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Com mudança do Incra, 95% dos quilombos estão sujeitos a receber obras sem consulta prévia

Mandato da deputada federal Áurea Carolina (PSOL-MG) cobra posicionamento do Instituto e sinaliza a ilegitimidade da normativa do órgão

Imagem: Tânia Rêgo / Agência Brasil

Foto: Imagem: Tânia Rêgo / Agência Brasil

14 de março de 2022

O Incra alterou as regras para o licenciamento ambiental de obras em terras quilombolas com a normativa 111, no dia 22 de dezembro de 2021. Com o novo texto, o órgão se limitará a fazer análises de impacto e escuta com as comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares (FCP) e tituladas pelo Incra.

Dados do próprio Incra, de 2019, sinalizam para a existência de 5972 quilombos no Brasil. Desses, apenas 304 tinham o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID), número que representa 5% dos quilombos no país.

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O Requerimento de Informação (RI), enviado pelo mandato da deputada Áurea Carolina (PSOL-MG), com endosso da bancada do PSOL da Câmara, pede uma atualização dos dados de 2019 e informa que essa alteração representa um retrocesso jurídico. O pedido, construído com a Coordenação Nacional das Entidades Quilombolas (CONAQ), foi protocolado no dia 23 de Fevereiro, e ainda não recebeu um retorno por parte do Incra.

“Nós avaliamos que esta esta normativa foi um atraso gigantesco na nossa causa. Esta medida normativa veio para acabar com toda a política quilombola e abrir as porteiras mesmo para os empreendimentos e o agronegócio dentro dos territórios quilombolas”, explica Biko Rodrigues, coordenador nacional da CONAQ. 

A falta de nitidez da Instrução Normativa (IN) do Incra incentivou o questionamento do que deve acontecer com as comunidades quilombolas sem o RTID. O requerimento de Áurea Carolina pergunta sobre os procedimentos que serão adotados pelo órgão para a garantia do acordado na Convenção da OIT e na própria legislação brasileira.

A Instrução Normativa n° 1, de 2018, da Fundação Cultural Palmares indica que as comunidades quilombolas são “os grupos étnico-raciais, segundo critérios de autoatribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida, certificadas pela FCP”.

Identificadas enquanto comunidades quilombolas, independente da titulação do Incra e da certificação da Fundação Cultural Palmares, o RI da deputada do PSOL afirma que esses grupos têm o direito aos acordos firmados pela Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT). 

O artigo 6° da Convenção 169 da OIT indica que os governos devem “consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”. O artigo ainda indica que há o “objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas”. A Instrução Normativa do Incra não aponta para a busca de um consentimento com as comunidades quilombolas.

O documento do Incra também abre a possibilidade da não realização de oitivas, “por motivos alheios à responsabilidade da Autarquia ou do empreendedor”, o que ocasionará na manifestação do órgão “com relação aos produtos apresentados, registrando a ausência de oitiva”. O requerimento da deputada Áurea Carolina questiona o formato das oitivas, bem como pede uma explicação mais detalhada sobre quais podem ser os “motivos alheios” para impedir a realização de uma oitiva com as comunidades quilombolas.

O requerimento questiona o Incra se o tratado internacional foi considerado na construção da normativa, por possível violação do requisito de consulta prévia. De acordo com o pedido da bancada do PSOL, a Instrução Normativa do Incra é nebulosa quanto à garantia do direito de consulta prévia.

“De forma geral, o que se assiste no Brasil são sucessivas tentativas de retroceder na legislação socioambiental e enfraquecer o licenciamento ambiental. Diante desse cenário, entendemos importante que a Autarquia se manifeste a respeito da nova norma, buscando esclarecer a esta Casa qual a postura pretende adotar em relação ao licenciamento de obras e empreendimentos que possam impactar as comunidades quilombolas”, diz o texto.

O artigo 33 da Convenção também indica a importância da participação dos povos quilombolas na administração desses territórios. Sinaliza que os programas e medidas que “afetam os povos interessados (…) deverão incluir: o planejamento, coordenação, execução e avaliação, em cooperação com os povos interessados”. Os quilombolas afirmam, contudo, que não houve qualquer diálogo com o Incra.

Biko Rodrigues diz que a mudança gera preocupação nas comunidades quilombolas, em especial pela falta de estrutura do Incra para lidar com as demandas desse segmento social. “O Incra não tem estrutura nenhuma para trabalhar o licenciamento ambiental. O Incra está totalmente sucateado”, conclui.

Leia mais: Quilombolas no Censo 2022: ‘Invisibilidade nos tira o direito de viver de forma digna nos territórios’

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