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Com Bolsonaro, Brasil está prestes a institucionalizar a necropolítica

28 de outubro de 2018

Sob a política do ódio, país enfrenta o mais violento processo eleitoral desde a redemocratização do país

Texto / Juliana Gonçalves e Guilherme Soares
ImagemRenato S. Cerqueira/Futura Press

A medida que o candidato à presidência do Brasil Jair Bolsonaro (PSL) sobe nas pesquisas, mais e mais casos de violências e mortes pipocam no Brasil. O país enfrenta o segundo turno das eleições no próximo dia 28 de outubro. Nele, Fernando Haddad (PT) enfrenta a difícil missão de conciliar diversos campos progressistas contra a iminência da perda de direitos e da liberdade.

Democracia no Brasil ainda é palavra de luxo. São apenas 33 anos de período democrático desde sua última ditadura. Uma frágil e jovem democracia que ainda não foi concretizada para milhares de brasileiros, em especial os negros e marginalizados que mesmo em período democrático foram constantemente alijados de seus direitos.

O que ocorre hoje é a resposta dos setores mais conservadores e tacanhos aos avanços sociais dos governos petistas, sobretudo com Luiz Inácio Lula da Silva. Com Lula o PT solidificou políticas públicas voltadas a maioria empobrecida e marginalizada, tirou milhares da linha da miséria, alavancou a inserção social de uma classe média, tudo isso sem “tirar” dos mais ricos. Os bancos nunca ganharam tanto dinheiro como nos governos petistas.

Os avanços ainda na época de Lula já desencadeavam uma resposta de ódio. Foi também neste período que a população mais negra fora da África, viu seus índices de genocídio negro ultrapassarem números aceitáveis numa democracia. A cada 23 minutos um jovem negro é morto e os homicídios de mulheres negras aumentaram 54% em dez anos no Brasil, entre 2003 e 2013, segundo o Mapa da Violência, da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso). Se a política da morte já existe, com Bolsonaro ela pode vir a ser institucionalizada.

Nesse sentido, nunca pode ser tão verdade a possibilidade de concretização efetiva em tempos democráticos do conceito formulado pelo sociólogo camaronês Achille Mbembe, a “necropolítica”: uma ação política centralizada na produção da morte em larga escala nas mãos do estado que dita quem deve viver e quem deve morrer.

Com o acirramento da disputa política polarizada que temos vivido no Brasil, a escalada da violência, que sempre atingiu, principalmente, corpos negros, femininos, LGBTs e afins, elevou-se a outro patamar, com a execução de Marielle Franco, cujo corpo de mulher, de preta, de lésbica, de parlamentar e de favelada era a síntese de muitas causas de violência. Já são sete meses sem resposta sobre essa execução política que foi ao mesmo tempo síntese e anunciação de tempos sombrios para o Brasil.

Com o advento fascistóide, os homicídios de cunho político são mais frequentes, como os assassinatos de Mestre Moa do Katendê, em Salvador em 7 de outubro, poucas horas da definição de que Bolsonaro enfrentaria Haddad no segundo turno. Foi também aos gritos de “Bolsonaro” e “ele sim” que, segundo testemunhas, a travesti Priscila foi assassinada na madrugada do dia 16 de outubro.

O “ele sim” faz alusão a hastag #EleNão. As mulheres puxaram esse grande movimento para fazer frente ao candidato do PSL. Neste processo aqui no Brasil, as mulheres viraram a grande esperança de barrar Bolsonaro. Além de uma mobilização massiva nas redes sociais, com milhões de seguidoras reproduzindo a hashtag, atos públicos tomaram as ruas de diversas cidades do Brasil – e de outras pelo mundo – no último dia 29 de setembro. As diversas declarações misóginas de Bolsonaro já provaram que mais do que não respeitar as mulheres, ele as vê como inimigas.

Um país dividido

Recente pesquisa do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) revela como ficou a composição do congresso pós-eleições. Salta aos olhos a intensa fragmentação partidária e como o Congresso se tornou mais conservador em relação aos valores. Cerca 141 dos novos parlamentares se elegeram em função da relação de parentesco com políticos tradicionais, lideranças evangélicas, policiais linha dura ou celebridades. São em sua maioria homens e brancos. O total geral de votos durante o pleito mostra a concretude da polarização em torno do PSL – 11.640.033 votos – e do PT – 10.126.611 votos.

Se por um lado os candidatos do campo da direita protagonizaram as eleições refletindo os pensamentos mais bárbaros e violentos de Bolsonaro, por outro, houve avanços. Inspiradas em Marielle, algumas mulheres negras conseguiram pela primeira vez se eleger em diversos estados. A vitória mais emblemática é, sem dúvidas, de Erica Malunguinho, eleita deputada estadual pelo PSOL. Neste país de índices alarmantes de assassinatos de jovens adultos negros, neste país que mais mata LBTQI+ no mundo, que mais mata pessoas trans no mundo, a eleição de Malunguinho, uma representante de vários corpos, foi um sopro de esperança. Com minguados recursos e estrutura partidária, com um discurso combativo no campo racial, com uma campanha batizada de “campanha quilombo”, e sem medo de apontar as falhas que o campo da esquerda cometeu com os negros e negras, Erica conquistou 55.423 mil eleitores e constrói agora uma “mandata-quilombo” no principal partido de esquerda do país.

