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Como o governo Bolsonaro tentou impedir o uso do termo “racismo ambiental”

O racismo ambiental como conceito, usado inclusive pela ONU, se mostra relevante na prática no Brasil, onde os territórios e a vida dos povos indígenas, comunidades quilombolas e ribeirinhas são constantemente ameaçadas por invasões e incêndios

Texto: Pedro Braga | Edição: Nataly Simões | Imagem: Reprodução

Imagem mostra um córrego com casas de tabua ao lado

Imagem mostra um córrego com casas de tabua ao lado

12 de outubro de 2021

Durante uma sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, no dia 4 de outubro, representantes do governo brasileiro questionaram o uso do termo “racismo ambiental” para abordar a intersecção entre injustiça racial e ambiental.

O posicionamento do governo Bolsonaro ocorre às vésperas da Cúpula do Clima, em Glasgow – a COP26. Foi nesse contexto que o representante do Brasil na sessão contestou o termo e seu uso pela Organização das Nações Unidas. “Notamos que o chamado racismo ambiental não é uma terminologia internacionalmente reconhecida”, disse o diplomata.

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Acontece que o próprio evento tinha como base um relatório recente do Conselho da Nações Unidas que apontou para o uso do racismo como elemento para “normalizar a exploração e o descaso, abrindo oportunidades para se gerar lucro às custas da vida, dos recursos e das terras das pessoas”. O relatório da ONU cita como um dos exemplos de situação de racismo ambiental o caso das comunidades quilombolas no Brasil – que sofrem consequências diretas da crise climática por morarem, muitas vezes, em territórios não demarcados.

O relatório intitulado “Justiça Ambiental, Crise Climática e Pessoas de Descendência Africana” afirma que “as pessoas com ascendência africana continuam sujeitas ao racismo ambiental e são desproporcionalmente afetadas pela crise climática.” De acordo com o documento, o racismo ambiental “refere-se à injustiça ambiental na prática, nas políticas públicas e significa uma manifestação contemporânea mensurável de racismo, discriminação racial, xenofobia, afrofobia e intolerância relacionada.”

Falando em nome do Brasil na sessão das Nações Unidas, porém, um representante do Itamaraty deixou claro que o termo não era aceito pelo governo Bolsonaro. O mesmo governo é alvo de críticas tanto por sua política ambiental como por seu posicionamento sobre o racismo.

“Nenhuma forma de racismo deve ser tolerada”, disse o governo. “Mas para o Brasil, a discussão sobre a relação entre problemas ambientais e questões sociais, como racismo, deve levar em consideração um enfoque equilibrado e integrado à dimensão social, econômica e ambiental”, conclui.

A ONU também afirma que o racismo ambiental não pode ser discutido isoladamente. “Como consequência do racismo histórico e estrutural, dos modelos econômicos exploradores e do legado do comércio de africanos escravizados, pessoas de ascendência africana viveram segregadas, e foram tomadas decisões que as expuseram de forma desproporcional aos riscos ambientais”, afirma o documento.

A origem do termo

O termo “racismo ambiental” foi abordado pela primeira vez pelo líder e ativista pelos direitos civis Dr. Benjamin Franklin Chavis Jr, em 1981, numa época de manifestações do movimento negro contra injustiças ambientais nos EUA. Segundo ele, “racismo ambiental é a discriminação racial na elaboração de políticas ambientais, aplicação de regulamentos e leis, direcionamento deliberado de comunidades negras para instalações de resíduos tóxicos, sanção oficial da presença de venenos e poluentes com risco de vida a comunidades e exclusão de pessoas negras da liderança dos movimentos ecológicos.”

O termo ganhou renovada saliência em anos recentes, graças a alianças entre organizações antirracistas e o ativismo climático. Esses movimentos buscam destaque e apoio para as comunidades que mais sofrem os efeitos da economia de combustíveis fósseis, entre os quais estão a exposição a resíduos tóxicos, inundações, contaminação pela extração de recursos naturais e industriais, carência de bens essenciais ou a exclusão da administração e tomada de decisões sobre as terras e os recursos naturais pelas populações locais.

Ainda de acordo com o documento da ONU, a questão do racismo climático também se manifesta na relação entre os países. “Internacionalmente, os resíduos perigosos continuam a ser exportados para países do Sul global com políticas ambientais e práticas de segurança laxistas.”

Enquanto o governo atua para tentar impedir que o termo seja utilizado em discussões oficiais, outros brasileiros lutam para dar destaque ao tema. ngela Mendes, filha do ativista Chico Mendes, tomou a palavra na ONU e defendeu a criação de uma relatoria para avaliar a crise climática e supervisionar governos e empresas.

De acordo com ela, essa ideia dará poder aos setores mais impactados pela crise climática. “Fazemos um chamado aos membros do Conselho de Direitos Humanos da ONU para que aprovem o projeto”, falou — em nome de 34 entidades brasileiras e internacionais, como OAB, Amazon Rebellion, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, Comitê Chico Mendes, Conselho Indigenista Missionário e Human Rights Watch.

O racismo ambiental como conceito se mostra relevante na prática no Brasil, onde os territórios e a vida dos povos indígenas, comunidades quilombolas e ribeirinhas são constantemente ameaçadas por invasões e incêndios.

O próprio marco temporal (PL 490/2007) é apontado como um exemplo claro de racismo ambiental. Se aprovado, impedirá os povos indígenas de exercerem seus direitos de sua maneira tradicional, em relação à natureza e aos recursos naturais — subtraindo o caráter fundamental de ancestralidade e limitando seus direitos a 1988.

“Em um mundo que a raça define a vida e a morte, não a tomar (a raça) como elemento de análise das grandes questões contemporâneas demonstra a falta de compromisso com a ciência e com a resolução das grandes mazelas do mundo”, resume o presidente o presidente do Instituto Luiz Gama, Sílvio Almeida, autor do livro “Racismo Estrutural”.

Este conteúdo é resultado de uma parceria da Alma Preta com a Purpose e o Fervura para o Dia 12 de Outubro, Dia Mundial de Prevenção aos Desastres Naturais.

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