Na terça-feira (19), o encontro do presidente brasileiro Jair Bolsonaro (PSL) com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, gerou reações negativas no Brasil. Os acordos com contrapartida sem ações concretas dos EUA e as declarações do presidente brasileiro foram o combustível de tais reações. Um dos pontos que mais chamou atenção foi uma controversa declaração de Bolsonaro sobre imigrantes.
Texto / Solon Neto
Imagem / Isac Nóbrega/Agência Brasil
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Bolsonaro se alinhou às políticas imigratórias restritivas de Donald Trump afirmando, em entrevista a Shannon Bream, na emissora conservadora Fox News, que “A grande maioria dos imigrantes em potencial não tem boas intenções nem quer o melhor ou fazer bem ao povo americano”. A Fox News é uma das mídias dos EUA mais alinhadas com o governo de Donald Trump.
Mais tarde, Bolsonaro voltou atrás em relação a essa declaração. Porém, seu governo dá sinais frequentes de alinhamento com a visão de Trump e EUA. Foi assim, por exemplo, quando no início do governo, Bolsonaro acenou de forma positiva pela mudança da embaixada brasileira em Israel, de Tel Aviv a Jerusalém, ou quando seu governo cerrou fileiras com os EUA na postura diante da crise política na Venezuela.
Em relação à imigração, no entanto, o ponto mais concreto de ação do governo de Bolsonaro veio através de medida do chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, que em janeiro retirou o Brasil do Pacto Global de Migração da ONU.
Para o pesquisador Márcio Farias, os paralelos constantes de Bolsonaro com as políticas de Trump fazem parte de uma “performance” do grupo político de direita que se forma internacionalmente.
“Do ponto de vista aparente, há uma performance política da nova direita mundial, que busca uma espécie de alinhamento internacional. Estruturalmente estamos diante de uma nova forma da antiga relação de dependência e subserviência de alguns setores da burguesia nacional. Nesse sentido, algumas importações, mesmo que caricatas e muito contraditórias são absorvidas de maneira irresponsável e irrefletida”, explica o pesquisador em entrevista ao Alma Preta.
Com relação à afirmação de Bolsonaro, Farias acredita que ela faz parte de uma ideologia “de um outro entendido como inimigo” que cobre os imigrantes referidos pelo presidente brasileiro e também pelas políticas imigratórias de Trump.
Márcio ainda aponta a contradição dessa importação de performance política encontra na política imigratória um de seus pontos mais evidentes. É nela que a afirmação de Bolsonaro se aproxima do racismo, tanto brasileiro quanto norte-americano.
“O caso da política imigratória é uma demonstração mais explícita. Uma franja da população brasileira, que se pensa descendente dos países do norte, ainda que oriundos , muito deles, de um êxodo europeu por conta de crises políticas e econômicas de fins do século XIX e início XX. Mas que não são consideradas como ‘filhos pródigos’ pelos europeus, mas sim bastardos maculados pelo mistura dos trópicos”, explicita o especialista em imigração.
As principais políticas imigratórias adotadas por Donald Trump têm como alvo imigrantes de países de maioria não branca, principalmente árabes e latinos. É o caso do banimento de vistos para imigrantes, anunciado em 2017, atingindo Chade, Irã, Líbia, Síria, Iêmen, Coreia do Norte e Venezuela. O Sudão também já fez parte da lista.
Outra face da política de Trump tem sido o endurecimento da segurança na fronteira com o México, onde o mandatário planeja construir um muro para impedir novos imigrantes ilegais de entrarem no país, a quem ele se refere frequentemente como “aliens”.
“É preciso entender esse fenômeno pela perspectiva do trabalho. Daí a crise de 2008 é só mais uma etapa da crise estrutural da década de 1970”, explica Márcio Farias, enquadrando a situação dentro de uma perspectiva econômica.
Farias vai além e aponta que raça e gênero dão tons a essa relação com a imigração.
“Nesse ponto, a interpelação pelo signo da raça e do gênero qualificou uma superexploração dos não nacionais. O problema é quando acaba o emprego e os nacionais passam a disputar o trabalho precário. Alinhado à uma cultura de base racista. O dilema estadunidense está novamente exposto”, conclui o pesquisador.