No Brasil a luta de classes está mais viva do que nunca. Erica e Jair, de lado opostos, são ecos potentes dos ventos de mudança. Ela representando a esperança de uma política que se pense das margens para o centro, plural e inclusiva. Ele, encarnando os senhores de escravos, os oligarcas que ganharam mais força num país que nos últimos anos atrelou a cidadania ao consumo.

Bolsonaro personifica o fascismo no Brasil

A eleição no Brasil vai na esteira de outras eleições no mundo, onde a extrema direita ganha espaço. Nos Estados Unidos, depois da era de Barack Obama, Donald Trump triunfou prometendo construir um muro na fronteira com o México. Na Inglaterra, o Brexit previu a saída do país da União Europeia. Na França, Marine Le Pen quase ganhou as eleições. Na América Latina, o empresário Maurício Macri já havia triunfado na Argentina prometendo reformas e crescimento econômico.

Parece mesmo que o mundo vive um contra-fluxo de direita e que a cada governo em que há avanços sociais, aqueles que tiveram menos por já serem bem privilegiados, escolhem voltar atrás. É por isso que promessas de Bolsonaro como acabar com as cotas raciais em universidades e concursos públicos surtem tanto efeito. O candidato também promete acabar com a política de gênero nas escolas – essa é uma das poucas promessas dele para educação, apesar de não haver efetivamente ensino que dê ênfase nesse tema nas defasadas escolas públicas brasileiras.

A segurança, outro ponto de atração do candidato, tampouco tem promessas claras que sigam além do castrar estupradores ou voltar a vender armas para o cidadão. As frases racistas, misóginas e homofóbicas do candidato são contemporizadas pelos eleitores dispostos a votar nele. Bolsonaro é tido como sincero e muitos não acreditam que o candidato possa acabar com direitos que os afetem.

O mito Bolsonaro se consolida galgado em um ódio ao PT, mas também em uma figura que se pinta como não-corrupta e que fala o que pensa. Ele seria um líder disposto a enfrentar tudo e todos para o país crescer e se livrar do fantasma da corrupção. Mas, durante o pleito o ex-capitão do Exército se mostrou pouco disposto ao diálogo e disse que pretendia acabar com todos os “ativismos”. Alguns especialistas acreditam que o “bolsonarismo” seria um modelo em que a própria população a favor do então presidente combateria possíveis oponentes contrários ao governo.

No campo econômico, o mercado financeiro vive um movimento anacrônico: a bolsa sobe e o dólar cai a cada vez que Bolsonaro aparece liderando as pesquisas. Mas há uma incógnita em saber como o candidato vai se comportar. Ele já demonstrou desconhecimento econômico e promete terceirizar o assunto com o economista Paulo Guedes. Já o governo de “esquerda” de Fernando Haddad (PT) promete remédios já praticados pelos governos anteriores do partido, em que muita gente do mercado ganhou bastante dinheiro. O fato é que o mercado comprou o fato de Bolsonaro ter se mostrado mais liberal, disposto a privatizar algumas empresas estatais com o objetivo de quitar parte da dívida pública brasileira. O enigma é se ele terá condições de conduzir um país dividido que sai de uma crise econômica e enfrenta disparidades sociais, que prometem ser ignoradas pelo candidato.

Ainda dá para salvar o Brasil?

O banqueiro e oligarca baiano Clemente Mariani, em 1946, na Assembleia Constituinte, num acesso de sinceridade em sua fúria anticomunista, disse: “a democracia que queremos implantar no Brasil não é a democracia social ou proletária, mas a democracia formal, burguesa, que tem seu fundamento, sobretudo, na liberdade, e não na igualdade”.

A frase dá o tom do que alguns apoiadores de Bolsonaro acreditam: uma democracia no papel e a ditadura na rua. A outra parcela defende abertamente a volta dos militares no poder.

No meio do caos nunca é hora de apontar culpados, mas desde já devemos construir resistência longe das diretrizes que nos levaram a essa democracia incompleta que vivemos. Raça, gênero e classe precisam estar no centro da nossa preocupação quando sonhamos uma democracia que não seja distante do seu povo e que sirva a ele, e não que garanta direitos aos ricos enquanto penaliza os mais pobres.

Para essa reflexão precisamos encarar, sem medos, os limites da democracia dentro do capitalismo. O intelectual português Boaventura Souza Santos vai afirmar que “radicalizar a democracia significa intensificar sua tensão com o capitalismo”. É preciso que o trabalho de base, abandonado por alguns setores, seja ponto de partida para essa construção plural que é urgente.

Independente do resultado da eleição do dia 28 de outubro, a democracia brasileira continuará em perigo. O fascismo é monstro que não vai querer voltar para o armário. Agora eles sabem o seu tamanho. A sorte é que nós também sabemos. Vai ter luta.

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