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Bolsonaro fez o que prometeu: prejudicou a vida de negros e pobres

Avaliação do primeiro ano do atual presidente da república é de derrotas e momentos de vitória e resistência

27 de dezembro de 2019

Jair Bolsonaro não pode ser acusado de estelionato eleitoral. Enquanto chefe de Estado, fez aquilo que prometeu durante a campanha e ao longo da carreira: ameaçou jornalistas, apresentou projetos políticos punitivistas, formulou propostas econômicas que reforçam o lugar de subserviência do Brasil na dinâmica internacional do capitalismo e se ofereceu como algoz do meio ambiente.

A reforma da previdência e a proposta de acordo entre o Mercosul e a União Europeia são os pontos mais danosos no plano econômico. No primeiro caso, trata-se de uma grave retirada de direitos da população, que perderá o direito de se aposentar, em especial a negra. Com a aposentadoria prevista para 65 anos para homens e 62 para mulheres e a expectativa de vida em bairros com a maior presença de negros, como o Grajaú, em São Paulo, é de 58,6 anos. Temos uma matemática simples que anuncia a restrição desse grupo para se aposentar.

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O acordo entre Mercosul e União Europeia reforça o lugar do Brasil como vendedor de commodities e importador de produtos com valor agregado. Sem barreiras protecionistas, o Brasil intensificará a produção de materiais agrícolas para a Europa e importará em maior quantidade produtos industriais e tecnológicos. Sem investimento na indústria nacional, seguiremos vendendo laranja e cana de açúcar e comprando tecnologia.

Os impactos desse acordo para o meio ambiente também são gravíssimos. Com maior demanda para a exportação de soja, o Brasil verá uma dinâmica mais forte para o desmatamento e a ampliação da monocultura no país.

O meio ambiente, aliás, foi um dos principais alvos de Jair Bolsonaro. Com a liberação de maior uso de agrotóxicos, o crescimento do desmatamento, Bolsonaro não apenas atinge o planeta, como principalmente os grupos sociais que habitam esses ambientes. Entre os mais atingidos estão as comunidades quilombolas e indígenas.

Somente em 2019, houve o assassinato de diversas lideranças indígenas e quilombolas, como Seu Vermelho, morto a machadadas no Quilombo Rio dos Macacos. O aumento da tensão no campo repercute de maneira direta sobre o número de pessoas vítimas de homicídio, na medida em que há um avanço sobre as disputas de terra.

A principal bandeira do atual presidente, o aumento da repressão e o combate ao crime foram seguidas a risca, mas tiveram de se deparar com uma forte resistência da luta antirracista. O pacote de segurança pública de Sérgio Moro foi a principal bandeira do então governo.

No projeto, Moro apresentou a ampliação do excludente de licitude. Previsto no Código Penal, o excludente de ilicitude define a possibilidade de redução da pena quando atos ilegais, como tirar a vida de alguém, são cometidos. O dispositivo se aplica, por exemplo, se o autor do crime alegar legítima defesa. O texto proposto por Sérgio Moro estipulava que a pena poderia ser reduzida pela metade ou até não aplicada se o crime praticado por agente público, como policial, ocorresse por “escusável medo, surpresa ou violenta emoção”.

Nessa área, porém, Bolsonaro sofreu derrotas. Os principais pontos do pacote de Sérgio Moro, como a ampliação do excludente de licitude, foram derrubados. A vitória é a soma de uma série de fatores, como a denúncia da Vaza Jato feita pelo The Intercept, mas também da ação política do movimento negro, que foi à ONU, OEA, União Europeia e todos os mecanismos possíveis de direitos humanos para denunciar o projeto de Sérgio Moro.

Todo o cenário do primeiro ano indica de que o mandato de Jair Bolsonaro será como foi anunciado ao longo da campanha: retirada de direitos e fortalecimento dos setores privilegiados da sociedade. Ou seja, nada mais, nada menos do que uma tragédia, mas dessa vez, completamente anunciada.

A experiência de resistência dos movimentos sociais, sobretudo o negro, indígena e outros segmentos marginalizados, mostra de que a luta não está perdida. A resistência é sim fator fundamental para que se garanta ao menos parte dos direitos conquistados em outros períodos históricos.

É necessário que se mobilize cada vez mais o povo, com a formação de trabalho de base, para enfrentar esse cenário de retrocesso. O que foi retirado em apenas um ano talvez precise de décadas de governos progressistas para que haja uma total recuperação. Isso porque ainda há mais 3 anos de gestão. A luta continua.

  • Pedro Borges

    Pedro Borges é cofundador, editor-chefe da Alma Preta. Formado pela UNESP, Pedro Borges compôs a equipe do Profissão Repórter e é co-autor do livro "AI-5 50 ANOS - Ainda não terminou de acabar", vencedor do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria Artes.

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