O Supremo Tribunal Federal (STF) levará recursos sobre a letalidade policial no Rio de Janeiro para o Plenário Virtual. O ministro Edson Fachin, relator da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, vai julgar a amplitude da decisão cautelar sobre a elaboração de um plano de redução da mortandade pela ação das forças de segurança no estado. A sessão está marcada para o próximo dia 15 de dezembro, quarta-feira.
Os recursos foram apresentados pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), em petição subscrita pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro e entidades da sociedade civil. A ação quer elucidar pontos como a quebra do sigilo em investigações, a criação de um Observatório Judicial sobre Polícia Cidadã e a instalação de equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes. O julgamento aconteceria entre os dias 21 e 28 do mês passado, mas foi suspenso após pedido de vistas do ministro Alexandre de Moraes, dias após as mortes no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo (RJ), no dia 22 de novembro.
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O pedido do PSB leva em conta a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos que, em 2017, condenou o Brasil por violência policial no caso Cosme Rosa Genoveva e outros. O caso se refere às chacinas ocorridas durante operações policiais na comunidade de Nova Brasília, no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, em 1994 e 1995. O Brasil reconheceu os fatos. Foram mortas 26 pessoas e três mulheres foram vítimas de violência sexual.
O voto do relator e o Complexo do Salgueiro
Caso o julgamento dos recursos aconteça e seja aceito o voto do relator, situações como a morte de pelo menos 10 pessoas no Complexo do Salgueiro, sendo um policial e nove moradores da comunidade, poderão ser ainda menos toleradas. O voto do ministro Edson Fachin acolhe os embargos e determina que o estado do Rio de Janeiro elabore e encaminhe ao STF, no prazo máximo de 90 dias, um plano visando à redução da letalidade policial.
O voto suspenderia o sigilo de todos os protocolos de atuação policial no Rio. Neste caso, se aceito, as investigações sobre as mortes no Salgueiro e nas demais comunidades, por exemplo, poderiam estar disponíveis para serem acompanhadas pela população. A Alma Preta Jornalismo entrou em contato com o Ministério Público do Rio de Janeiro para mais informações sobre o caso, mas o órgão apenas informou, em nota, que a operação está sob confidencialidade.
“A Promotoria de Justiça junto à Auditoria Militar do MPRJ ouviu na semana passada os oito policiais militares que declararam ter efetuado disparos, além do comandante do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE). Outros PMs podem ser ouvidos no decorrer da investigação. Não serão fornecidas outras informações pois a investigação é sigilosa”, diz a nota.
Segundo o advogado criminalista Jonatas Moreth, o sigilo nas informações prejudica toda à sociedade e, mais duramente, as famílias e as vítimas. ” Históricos recentes de inquéritos similares, como ocorreu em outro caso do próprio Complexo do Salgueiro, são arquivados. É razoável argumentarmos que a investigação em sigilo, sem controle da sociedade civil organizada e da imprensa, favorece o arquivamento e os supostos autores de eventuais crimes que tenham ocorrida na fatídica e desastrosa operação policial”, diz Moreth.
No documento, Fachin aceita, também, os embargos de declaração para a criação de um Observatório Judicial sobre Polícia Cidadã, formado por representantes do STF, pesquisadores e pesquisadoras, membros das polícias e de entidades da sociedade civil. No caso de buscas domiciliares, as que cumprem mandado judicial devem ser feitas somente durante o dia, as demais precisam ser provadas algum delito em flagrante, não podendo admitir denúncias anônimas.
Além disso, cita a obrigatoriedade de ambulâncias em operações planejadas em que haja a possibilidade de confrontos armados e a determinação que o estado do Rio de Janeiro instale equipamentos de GPS e sistemas de gravação de áudio e vídeo nas viaturas policiais e nas fardas dos agentes.
Tratativas com a comunidade
Na última quarta-feira (1) o ministro Edson Fachin recebeu uma comitiva com lideranças de movimentos sociais e do Complexo do Salgueiro. Na reunião, Fachin lamentou a escalada de violência nas favelas do estado.
“Precisamos sentir vergonha de um país que naturaliza a violência. É com este reconhecimento, de que há uma dívida com as pessoas vitimadas e potenciais vítimas, que quanto mais tempo se demora a tomar providências mínimas, mais estamos expondo as pessoas”, afirmou o ministro.
Em 2020, o Plenário do STF referendou a determinação de Fachin que suspendeu a realização de incursões policiais em comunidades do estado do Rio de Janeiro enquanto perdurar o estado de calamidade pública decorrente da pandemia da covid-19. A decisão determinou que as operações fossem restritas aos casos excepcionais, informadas e acompanhadas pelo Ministério Público.
O Grupo Temático Temporário (GTT) – ADPF 635 assume que é necessário uma definição mais elaborada para as excepcionalidades das operações. Desde a criação do GTT, em abril deste ano, o grupo contabilizou cerca de 350 comunicados de operações policiais ao MPRJ. No entanto, há pedidos duplicados, o que diminui o número de casos .
“É de conhecimento de todos que as violações aos direitos nas favelas não ocorrem apenas no período da pandemia, pois já existia antes, e se nada mudar, infelizmente continuará existindo. Portanto, apesar de o STF ter hoje uma composição mais conservadora, eu acredito que tais medidas serão estendidas também para o pós-pandemia”, avalia o advogado Jonatas Moreth.