Segundo o projeto, o banco genético brasileiro deverá reunir informações do DNA de todos os condenados em primeira instância por crimes dolosos (quando há a intenção)
Texto / Simone Freire* | Imagem / Eduardo Saraiva / A2img
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A ampliação do uso de informações genéticas, multibiométricas e balísticas em investigações criminais foi tema de audiência na Câmara dos Deputados, nesta terça-feira (14), em Brasília (DF).
A atividade faz parte de uma série de encontros realizados pelo grupo de trabalho que analisa o pacote de mudanças para o Código Penal e Eleitoral (PLs 882/19, 10372/18 e 10373/18) proposto pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.
Segundo o projeto, o banco genético brasileiro deverá reunir informações do DNA de todos os condenados em primeira instância por crimes dolosos (quando há a intenção), ou mesmo aqueles que não foram julgados. Atualmente, apenas quem cumpre pena por crime hediondo ou com violência de natureza grave integra o banco de dados – que existe desde 2012.
Maria José Menezes, bióloga, mestre em Patologia Humana e coordenadora do Núcleo de Consciência Negra da Universidade de São Paulo (USP), foi uma das presentes no debate. Para ela, a conduta é totalmente desnecessária, sem estudos de eficácia – uma vez que não se tem certeza que a informação genética contribuirá de alguma forma para as investigações – e pode abrir precedentes para diversas implicações futuras, já que existe o risco de estigmatizar pessoas e atingir seus familiares.
Foto: Pedro Borges / Alma Preta
“As informações contidas em um banco de dados tem as informações do indivíduo, mas também parcela dos dados genéticos dos ancestrais, pais, avós, dos descendentes e dos irmãos, primos, enfim, com todos parentescos consanguíneo. Isto significa que estes bancos têm muito mais informações do que parecem”, disse.
Contrária à proposta, durante o debate Menezes enfatizou a necessidade de um banco genético ser extremamente criterioso e justificável para garantir a proteção à intimidade. Atualmente, explica ela, Constituição Federal protege estes dados através do princípio da dignidade humana. A Declaração Internacional sobre os Dados Humanos da Unesco, de 2004, “considera o genoma humano patrimônio da humanidade e normatiza em nível internacional todas as etapas de manipulação deste material e os dados extraídos.”O vazamento de informações genéticas podem causar graves impactos sociais”, disse, em entrevista ao Alma Preta.
Bancada da Bala
A participação de Menezes no debate é parte da articulação de diversas entidades do movimento negro organizado, que reivindicou a presença de especialistas negros nas audiências para garantir análises sobre o pacote do ponto de vista racial.
Isso porque a população negra pode ser uma das mais impactada pelas mudanças propostas por Moro, uma vez que quase dois terços da população carcerária é negra, segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen). Das 493.145 pessoas presas que tiveram raça, etnia e cor classificadas pelo censo – que abrange a população carcerária até junho de 2016 -, 64% são negras.
“Nossa avaliação é que a proposta é desproporcional, desnecessária e uma violência contra os direitos humanos. Alguns membros da Bancada da Bala falaram em audiência pública que o interesse do governo é ter acesso aos dados genéticos da população carcerária. Mas sabemos que eles, na realidade, terão de parcela da população negra brasileira. Nossa estimativa é de que se este item do decreto for aprovado o governo terá dados de cerca de 2% da nossa população, sendo a comunidade negra quem estará majoritariamente exposta com estas informações. Isto, na nossa avaliação, é extremamente grave e causa, mais uma vez, uma enorme assimetria social”, pontuou.
Também estiveram presentes na audiência, o defensor público do Rio de Janeiro Pedro Cariello, o assessor de Advocacy do Instituto Sou da Paz Felippe Angeli e o presidente da Associação Brasileira de Criminalística Leandro Cerqueira Lima.
Para Cariello, a medida de ampliar o banco de dados genéticos gerará custos desnecessários. “Autores de crimes menos violentos, como furto, estelionato e os de colarinho branco, terão o material genético coletado simplesmente pelo dolo, bastando a condenação em 1ª instância”, observou.
Denúncia internacional
Articuladas, além de participações nas audiências, as organizações do movimento negro denunciaram o pacote de Moro na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão ligado à Organização dos Estados Americanos (OEA), e participaram de uma audiência, em Kingston (Jamaica), no dia 9 de maio. As ponderações foram sintetizadas em um documento enviado à organização em 20 de fevereiro.
Participaram da audiência “Sistema Penal e denúncias de violações dos direitos das pessoas afrodescendentes no Brasil” na CIDH, Anielle Franco (Instituto Marielle Franco/RJ); Boris Calazans(Uneafro/SP); Danilo Serejo (CONAQ/MA); Douglas Belchior (Uneafro/SP); Gizele Martins (Fórum Grita Baixada e Mov. de Favelas/RJ); Iêda Leal de Souza (Movimento Negro Unificado/GO); Lia Manso (Criola/RJ); Maria Sylvia (Instituto da Mulher Negra Geledés/SP); Nilma Bentes (Marcha de Mulheres Negras/PA); Pedro Borges (Alma Preta jornalismo/SP); Rute Fiuza (Mães de Maio/BA); Sandra Maria da Silva Andrade (CONAQ/MG); Sandra Pereira Braga (Conaq/GO) e Winnie Bueno (Matriz Africana/RS).
*Com informações da Agência Câmara de Notícias.