O Supremo Tribunal Federal (STF) iniciou nesta quarta-feira (14) o julgamento presencial da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 1196, que questiona leis municipais que concederam à iniciativa privada a gestão de cemitérios e serviços funerários em São Paulo.
O relator, ministro Flávio Dino, já havia proferido duas decisões liminares que estabelecem um teto para as cobranças e determinam medidas de transparência e fiscalização, agora analisadas pelo plenário.
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Em novembro de 2024, Dino determinou o restabelecimento dos preços praticados antes da concessão do serviço à iniciativa privada, corrigidos pelo IPCA. A decisão atendeu parcialmente ao pedido do Partido Comunista do Brasil (PCdoB), autor da ação.
Em março de 2025, o ministro complementou a decisão inicial após audiência de conciliação e análise do Núcleo de Processos Estruturais Complexos (Nupec) do STF. Dino ordenou que a Prefeitura de São Paulo divulgasse de forma clara os preços dos serviços funerários e os critérios para obtenção de gratuidade, tanto no site oficial quanto em local visível nos cemitérios.
O ministro também impôs a disponibilização de cartilhas informativas pelas concessionárias e o aumento das multas por irregularidades.
Essas medidas, segundo o relator, visavam assegurar controle público sobre os serviços privatizados e garantir acesso a informações essenciais para famílias enlutadas. Ambas as decisões são agora avaliadas pelo plenário, após pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes que transferiu o julgamento do ambiente virtual para a sessão presencial.
Partido questiona concessão e aponta violação à dignidade humana
O Partido Comunista do Brasil (PCdoB), autores da ADPF, contesta a constitucionalidade das leis municipais que autorizaram a concessão dos serviços funerários e dos cemitérios públicos. A legenda argumenta que a medida afronta a Lei Orgânica do Município, que atribui à Prefeitura a responsabilidade direta pela gestão e fiscalização desses serviços.
Durante a sessão, o advogado Orlando Silva de Jesus Junior, representando o partido, afirmou que a norma em vigor agride o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1º da Constituição Federal. “Estamos diante de um serviço que não admite a lógica da maximização de lucros. A dignidade humana não se negocia“, afirmou.
O advogado citou casos noticiados pela imprensa, como a cobrança de até R$ 12 mil pelo enterro de um bebê e a limitação de dois sepultamentos gratuitos por dia em alguns cemitérios públicos.
Ele elogiou as liminares concedidas por Dino e esclareceu que a ação não contesta a concessão em si, mas defende a necessidade de fiscalização e de respeito aos direitos dos cidadãos. “Não se trata de impedir a parceria público-privada, mas de garantir que ela não se sobreponha ao mínimo de humanidade no momento da morte”, concluiu.
Prefeitura defende legalidade e modelo de concessão
A procuradora do município de São Paulo, Simone Andrea Coutinho, sustentou a constitucionalidade da Lei 17.180/19 e pediu a revogação das medidas cautelares. Segundo ela, não estariam presentes os requisitos legais para a liminar, como o perigo da demora ou a plausibilidade do direito.
Simone argumentou que a ação se baseia em notícias jornalísticas sem provas documentais e que, por isso, seria inadequada para o instrumento jurídico da ADPF. “A Constituição não veda a concessão de serviços funerários à iniciativa privada”, afirmou. Ela destacou que a norma está em vigor desde 2019 e foi estruturada com base em estudos técnicos, tendo como modelo experiências internacionais.
A procuradora alertou para uma possível violação ao princípio da separação dos Poderes, caso o Judiciário interfira na execução de contratos administrativos. Ressaltou ainda que o modelo prevê gratuidade para famílias de baixa renda e é fiscalizado pela agência reguladora SP Regula.
Debate será retomado com votos reiniciados
Com o pedido de destaque do ministro Gilmar Mendes, todos os votos anteriormente proferidos foram anulados, reiniciando-se o julgamento do zero. Antes da interrupção, já haviam votado os ministros Alexandre de Moraes, André Mendonça, Cristiano Zanin, Dias Toffoli e Edson Fachin, além do relator.
A expectativa é de que o Supremo defina se o município pode conceder serviços funerários à iniciativa privada sem violar o princípio da dignidade humana e, caso seja mantida a concessão, se há necessidade de limites e garantias adicionais para proteger os usuários do serviço.
A decisão poderá repercutir em outros municípios que adotaram ou planejam modelos semelhantes de privatização dos serviços funerários. O julgamento continua nos próximos dias.