoda porque ela representa, dentro da política colombiana, aquilo que sempre foi deixado de lado ou aquilo que as elites do centro do país não queriam que chegasse ao poder. Ela não é somente uma mulher negra, mas está super envolvida com a luta racial e o combate ao racismo estrutural”, explica Sândrio Cândido.

Leia também: Francia Márquez debate presença de mulheres negras na política: “Queremos ser muitas”

– Epsy Campbell Barr, ex vice-presidenta da Costa Rica

Epsy CampbellEpsy Campbell Barr | Crédito: United Nations

A costa-riquenha de 59 anos foi a primeira afrodescendente a assumir o cargo no continente americano. Pós-graduada em Ciência Política na Universidade da Costa Rica, já passou também pelo ativismo ambiental e de defesa das mulheres negras. Já esteve entre os fundadores do Partido Ação Cidadã (PAC) e na coordenação da RMAAD. Atual integrante do Fórum Permanente sobre Afrodescendentes das Nações Unidas.

“Creio que comemorar o Dia Internacional das Mulheres Afro-Latinas, Afro-Caribenhas e da Diáspora é um momento para reconhecer as contribuições das mulheres no desenvolvimento histórico dos países da região. É um ato, ademais, de dar-lhe um lugar histórico às mulheres afrodescendentes que muitas vezes têm sido invisibilizadas. É uma maneira de colocar a agenda da inclusão das mulheres afrodescendentes como agenda prioritária dentro dos países e na região”, pontua Espy à Alma Preta Jornalismo durante o Festival Latinidades.

– Gloria Rodríguez, senadora no Uruguai

Gloria RodriguezGloria Rodríguez | Crédito: Reprodução/Tele Doce

A senadora de 61 anos nasceu na cidade de Melo, estado de Cerro Largo, no Uruguai. Jornalista e ativista, ela foi a primeira mulher negra a chegar ao Senado uruguaio. Também preocupada com temas sociais, como a fome e a igualdade de gênero.

– Miriam Gomes, ativista na Argentina

Miriam GomesMiriam Gomes | Crédito: Reprodução/Las argentinas trabajamos

Professora de literatura, ela trabalha na defesa de direitos da população africana e afrodescendente desde a juventude. Descendente de cabo-verdianos, ela também trabalha com a divulgação da cultura africana na Argentina. Em 1993, se tornou a primeira mulher presidente da Associação Cabo-Verdiana de Dock Sud, fundada em 1932 e uma das mais antigas na defesa dos cabo-verdianos do mundo.

Leia também: Outros nomes para o Bem Viver: a ação das mulheres na América Latina

*Erramos: texto foi corrigido com o nome correto da primeira vice-presidenta eleita no Uruguai: Beatriz Argimón e não Lucía Topolansky. Correção realizada em 30 de julho de 2022. 

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