A denúncia registrada na polícia, após divulgação de áudios com as declarações do presidente da Fundação Cultural Palmares, inclui crimes como discriminação racial, injúria racial, crime pela internet e discriminação religiosa
Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Pablo Jacob
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Com muita paz e serenidade, a yalorixá Adna Santos, conhecida como Mãe Baiana, registrou na tarde desta quarta-feira (3) uma queixa contra o presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, por ofensas e ameaças feitas contra ela durante uma reunião interna na sede do órgão de promoção à cultura negra no dia 30 de maio.
Sérgio Camargo chamou Adna Santos de “macumbeira” e usou vários palavrões. O presidente também disse que não iria liberar nem “um centavo” para terreiros enquanto chefiar a Fundação. As afirmações desrespeitam as diretrizes do órgão criado para proteger e preservar as populações de religiões de matriz africana.
“Não sou uma mulher agressiva. Sou da paz. Minha fala aqui na delegacia não foi para machucar alguém. Mas como mulher negra, que batalha, que luta contra a discriminação eu não posso deixar para lá. Eu respeito todo mundo e quero ser respeitada”, disse a mãe de santo, destacando que nunca conversou e nem conhece Sérgio Camargo pessoalmente.
A denúncia, registrada na Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou Contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin), em Brasília (DF), inclui quatro categorias de crimes: discriminação racial, injúria racial, crime pela internet e discriminação religiosa.
Mãe Baiana chefiou a Divisão de Promoção e Proteção da Liberdade Religiosa da Fundação Palmares, entre 2015 e 2019, e teve participação fundamental na repressão da onda de ataques aos terreiros em vários estados. Nos áudios entregues à polícia, que foram divulgados pelo jornal O Estado de São Paulo na terça-feira (2), Camargo refere-se à religiosa como “uma tal de mãe Baiana, que infernizava a vida de todo mundo aqui”.
No depoimento, a religiosa afirmou que faz parte do movimento negro e que “nunca infernizou a vida de ninguém” no órgão público. “Muita gente me procurou para contar a barbaridade que está acontecendo. Os ex-presidentes da Fundação me apoiaram, terreiros de todos os lugares do país também manifestaram apoio e carinho”, compartilha.
Beatriz Lourenço, advogada e membra da Uneafro Brasil, analisa que o atual momento da Fundação Cultural Palmares é de desmonte dos avanços construídos ao longo de muitos anos.
“Sérgio Camargo não foi colocado ali para gerir políticas públicas, ele faz provocações ao movimento negro. Atacar as religiões de matriz africana só confirma a incapacidade dele para construir e pensar políticas públicas. Ele está ali para destruir a Fundação Palmares. Na medida que ele faz isso, está cometendo o crime de improbidade administrativa”, diz.
De acordo com a advogada, Sérgio Camargo não pode continuar no cargo porque “o presidente de uma fundação pública não pode ter como fundamento norteador a destruição da fundação que ele representa, inclusive, o Ministério Público Federal (MPF) já aponta isso na gestão dele”.
Ainda segundo Beatriz, na presidência do órgão público Camargo é um elemento promotor do racismo brasileiro. “O papel dele é falar as coisas que um racista branco não pode dizer. É um papel tão impopular, que só é possível fazer colocando um homem negro dizendo por eles”, considera.
Com a denúncia registrada, a Polícia Civil deve chamar Sérgio Camargo para depor sobre as declarações racistas e de intolerância religiosa.. As penas previstas para os crimes relacionados na queixa variam entre dois e seis anos, além de pagamento de multa determinada pela Justiça.